CIÊNCIA

Cientistas criam embalagem para manter a integridade de alimentos

O objetivo é criar alternativas sustentáveis para o transporte e o armazenamento de alimentos ricos em gorduras, como embrulhos feitos a partir de algas marinhas. Opções disponíveis contêm plásticos e outros produtos de degradação lenta

Maria Laura Giuliani*
postado em 24/10/2022 05:58 / atualizado em 24/10/2022 05:59
Equipe da Universidade Flinders apresenta o bioplástico: matéria-prima ainda é um importante capturador do dióxido de carbono -  (crédito: Fotografia cedida pela Universidade Flinders)
Equipe da Universidade Flinders apresenta o bioplástico: matéria-prima ainda é um importante capturador do dióxido de carbono - (crédito: Fotografia cedida pela Universidade Flinders)

Hambúrgueres, batatas fritas, pizzas e pastéis. Essas guloseimas — oferecidas em redes de fast-food — vêm embrulhadas em papéis de uso único que precisam ser resistentes à gordura para garantir a integridade dos alimentos. Para isso, as embalagens geralmente contêm plástico e outros produtos químicos — como as substâncias per e polifluoroalquil (PFAS) —, materiais que preocupam devido à toxicidade e por se concentrarem nos solos, no ar e na água. Cientistas da Universidade Flinders, na Austrália, desenvolveram um bioplástico à base de algas marinhas que poderá resolver o problema. Os polímeros biodegradáveis, apostam, apresentam alternativas ecologicamente mais sustentáveis para os embrulhos.

No projeto, feito em parceria com a empresa alemã one.five, a equipe utilizou extratos de algas marinhas nativas da costa sul australiana. "Eles têm uma estrutura semelhante às fibras naturais das quais o papel é feito", explicam, em nota, os autores. Segundo Zhongfan Jia, líder da pesquisa, os extratos são transformados por meio de uma metodologia de processamento própria e produzem folhas de biopolímero que, dependendo da utilidade, podem ser cortadas ou envolvidas em várias superfícies.

"Nossos novos tratamentos aumentam o recurso de resistência à gordura das algas marinhas por meio de modificações simples e sem afetar a biodegradabilidade nem a reciclabilidade do papel", enfatiza. O pesquisador contou ao Correio que o alginato polimérico, extraído das algas, veio de uma empresa chinesa, e chega-se ao biomaterial por meio de um processo de produção industrial. "Modificamos quimicamente o biopolímero para permitir que tivesse resistência ao óleo", explica.

O projeto chamou a atenção de Eduardo Bessa Azevedo, professor do Instituto de Química de São Carlos, da Universidade de São Paulo (IQSC — USP). Bessa, que também atua na área de desenvolvimento de tecnologias ambientais, destaca a dupla vantagem apresentada pelo polímero quanto à questão da biodegradabilidade: a decomposição rápida e a possibilidade de ser reaproveitado. "Isso permitirá o processamento do resíduo depois de usado para que ele retorne ao ciclo produtivo. Porém, caso seja descartado, como é um biopolímero, o material será rapidamente biodegradado", afirma.

Economia circular

O fato de a solução estar baseada no conceito da economia circular também é destacado pelo professor da USP. Para ele, o projeto australiano resolve dois problemas em uma cajadada só. "Produz-se um polímero que sana, em partes, o problema das embalagens plásticas, enquanto se cultiva uma cultura muito positiva ao equilíbrio ambiental", diz. "As algas absorvem dióxido de carbono (CO2), sendo grandes aliadas na mitigação do efeito estufa, além de auxiliarem na melhora do ambiente marinho, entre diversos outros benefícios."

Nas próximas etapas da pesquisa, o grupo pretende aperfeiçoar a estrutura do polímero a fim de melhorar ainda mais a capacidade de resistência à água e à gordura. Zhongfan Jia ressalta que as aplicações do biopolímero não se restringem à indústria da comida rápida. "Espera-se que ele não seja utilizado apenas no fast-food, mas também em embalagens plásticas de forma geral, substituindo os sacos plásticos não degradáveis", ilustra.

O cientista avalia que, quando a pesquisa sair do laboratório, ela oferecerá alternativas mais sustentáveis aos produtos de origem fóssil hoje disponíveis. "Por serem biodegradáveis, não há prejuízo para o nosso ambiente. Quando disponíveis, serão mais sustentáveis do que os plásticos tradicionais", destaca.

A opinião é compartilhada por Bessa. O especialista brasileiro adiciona que, no futuro, à medida que as reservas de origem fóssil se tornarem escassas, esses recursos terão altos custos nos processos de extração e produção. A partir disso, tecnologias como a desenvolvida pela equipe australiana serão ainda mais necessárias. "As duas maiores vantagens são que o polímero é biodegradável e proveniente de uma fonte renovável", enfatiza.

