Equipamento espacial

Cientistas projetam aeronave sem motor que pode sobrevoar Marte por dias

Aeronave poderá coletar dados para estudos atmosféricos e geológicos

Correio Braziliense
postado em 04/07/2022 06:00 / atualizado em 04/07/2022 06:11
 (crédito: University of Arizona College of Engineering)
(crédito: University of Arizona College of Engineering)

Há mais de 10 veículos e outros equipamentos espaciais sendo usados, no momento, para estudar Marte de perto. Ainda assim, faltam instrumentos para desvendar o planeta vizinho. Um deles poderia "trabalhar" entre os orbitadores e os rovers que estão no solo marciano ajudando em estudos de geologia e processos climáticos atmosféricos. Especialistas aeroespaciais da Universidade do Arizona e um cientista planetário da Nasa projetam um planador para tamanha empreitada.

O grupo inspirou-se no voo do albatroz para desenvolver o instrumento que, segundo os criadores, poderá sobrevoar a superfície do Planeta Vermelho por dias a fio usando apenas energia eólica para propulsão. Pesando menos de 5kg, o planador pode ser equipado com câmeras e sensores de voo, temperatura e gás. Além disso, supera algumas dificuldades que emperram em soluções parecidas.

O helicóptero Ingenuity, por exemplo, pousou na Cratera Jezero, de Marte, em 2021. Com tecnologia de voo miniaturizada e uma extensão do sistema de rotor de cerca de 4 pés, o dispositivo criado pela agência espacial americana, a Nasa, pesa menos de 2kg e foi o primeiro a testar voo controlado e motorizado em outro planeta. Porém, segundo Adrien Bouskela, estudante de doutorado em engenharia aeroespacial na Universidade do Arizona, o veículo movido a energia solar pode voar por apenas três minutos e atingir alturas de até 12 metros.

"Essas outras tecnologias foram todas muito limitadas pela energia", compara o também integrante da equipe que criou o planador, apresentado na última edição da revista Aerospace. Bouskela explica que a proposta do grupo é usar apenas os recursos do local. "É uma espécie de avanço nesses métodos de extensão de missões. A questão principal é: Como você pode voar de graça? Como você pode usar o vento que está lá, a dinâmica térmica que está lá, para evitar o uso de painéis solares e depender de baterias que precisam ser recarregadas?", afirma.

Voo dinâmico

A equipe norte-americana apostou nas habilidades de uma famosa ave oceânica: o albatroz. O animal tem um voo considerado dinâmico. Isso porque, nas longas jornadas, ele aproveita o fato de a velocidade do vento horizontal geralmente aumentar com a altitude — um fenômeno que é comum em Marte. Com o design criado, toda a vez que o planador muda de direção, ele também começa a mudar de altitude. Assim, em vez de desacelerar a aeronave sem motor, a manobra a ajuda a ganhar velocidade.

Com essa dinâmica, sempre que o planador começa a ficar sem energia do vento de alta velocidade, ele repete o processo, seguindo seu caminho. Segundo os criadores da solução tecnológica, é possível voar de graça durante dias."É quase algo que você precisa ver para acreditar", afirma o coautor do artigo Jekan Thanga, professor-associado de engenharia aeroespacial e mecânica da universidade americana.

Essa grande autonomia abre a possibilidade de realização de missões mais desafiantes e duradouras. Alexandre Kling, cientista do Centro de Modelagem Climática de Marte da Nasa, conta que os rovers atuais capturam principalmente imagens das planícies arenosas do planeta, pois são as únicas áreas em que eles podem pousar com segurança. Os planadores, por sua vez, seriam capazes de explorar novas áreas, aproveitando como os padrões de vento mudam em torno de formações geológicas, como cânions e vulcões. "Com essa plataforma, você pode simplesmente voar e acessar lugares realmente interessantes e muito legais", diz o coautor do estudo.

Sem aposentadoria

Outra vantagem apontada pelos cientistas é que, mesmo quando perder a capacidade de voar, o dispositivo tem potencial para continuar ajudando nos estudos astronômicos. Depois de pousar na superfície marciana, os planadores poderão transmitir informações sobre a atmosfera a espaçonaves, passando a atuar como estações meteorológicas. "Se ficarmos sem energia de voo ou se nossos sensores inerciais falharem repentinamente por qualquer motivo, esperamos continuar fazendo ciência. Do ponto de vista da ciência planetária, a missão continua", diz Bouskela.

