AVANÇOS CIENTÍFICOS

Para substituir antibióticos, cientistas desenvolvem gel para tratar lesões na pele

Por reações moleculares, o produto ataca os microorganismos e ativa a defesa do organismo

Vilhena Soares
postado em 25/10/2021 06:00
 (crédito: Malkoch Group/KTH Royal Institute of Technology)
(crédito: Malkoch Group/KTH Royal Institute of Technology)

O uso descontrolado de antibióticos tem gerado um grande problema para a área médica. Quando utilizados desnecessariamente e sem indicação de um especialista, esses remédios perdem a eficácia e impulsionam o surgimento das superbactérias, que podem provocar a morte dos pacientes. Para contornar essa situação, pesquisadores suecos desenvolveram um gel capaz de executar a mesma tarefa que essas drogas nas lesões de pele.

A nova tecnologia é feita de uma mistura de materiais químicos inteligentes, que, por meio de pequenas reações moleculares, consegue atacar os microorganismos maléficos ao organismo, além de impulsionar o sistema de defesa natural do corpo. O trabalho foi apresentado na última edição da revista da Sociedade Americana de Química.

Para criar um substituto à altura para os antibióticos, os pesquisadores precisavam de um material que pudesse ser aplicado na pele sem riscos de rejeição. Escolheram os hidrogéis, que não geram reações adversas no organismo, são 100% biodegradáveis e não tóxicos. “Os hidrogéis são excelentes para curativos por causa de suas propriedades tácteis mais macias, adesivas e flexíveis. Eles também mantêm o ambiente úmido, algo benéfico para a cicatrização de feridas”, justificou Michael Malkoch, pesquisador do Instituto Karolinska, na Suécia, e principal autor do estudo científico.

Para fazer com que o material se tornasse antibacteriano, os pesquisadores incorporaram à mistura de hidrogéis duas macromoléculas dendríticas (polietilenoglicol e ácido propiônico). Segundo os especialistas, esses elementos químicos foram usados por apresentarem estruturas em forma de ramos, que carregam em suas pontas cargas elétricas catiônicas (positivas). “Eles se assemelham a macieiras lindamente podadas”, comparou Malkoch.

Interação

Ao entrar em contato com os agentes infecciosos, os cátions interagem com a parte externa das bactérias (membranas celulares), que também possuem uma carga elétrica, só que negativa (ânions), causando, assim, uma reação que “desmonta” os agentes nocivos. “Quando eles se encontram, temos uma interação que não termina bem para as bactérias”, detalhou o autor do estudo.

Para testar o material, os pesquisadores usaram o novo gel em uma série de bactérias, e observaram resultados extremamente positivos. “Realizamos análises com vários agentes infecciosos clinicamente relevantes, incluindo Pseudomonas aeruginosa (P. aeruginosa) e Staphylococcus aureus (S. aureus). Nosso hidrogel se mostrou 100% eficaz em matar a primeira e quase tão eficiente em exterminar a segunda”, frisaram os autores no artigo.

Os pesquisadores também observaram nos testes laboratoriais que a nova tecnologia induziu a expressão de peptídeos antimicrobianos, moléculas presentes naturalmente nas células da pele humana. “Esses peptídeos são chamados de antibióticos endógenos, pois nos ajudam a combater bactérias e eliminar a infecção”, explicou Annelie Brauner, também pesquisadora do Instituto Karolinska e coautora do estudo. “Ao contrário dos antibióticos tradicionais, em que as bactérias podem desenvolver resistência rapidamente, com os peptídeos antimicrobianos esse é um efeito raro”, acrescentou.

Novos testes

A equipe do Instituto Karolinska reconhece que o hidrogel precisa passar por mais testes para ser usado como um substituto aos antibióticos. Apesar disso, destacam, desde já, que o método de produção do novo material é simples e barato, o que pode facilitar uma futura comercialização da nova tecnologia. “O gel é uma excelente contribuição na luta contra bactérias multirresistentes, especialmente nos tempos atuais, já que estamos ficando sem antibióticos disponíveis”, frisou Annelie Brauner, coautora do estudo.

Leticia Caramori Cefali, coordenadora do curso de Farmácia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, assinalou que o uso de hidrogéis na área farmacológica tem sido algo constante, devido justamente às qualidades do material exploradas pelos criadores do hidrogel. “É um tipo de produto fácil de ser desenvolvido em laboratório. Muitos deles podem ter até uma origem natural. A sua maior vantagem é que ele não causa alergias e irritações à pele, por isso muitas pesquisas têm usado hidrogéis como matéria-prima”, observou.

A especialista lembrou que uma das bactérias testadas pela equipe sueca, a Staphylococcus aureus, desenvolve-se mais na pele. “É algo ideal para o produto desenvolvido por esses cientistas, que foi projetado para ser usado de forma tópica, assim como as pomadas”, disse. Ressaltou, ainda, a metodologia seguida pela equipe do Instituto Karolinska, que obteve sucesso ao desenvolver um processo químico que copia a ação dos antibióticos.

“É possível usar drogas na confecção dos hidrogéis, mas os pesquisadores suecos preferiram criar uma fórmula em que apenas a interação de cargas positivas e negativas fossem o suficiente para combater as bactérias”, destacou. “Isso é algo que reflete uma necessidade da área. A indústria tem visto que é importante ter opções para evitar que essa crise dos antibióticos se agrave ainda mais.”

Para ela, embora ainda esteja no início, o estudo é promissor. “Essa não é uma opção que resolverá toda a crise, até porque esse novo gel poderá ser usado apenas na pele, porém é mais uma alternativa que contribuirá para manter sob controle o uso descontrolado de antibióticos”, reforçou.

 

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Palavra de especialista

Melhor opção com menor custo

“Esse gel seria uma ótima opção de tratamento de feridas que apresentam um risco de contaminação por bactérias, o que hoje é algo de extrema valia no meio hospitalar. Pacientes internados, principalmente de longa data, correm o risco de desenvolver esse tipo de problema. Graças a ação desse produto, nós poderemos evitar um risco de contaminação, que é algo que nos preocupa bastante durante o tratamento médico, e sem precisar usar os antibióticos, que apresentam um custo caro. Portanto, essa descoberta, apesar de ainda experimental, mostra-se promissora no âmbito do custo-efetividade financeira e de bem-estar ao paciente. Opções como essas serão extremamente bem-vindas.”

Gabriel Resende, clínico médico do Hospital Santa Marta, em Brasília

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