Inovação

"Darwinismo" artificial: IA projeta em instantes robô com pernas funcionais

Em poucos segundos, um sistema inteligente resolveu o que a natureza levou bilhões de anos para produzir: solicitado a criar um ser capaz de se locomover, ele apresentou rapidamente o protótipo de um robô com pernas funcionais

Os robozinhos de três pernas conseguiram se locomover, conforme
Os robozinhos de três pernas conseguiram se locomover, conforme "os planos" da IA  - (crédito: Northwestern University)
postado em 30/10/2023 03:30 / atualizado em 30/10/2023 06:19

Na evolução biológica, os organismos são modificados, dando origem a diferentes espécies de plantas e animais — um processo que leva bilhões de anos para acontecer. Um sistema de inteligência artificial (IA) desenvolvido por pesquisadores da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos, reduziu esse longo período ao projetar, em instantes, robôs com pernas e nadadeiras, quando desafiado a criar um ser capaz de se locomover. Segundo a equipe norte-americana, essa é a primeira IA que concebe peças evolutivas autônomas, com possibilidade de funcionamento no mundo real.

Sam Kriegman, líder do estudo, conta que o objetivo era encontrar uma abordagem mais leve, rápida e sustentável para a criação de robôs. "Outros programas requerem supercomputadores que demandam grandes quantidades de eletricidade e de água para resfriamento", esclarece. "Queríamos criar um método poderoso para projetar máquinas complexas, mas inteligentes o suficiente para rodar em um laptop em apenas alguns segundos", explica.

A equipe solicitou ao sistema que projetasse um robô para caminhar sobre uma superfície plana. Em resposta, ele criou, em poucos segundos, uma estrutura ambulante com três pernas. O programa surpreendeu os pesquisadores por encontrar a mesma solução que, em bilhões de anos de evolução biológica, possibilita a diferentes espécies terrestres caminhar. "É interessante porque não dissemos à IA que um robô deveria ter pernas. Ela 'redescobriu' que essa é uma boa forma de se movimentar. E, de fato, é a forma mais eficiente para movimento terrestre", enfatiza Krigeman. Os pesquisadores não sabem, porém, por qual razão o número de membros inferiores foi três. 

A IA também desenhou o artefato com nadadeiras nas costas e poros em seu interior, conforme detalhado em um artigo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (Pnas). Embora a ideia das pernas faça sentido, os buracos internos são uma adição curiosa, segundo os autores. Eles acreditam que essa criação é uma estratégia para tornar os robôs mais flexíveis, permitindo a dobra das pernas para caminhar.

Mundo real

A partir do protótipo criado pelo sistema, os pesquisadores decidiram testar se a peça funcionaria na realidade. Primeiro, imprimiram em 3D um molde do espaço negativo no formato da peça desenhada. Em seguida, preencheram a forma com borracha líquida de silicone e deixaram curar por algumas horas. Quando a substância foi retirada, já estava macia e flexível. 

O passo seguinte foi avaliar como o protótipo caminharia em um espaço físico. Os pesquisadores encheram o corpo de borracha com ar, fazendo com que suas três pernas se expandissem. Como resultado, quando o robô foi esvaziado, as pernas se contraíram.

Ao bombear ar continuamente, o robô se expandiu e depois se contraiu repetidamente, ocasionando  uma locomoção lenta, mas constante. Os resultados, segundo Kriegman, indicam que a IA poderia simplificar milhões de projetos xenobots que precisam ser avaliados por tentativa e erro, um processo que exige semanas de supercomputação e produção de dados. "Como supercomputadores custam milhões de dólares para serem construídos, poucas pessoas foram capazes de contribuir para a pesquisa sobre xenobots. Agora que qualquer pessoa pode projetar um robô em seu próprio computador, as mais diversas ideias serão criadas. Isso irá acelerar a ciência por trás dos xenobots", acredita. 

O sistema realizou uma série de cálculos em busca da melhor resposta para o problema proposto, permitindo criar novas possibilidades que os humanos sequer consideraram, de acordo com os autores do estudo. "A IA pode adaptar o projeto na direção que resultará no maior desempenho. Portanto, ela só precisa fazer algumas rodadas de testes e melhorias de design antes que o robô tenha um plano corporal altamente otimizado", observa Kriegman.

Na avaliação de Daniel Mauricio Muñoz Arboleda, professor da Faculdade do Gama, da Universidade de Brasília (FGA-UnB), apesar de desenhar robôs autônomos, a IA não elimina a necessidade de ação humana para avaliar se os resultados obtidos alcançaram o objetivo desejado pela equipe. "Na indústria robótica, por exemplo, ainda há necessidade de um ser humano confirmar se o robô está atendendo os requisitos para os quais foi projetado. Pelo ponto de vista matemático e computacional, os algoritmos auxiliam a projetar robôs, mas, do ponto de vista prático, é preciso fazer experimentos para testar se eles funcionarão como esperado", assinala Arboleda.

Aplicabilidade

Bernardo Fico, coordenador do Instituto Lawgorithm, considera que os robôs desenhados pela IA podem ter aplicações no futuro, mas, até o momento, são apenas uma prova de conceito. "Eles podem ser projetados com objetivos diferentes, como locomoção em terrenos acidentados ou espaços apertados. No entanto, existe a questão de garantir que esse método funcione de outras formas. No campo das ideias, é possível que esses tipos de robôs tenham diversas utilidades."

Até o momento, os robôs ainda são pequenos, moles e constituídos de materiais inorgânicos. A equipe deseja, no futuro, torná-los mais robustos e explorar o potencial da IA na criação de produtos biológicos e metamateriais (materiais porosos produzidos artificialmente). "Por enquanto, os robôs são feitos apenas de músculos e gordura. Em trabalhos futuros, adicionaremos ossos, para que eles possam carregar objetos pesados, e órgãos dos sentidos para poderem encontrar o caminho de casa", aposta Kriegman.

*Amanda Gonçalves, estagiária, sob supervisão de Ana Paula Macedo

 

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