A equipe fez uma extensa modelagem matemática para os padrões de voo do planador com base nos dados climáticos de Marte, mas avalia que há mais questões a serem investigadas, como trajetórias de deslocamento e possíveis sistemas de ancoragem. Agora, eles testarão aviões experimentais a cerca de 15.000 pés (4,5km) acima do nível do mar, onde a atmosfera da Terra é mais fina e as condições de voo são mais semelhantes às de Marte.

"Podemos usar a Terra como um laboratório para estudar o voo em Marte", afirma Sergey Shkarayev, do Laboratório de Microveículos Aéreos de Arizona. A equipe já realizou um lançamento amarrado de uma versão inicial do planador. Nos testes, ele desceu lentamente para a Terra preso a um balão. Ainda é um desafio para o grupo americano como colocar os planadores da espaçonave na atmosfera marciana.

A expectativa do grupo é de que o planador "pegue uma carona" em uma missão de grande escala da Nasa a Marte já em desenvolvimento. Na avaliação de Kling, a viagem pode acontecer antes do esperado. "A natureza de baixo custo do esforço do planador significa que ele pode se concretizar com relativa rapidez. Talvez, em anos. Não nas décadas necessárias para uma missão em grande escala", justifica o cientista da agência.

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Combustível para jatos feito de bactérias

 (crédito: Pablo Morales-Cruz/Divulgação)
crédito: Pablo Morales-Cruz/Divulgação

Os combustíveis à base de petróleo usados em aeronaves são escassos. Por isso, caros. Não à toa, a busca por produtos alternativos — de preferência, mais acessíveis e menos poluentes — mobiliza diversos grupos de pesquisa. Uma equipe internacional de cientistas aposta em bactérias comumente encontradas no solo para abastecer jatos. Segundo o grupo, uma molécula produzida pelo processo metabólico desses micro-organismos pode ter um desempenho parecido ao de um biodiesel.

Quando o combustível tradicional é inflamado, ele libera uma quantidade tremenda de energia. A intenção dos pesquisadores era criar um processo que pudesse replicar esse efeito sem esperar milhões de anos para que novos combustíveis fósseis se formassem. Para isso, eles partiram de uma máxima da ciência. "Em química, tudo o que requer energia para ser produzido libera energia quando é quebrado", explica, em comunicado, Pablo Cruz-Morales, microbiologista da DTU Biosustain, que faz parte da Universidade Técnica da Dinamarca, e principal autor do estudo, publicado na revista Joule.

Cruz-Morales foi procurado por Jay Keasling, engenheiro químico da Universidade da Califórnia, em Berkeley, quando fazia pós-doutorando na instituição americana, para sintetizar a molécula jawsamicina, que é produzida como resultado de processos metabólicos de bactérias do gênero streptomyces. "À medida que as bactérias comem açúcar ou aminoácidos, elas os quebram e os convertem em blocos de construção para ligações carbono-carbono", afirma Keasling.

O formato inusitado da molécula — anéis de três átomos de carbono dispostos em forma triangular — confere a ela propriedades explosivas. Pablo Cruz-Morales explica que, nas ligações em um ângulo normal, os carbonos "ficam confortáveis". A solução criada pelo grupo foi mexer nessa estrutura já instável. "Digamos que você os transforme em um anel de seis carbonos. Eles ainda podem se mover e dançar um pouco, mas a forma triangular faz com que as ligações se dobrem, e essa tensão requer energia para ser feita", detalha.

Até foguetes

Segundo o cientista, para que o combustível produzido pela bactéria funcione como biodiesel, ele terá que ser tratado para inflamar a uma temperatura mais baixa do que a necessária para queimar um ácido graxo. Quando inflamado, porém, "seria poderoso o suficiente para enviar um foguete ao espaço". Em testes, a energia produzida, de 50 megajoules por litro, é maior do que a resultante dos combustíveis mais utilizados para foguetes e na aviação.

A aposta do grupo é de que a solução tecnológica possa ser usada em outros modos de transporte para os quais os combustíveis renováveis são extremamente necessários. "Se podemos fazer esse combustível com biologia, não há desculpas para fazê-lo com petróleo. Isso abre a possibilidade de torná-lo sustentável", aposta Cruz-Morales.

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