*Estagiária sob a supervisão de Carmen Souza

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Bioplástico à base de canabidiol

Você sabe os perigos de descongelar e recongelar alimentos perecíveis incorretamente? Além de mudanças no sabor e na textura da comida, esse processo pode ser maléfico à saúde, uma vez que pode ocasionar perdas de nutrientes e facilitar a contaminação por micro-organismos patogênicos. A partir disso, pesquisadores do Istituto Italiano di Tecnologia, em Gênova, desenvolveram um sensor capaz de monitorar a temperatura e indicar quando uma comida descongela. A novidade é que o dispositivo é feito a partir de materiais totalmente comestíveis — como sal de cozinha, repolho roxo e cera de abelha —, o que amplia as possibilidades de aplicação.

Segundo os criadores, dispositivos criados anteriormente são capazes de alertar os fabricantes quando os produtos são expostos a temperaturas indesejadas, mas eles apenas indicam mudanças acima do ponto de congelamento. O novo dispositivo, apresentado na revista científica ACS Sensors, fornece um sinal de cores quando o alimento é aquecido acima de uma temperatura específica, que pode ser ajustada de -50° a 0° na escala Celsius.

Para isso, os pesquisadores construíram um dispositivo que gerava correntes elétricas e o testaram em soluções alimentícias ricas em eletrólitos — partículas capazes de conduzir cargas elétricas. A equipe escolheu alimentos como uva, melão e maçã, além de sal de cozinha e sais minerais compostos de cálcio. À medida que as soluções descongelavam, elas conduziam corrente elétrica que poderiam ser ajustadas, a depender, por exemplo, da quantidade de sal empregada.

Em seguida, o dispositivo foi conectado a um sistema de mudança de cor a partir da corrente elétrica. O grupo, então, reuniu todas as peças do dispositivo em um bloco feito de cera de abelha e demonstrou que o sensor pode ser usado no monitoramento de alimentos congelados.

Os pesquisadores acreditam que o aparelho desenvolvido abre caminho para que elementos comestíveis sejam utilizados em tecnologias seguras e de baixo custo que consigam alertar clientes sobre o histórico de armazenamento de um produto congelado. "O dispositivo pode, assim, ser usado de forma flexível na cadeia de suprimentos. Como sensor, ele pode medir a duração da exposição a temperaturas acima do limite. Como detector, pode fornecer um sinal de que houve exposição a temperaturas acima do limite", indicam os autores do artigo.

Um sensor de temperatura comestível

 (crédito: ACS Applied Materials & Interfaces)
crédito: ACS Applied Materials & Interfaces

Seguindo o mesmo propósito, pesquisadores da Universidade de Connecticut, nos Estados Unidos, descobriram um ingrediente peculiar para fabricar biopolímeros: o canabidiol (CBD). Produtos à base do óleo de CBD já são desenvolvidos pela indústria farmacêutica, mas a equipe de pesquisa inovou ao criar um material bioplástico que tem potencial para ser usado em insumos médicos, embalagens de alimentos, entre outras finalidades. Detalhes da pesquisa foram publicados na revista ACS Applied Materials & Interfaces.

Gregory Sotzing, um dos autores do artigo, contou ao Correio que, para criar os biopolímeros, os pesquisadores fizeram uma reação de condensação com cloreto de adipoíla — processo usado também para fabricar nylon. Quando aliaram o canabidiol ou o cannabigerol (CBG), outro composto canabinoide, ao processo, eles chegaram a um poliéster com ampla faixa de fusão — transformação física da matéria de um estado sólido para líquido — e elasticidade.

Professor do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Marcelo Ganzarolli de Oliveira explica que, uma vez que o polímero foi sintetizado, obteve-se um material sólido. "Para moldar a peça, como os pesquisadores fizeram, é necessário aquecer o polímero para ele se fundir e virar um líquido", elucida. Segundo ele, a ampla faixa de fusão facilita o processo de moldagem.

Ganzarolli acrescenta que a elasticidade abre opções para diversas aplicabilidades, inclusive em sacolas e embalagens de alimentos. "Em vez de usar materiais que demoram milhares de anos para se degradar no meio ambiente, é possível criar produtos plásticos feitos a partir desse bioplástico", exemplifica.

O uso médico também é cogitado pela equipe americana. Eles descobriram que os poliésteres de canabidiol e os de cannabigerol não são citotóxicos — nocivos às células —, característica que precisa ser comprovada em futuros testes. Ainda de acordo com o estudo, há indícios de que os polímeros de canabidiol têm atividade antioxidante. "Ser um antioxidante torna esses polímeros particularmente especiais na proteção contra os radicais livres", explica Gregory Sotzing, que indica possíveis aplicações terapêuticas do material: "Como veículos de transporte de medicamentos, suturas, malhas, cateteres, plásticos de uso único, inclusive plásticos de alto desempenho".

Para o professor, que pesquisa biomateriais poliméricos com aplicações médicas, as possíveis características antioxidantes e anti-inflamatórias do material podem vir a ser exploradas. "Se confirmadas, esse material pode ser usado para acelerar a cicatrização de feridas", ilustra. (MLG)

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