Como fica a cara da Ford no Brasil

Decisão da montadora de fechar todas as fábricas no Brasil mudará, ao longo do tempo, o mix de veículos da marca no país. A maioria será importada. Em 2020, linha Ka e EcoSport responderam por 84% do volume de vendas

» PEDRO CERQUEIRA
postado em 13/01/2021 21:59
 (crédito: Ford/Divulgação)
(crédito: Ford/Divulgação)

Com a decisão de fechar as fábricas, no Brasil, e o término dos estoques, a Ford passará a contar apenas com sua gama de veículos importados, que já era maior do que a de nacionais e promete crescer mais ainda. Por outro lado, a marca americana abre mão do volume de vendas, já que os modelos que deixaram de ser produzidos — Ka, Ka Sedan e EcoSport — responderam, em 2020, por 84% das unidades comercializadas entre automóveis e comerciais leves.

Se somar a Ranger, fabricada na Argentina, portanto, com os benefícios do Mercosul, esses quatro veículos respondem por 98,4% do volume da marca no Brasil, evidenciando que a “importadora” Ford deve trabalhar com um volume mínimo no mercado. Esse número, também, pode dar uma resposta para quem ainda não percebeu o impacto da reestruturação da marca na rede de concessionárias, que tende a minguar significativamente. Confira como fica a linha Ford.

Ranger
Importada da Argentina, a Ranger foi a terceira picape média mais vendida em 2020 no Brasil. No último ano, foram comercializadas por aqui 19.833 unidades do modelo, cerca de 14% do volume da Ford. Uma terceira geração da Ranger está programada para 2023. Para este ano, a novidade fica por conta da versão Black, com diversos elementos em preto na carroceria.

Territory
O SUV médio é importado da China, o que não permite um preço competitivo. Com bons predicados, ele é vendido a partir de R$ 179.900. Em 2020, foram comercializadas 1.558 unidades, 1,1% do volume da marca.

Mustang
Ícone automotivo mundial, foi o segundo esportivo mais vendido, no Brasil em 2020, com 350 unidades, 0,25% de participação no volume da marca. A novidade para 2021 é a chegada da versão Mach 1, ainda mais esportiva.

Edge ST
SUV de luxo de porte médio, o Edge tem volume tão pequeno, que nem figura entre os 40 utilitários-esportivos mais emplacados de 2020 no ranking da Fenabrave. Importado do Canadá, o modelo custa a partir de R$ 351.950.


Modelos importados que podem chegar

Alguns já foram confirmados, outros podem fazer parte do portfólio da Ford

Bronco Sport
Fabricado no México, o Bronco Sport viria sem imposto de importação. O SUV médio é fabricado em estrutura monobloco e sua carroceria faz uma fusão entre as linhas retilíneas de um jipe e o porte de um utilitário-esportivo.

Bronco
A releitura do modelo clássico também será vendida no Brasil, provavelmente em 2022. O modelo é fabricado nos Estados Unidos, e, a exemplo do rival Jeep Wrangler, deve chegar por aqui com preço salgado. Além do visual irado, o modelo construído sobre chassis tem muitos recursos para o fora de estrada.

Nova Transit
A van será montada na fábrica da Nordex, no Uruguai, e também está confirmada para o mercado brasileiro. Existem versões para passageiros, para carga e chassi-cabine, mas ainda não se sabe quais estarão disponíveis por aqui.

Mustang Mach-E
Aqui já entramos no campo das possibilidades. É que o presidente da Ford na América do Sul, Lyle Watters, chegou a afirmar que pretendia trazer o Mustang Mach-E para o Brasil. A versão mais potente do SUV elétrico fabricado no México chega a apresentar 465cv e 84,6kgfm de torque, com aceleração até os 100km/h em 3,5 segundos.

Maverick
Não se trata de uma releitura do Maverick clássico, mas uma picape que ainda nem foi lançada. O modelo será fabricado no México e terá porte intermediário entre as picapes compactas e as médias. Uma suposta imagem flagrada do modelo na linha de montagem revela que suas linhas serão robustas, como as médias. Sob o capô, um motor 1.5 turbo de 150cv.

