Construção moderna, concreto antigo

Ideia é cogitada por cientistas americanos que investigam a composição do material usado em famosas obras romanas. A durabilidade de estruturas milenares poderá inspirar novas técnicas de edificações mais sustentáveis

Correio Braziliense
postado em 06/12/2021 00:01
 (crédito: M.Jackson/MIT/Divulgação)
(crédito: M.Jackson/MIT/Divulgação)

O concreto geralmente começa a rachar e a desmoronar depois de algumas décadas de vida — mas, curiosamente, esse não era o caso de muitas estruturas da Roma antiga. Passam-se séculos e elas continuam de pé, exibindo durabilidade significativa, apesar de sujeitas às mesmas condições ambientais que destruiriam os materiais modernos. Para especialistas, a tecnologia pode ajudar no desenvolvimento de construções modernas mais sustentáveis.

Uma estrutura de durabilidade particular é a grande tumba cilíndrica da nobre Caecilia Metella, do século 1 a.C. Uma nova pesquisa do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT) publicada no Journal of the American Ceramic Society mostra que a qualidade do concreto dessa construção pode exceder à dos monumentos de seus contemporâneos devido ao agregado vulcânico que os construtores escolheram e às interações químicas incomuns, com a chuva e os lençóis freáticos que se acumulam ao longo de dois milênios.

Esse material foi utilizado pela equipe estadunidense para entender a formação mineral antiga da estrutura de concreto. "Compreender a composição e os processos de fabricação de materiais antigos pode informar os pesquisadores sobre novas maneiras de criar materiais de construção duráveis e sustentáveis para o futuro", diz Admir Masic, professor de engenharia civil e ambiental do MIT. "O túmulo de Caecilia Metella é uma das estruturas mais antigas ainda de pé, oferecendo ideias que podem inspirar a construção moderna."

Localizada em uma antiga estrada romana também conhecida como Via Ápia, a tumba de Caecilia Metella é um marco dessa região. Consiste em uma torre em forma de rotunda, que fica em uma base quadrada, com 21m de altura e 29m de diâmetro. Construída por volta de 30 a.C., na transformação da República Romana em Império, liderada pelo Imperador Augusto, a tumba é considerada um dos monumentos mais bem preservados do local.

A própria Caecilia pertencia a uma família aristocrática. Ela se casou com um membro da família de Marco Crasso, que formou uma famosa aliança com Júlio César e Pompeu. "A construção de um monumento desse em um ponto de referência muito inovador e robusto na Via Appia Antica indica que ela era muito respeitada", diz Marie Jackson, professora-associada de pesquisa em geologia e geofísica na Universidade de Utah e coautora do artigo. "O tecido de concreto 2.050 anos depois reflete uma presença forte e resiliente."

Forte coesão

A tumba é um exemplo das tecnologias refinadas de construção de concreto no fim da Roma republicana. Os métodos foram descritos pelo arquiteto Vitruvius durante a construção da Tumba de Caecilia Metella. Erguer paredes espessas de tijolo grosso ou agregado de rocha vulcânica ligado com argamassa feita com cal e tefra vulcânica (fragmentos porosos de vidro e cristais de erupções explosivas) resultaria em estruturas que, "com o passar do tempo, não caem em ruínas".

As palavras de Vitruvius são comprovadas pelas muitas estruturas romanas existentes hoje, incluindo os Mercados de Trajano (construídos entre 100 e 110 d.C., mais de um século após a tumba) e construções marinhas, como cais e quebra-mares. O que os antigos romanos não sabiam, porém, é que, com o tempo, os cristais do mineral leucita, rica em potássio e presente no agregado vulcânico, acabam se dissolvendo. Esse processo remodela e reorganiza de forma positiva a maneira como eles se associam em ligação cimentícia, e isso melhora a coesão do concreto.

"Focar no projeto de concretos modernos com zonas interfaciais de reforço pode nos fornecer mais uma estratégia para melhorar a durabilidade dos materiais de construção modernos", diz Masic. "Fazer isso por meio da integração da comprovada 'sabedoria romana' fornece uma estratégia sustentável que pode melhorar a longevidade de nossas soluções modernas em ordens de magnitude."

Varreduras

Linda Seymour, que participou do estudo como estudante de doutorado no laboratório de Masic, do MIT, investigou a microestrutura do concreto com ferramentas científicas. "Cada uma das ferramentas que usamos adicionou uma pista para os processos na argamassa", diz. A microscopia eletrônica de varredura mostrou as microestruturas dos blocos de construção de argamassa na escala de mícrons.

A espectrometria de raios X por dispersão de energia revelou os elementos que compõem cada um desses blocos de construção. "Essas informações nos permitem explorar diferentes áreas da argamassa rapidamente, e podemos escolher os blocos de construção relacionados às nossas questões", diz ela.

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Remodelações internas não param

 (crédito: Marie Jackson, Berkeley/Divulgação)
crédito: Marie Jackson, Berkeley/Divulgação

Nas grossas paredes de concreto da tumba de Caecilia Metella, uma argamassa que contém tefra vulcânica liga grandes blocos de tijolo e agregado de lava. É semelhante à usada nos Mercados de Trajano 120 anos depois. A cola da argamassa deste último consiste em um segmento de construção denominado fase de ligação C-A-S-H (cálcio-alumínio-silicato-hidratado), junto com cristais de um mineral denominado stratlingite.

Mas a tefra que os romanos usaram para a argamassa em Caecilia Metella era mais abundante em potássio que leucita. Séculos de água da chuva e água subterrânea lixiviando as paredes da tumba dissolveram a leucita e liberaram o potássio na argamassa. No concreto moderno, uma abundância do elemento K criaria géis expansivos que causariam microfissuras e eventual deterioração da estrutura.

No túmulo, entretanto, o potássio se dissolveu e reconfigurou a fase de ligação C-A-S-H. Esse remodelamento "criou componentes robustos de coesão no concreto", diz Marie Jackson, professora-associada de pesquisa em geologia e geofísica na Universidade de Utah Jackson. Nessas estruturas, ao contrário dos Mercados de Trajano, há pouco stratlingite formado.

Géis expansivos

Stefano Roascio, o arqueólogo responsável pela tumba, observa que o estudo tem uma grande relevância para a compreensão de outras estruturas de concreto antigas e históricas semelhantes. "A interface entre os agregados e a argamassa de qualquer concreto é fundamental para a durabilidade da estrutura", diz o pesquisador Admir Masic. "No concreto moderno, as reações álcali-sílica que formam géis expansivos podem comprometer as interfaces até mesmo do concreto mais endurecido."

Ainda de acordo com o também professor do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), as zonas interfaciais no concreto romano antigo da tumba de Caecilia Metella estão em constante evolução por meio de uma remodelação de longo prazo. "Esses processos reforçam as zonas interfaciais e, potencialmente, contribuem para melhorar o desempenho mecânico e a resistência à ruptura do material antigo", explica.

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