SAÚDE

Próteses ganham escudo de antibiótico para evitar reações do corpo

Revestimento químico evita 100% das infecções pós-operatórias em testes com ratos. Segundo cientistas, solução pode ser aplicada na hora da cirurgia

Vilhena Soares
postado em 27/09/2021 06:00
 (crédito: Segura Laboratory and Bertha Laboratory/Divulgação)
(crédito: Segura Laboratory and Bertha Laboratory/Divulgação)

Cirurgias para inserção de próteses podem gerar complicações. Uma delas é o corpo “perceber” o novo material como um agente nocivo e rejeitá-lo, desencadeando uma série de respostas biológicas agressivas, como infecções. Pesquisadores dos Estados Unidos desenvolveram um escudo químico para evitar esse transtorno. O revestimento, feito de uma mistura de dois polímeros e de um antibiótico, é aplicado diretamente na prótese antes da cirurgia. Em testes com ratos, surtiu resultados positivos, apresentados na última edição da revista especializada Nature Communications.

Tatiana Segura, professora de engenharia biomédica da Universidade de Duke e principal desenvolvedora da tecnologia, conta que a busca por um protetor para próteses surgiu após conversas com médicos da oncologia ortopédica pediátrica. “Ouvi deles que muitas crianças em tratamento têm grandes proporções de osso removidas, o que requer implantes ortopédicos. Mas como esses pacientes geralmente também estão passando por quimioterapia, o sistema imunológico deles está fraco, o que os deixa vulneráveis a bactérias que podem surgir na superfície do implante”, detalha.

A cientista explica que essas crianças enfrentam a difícil escolha de fazer quimioterapia em vez de salvar uma estrutura óssea. “Essa é uma situação horrível. Tudo o que elas realmente precisam é de algo que impeça que uma infecção se alastre, até porque prevenir essa complicação é muito mais fácil do que tratá-la”, completa. Na tentativa de ajudar esses pacientes, Segura e colegas criaram um escudo anti-infecções formado por dois polímeros, moléculas repletas de qualidades químicas e não nocivas ao corpo humano, e um antibiótico.

Essas peças são combinadas em um processo chamado reação de clique. Nele, uma luz ultravioleta brilhante faz com que as três substâncias se unam em uma única estrutura. “Um dos polímeros repele a água, e o outro, se mistura bem com líquidos. Fizemos com que esses dois produtos se misturassem, criando uma espécie de grade que prende o antibiótico e o deixa estável”, explica a pesquisadora.

Qualquer antibiótico pode ser incorporado aos polímeros, e o escudo químico pode ser aplicado diretamente no implante ortopédico por imersão, pincelagem ou pulverização. “O remédio pode ser escolhido pelo especialista com base no local do corpo em que o dispositivo será implantado ou de acordo com quais patógenos são comuns nesse território”, afirma Segura.

Facilidade

Os pesquisadores testaram o novo revestimento em ratos que receberam implantes de perna ou de coluna. Vinte dias após o procedimento, o produto não havia gerado complicações e tinha evitado 100% das infecções. Segundo a equipe, esse período de tempo é longo o suficiente para evitar que a grande maioria desses tipos de problemas ocorra. “Nós mostramos que um revestimento simples pode ser aplicado de forma rápida e segura dentro da sala de cirurgia e sem a necessidade de modificar os implantes existentes”, relata Christopher Hart, médico residente em cirurgia ortopédica da Universidade da Califórnia e participante dos experimentos. “Esse estudo é um grande exemplo do poder da reação de clique em aplicações biomédicas”, acrescenta.

Segundo Filipe Tôrres, membro do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE) e especialista em engenharia biomédica e engenharia eletrônica da Universidade de Brasília (UnB), a técnica usada é simples e fornece uma série de benefícios à área médica. “A reação de clique faz com que elementos muito diferentes se unam apenas com o uso da luz ultravioleta. Como é o caso dessa pesquisa, você consegue manter o antibiótico no local que precisa, gerando, assim, um grande auxílio”, explica.

O especialista brasileiro também avalia que uma das grandes vantagens do revestimento criado pelos americanos é a forma de uso. “Você pode aplicá-lo de maneiras bem simples, sem atrapalhar as cirurgias e mexer na forma original das próteses, o que poderia atrapalhar todo o processo médico.”

Testes clínicos

Para Tôrres, um dos desafios da equipe é saber se essa estrutura funciona em ossos de maior porte, como os humanos. “Eles precisam avaliar qual seria a resposta nesse cenário, que é bem diferente de animais pequenos, como ratos”, afirma. “Mas como os dados obtidos com as cobaias foram de 100% de aproveitamento, temos grandes chances de que isso se repita em animais maiores e, em seguida, em testes clínicos.”

A equipe americana adianta que os testes com o revestimento em animais maiores será a próxima etapa do projeto. Eles estão confiantes de que a solução poderá ser facilmente comercializada daqui a alguns anos. “Acreditamos que essa pesquisa representa o futuro dos implantes cirúrgicos, fornecendo maior segurança a esse processo por meio de uma tecnologia antimicrobiana inteligente”, enfatiza Segura.

Usos variados

Infecções desencadeadas por implantes não são problemas exclusivos de crianças ou pacientes com câncer, apesar de serem as mais comuns. Em cirurgias de substituição articular, por exemplo, o problema ocorre em 1% dos procedimentos primários e em até 7% dos de revisão, feitas para a manutenção da prótese. Segundo a equipe da Universidade de Duke, a estimativa é de que essas complicações custem ao sistema de saúde dos Estados Unidos mais de US$ 8,6 bilhões anuais.

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Palavra de especialista

Um grande passo
“Trata-se de uma pesquisa a respeito de um dos grandes desafios da nossa prática clínica: a infecção em casos de transplantes/próteses ortopédicas. Sabe-se que, mesmo tomando todas as medidas de assepsia necessárias no ato cirúrgico, o risco de infecção é inerente ao procedimento. O que torna complexo o tratamento nesses casos é o fato de a prótese ser avascular, tornando difícil a chegada do antibiótico pela corrente sanguínea no local infectado, favorecendo, inclusive, a formação de bactérias e a multirresistência a antibióticos. Essa pesquisa mostra um dispositivo que funciona como se fosse uma capa que reveste a prótese e impede a ocorrência de infecção, sendo reabsorvida pelo organismo alguns dias depois. Claro que ainda necessitamos de mais estudos, de preferência randomizados e inseridos na nossa realidade brasileira, mas já é um grande passo para um futuro com cirurgias ortopédicas mais seguras e com menor índice de infecção associada.”
Icaro Haum, ortopedista e traumatologista do Hospital Santa Marta, em Brasília

Microchip voador monitora a poluição

 (crédito: Northwestern University/Divulgação)
crédito: Northwestern University/Divulgação

Pesquisadores americanos desenvolveram a menor estrutura voadora já feita pelo homem. A nova tecnologia é um microchip, do tamanho de um grão de areia, que consegue se movimentar com o auxílio do vento. O dispositivo foi criado para monitorar a poluição do ar e obteve o desempenho esperado em testes iniciais. O projeto foi apresentado na última edição da revista especializada Nature.

Para desenvolver o microchip voador, a equipe estudou, durante anos, a movimentação de folhas de árvores e sementes que se dispersam com o vento. Com base nas observações, desenvolveram um dispositivo sem motor, capaz de plainar e seguir trajetos predeterminados. “Fomos totalmente inspirados pelo mundo biológico. Ao longo de bilhões de anos, a natureza espalhou sementes com uma aerodinâmica muito sofisticada. Pegamos emprestado esses conceitos de design, os adaptamos e os aplicamos a plataformas de circuitos eletrônicos”, relata, em comunicado, John A. Rogers, pesquisador da Universidade de Northwestern, nos Estados Unidos, e um dos autores do estudo.

A tecnologia é feita com materiais microeletrônicos, criados com auxílio da nanotecnologia e da impressão 3D. Ela contém três asas, semelhantes a uma hélice de um helicóptero. Esse design, segundo os criadores, permite que o microchip consiga voar com facilidade, sendo comandado por computadores.

Sensores incluídos no dispositivo ajudam no monitoramento químico do ar, o que pode auxiliar na detecção de poluentes. “A maioria das tecnologias de monitoramento é grande e limitada, coletando dados em regiões pequenas. Com esse novo aparelho, poderemos quebrar esses limites”, aposta Rogers. “Acreditamos que essa pesquisa significa uma nova era. No futuro, teremos ainda mais dispositivos semelhantes a esse, e eles nos ajudarão a realizar tarefas essenciais para a proteção do meio ambiente. Tudo isso com o auxílio da natureza.”

 

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