Escape híbrido
A versão híbrida do SUV médio já é vendida na Argentina, onde se chama Kuga. E seria esta mesma versão, que combina motor 2.5 litros a combustão interna com outro elétrico para obter 203cv, que viria para o Brasil. Não espere por uma pechincha.

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Consumidores devem se atentar para o mercado

No início de dezembro de 2020, o VRUM cantou a pedra e levantou a questão: estaria a Ford se transformando em uma importadora no Brasil? A resposta veio na segunda-feira com o anúncio do encerramento da produção das fábricas de Camaçari (BA), Taubaté (SP), e também da Troller, em Horizonte (CE). Anteriormente, a marca do oval azul já havia anunciado o fechamento da unidade de São Bernardo do Campo (SP), onde produzia o compacto Fiesta e os caminhões Cargo.

A situação começou a ficar previsível quando constatamos que, com isso, a Ford produziria apenas três modelos no Brasil: Ka, Ka Sedan e EcoSport. Mas, por outro lado, investiu em trazer veículos produzidos em outros países, como a picape Ranger (Argentina), os SUVs Edge ST (Canadá) e Territory (China), e o esportivo Mustang (EUA). Com o anúncio do encerramento da produção nas fábricas brasileiras, fica confirmado que, a princípio, a Ford se manterá apenas como uma importadora de veículos no país.

E quais as consequências imediatas disso? A primeira, e mais grave, é a perda de 5 mil postos de trabalho diretos, sem falar nos indiretos. Fornecedores de peças vão amargar prejuízos e terão que direcionar sua produção para outros fabricantes, caso consigam fazê-lo. A Ford garantiu que a produção de peças de reposição será mantida “por um tempo”, para que os proprietários de modelos da marca não enfrentem problemas de manutenção.

Mas é difícil acreditar que um fabricante que anuncia o fim da produção de seus modelos tenha realmente o compromisso de manter as peças de reposição. E a rede de concessionárias, que também será prejudicada, terá interesse em manter a bandeira da marca basicamente para prestar assistência aos clientes e vender produtos importados? É difícil acreditar que sim, pois a estrutura é cara e o negócio dessa maneira deixa de ser interessante.

Desvalorização
Tudo isso cria um cenário desanimador para quem tem carros da marca. A montadora diz que venderá as unidades do Ka, Ka Sedan e EcoSport que estão em estoque, já que a produção será imediatamente interrompida. Mas quem terá a coragem de comprar qualquer um desses modelos depois desse anúncio? É sabido que o mercado de usados é cruel e costuma desvalorizar muito os modelos fora de produção, salvo raras exceções. E existe grande chance de isso acontecer com os modelos Ford.

Nesse contexto, os consumidores que fazem questão de manter carros da marca Ford na garagem devem se preparar. Segundo Flávio Padovan, sócio-diretor da Management Resources Development (MRD), o impacto do fechamento das fábricas da montadora no país será grande. “Muitas concessionários não vão mais atuar. Sendo assim, o atendimento à clientela pode ficar mais difícil, assim como a disponibilidade de peças, o que afeta, diretamente, o desejo de comprar do consumidor”.

Flávio acredita que a demanda que antes recaia sobre a Ford deve passar para outras empresas do ramo. “A Ford vendia 140 mil carros por ano. Esse volume será absorvido pelas outras montadoras”, afirma. O especialista atenta, porém, que, por mais que a empresa se esforce para manter as peças disponíveis e alguns concessionários funcionando, isso não passará imune, e o consumidor sofrerá de alguma forma.

Por meio de nota, a concessionária Brasal Veículos assegurou que manterá todos os serviços de assistência para os veículos da Ford. “Esclarecemos que a parceria Brasal Veículos e Ford continuará, sendo que, agora, com um novo modelo, pautado na oferta de produtos diferenciados. Tranquilizamos nossos clientes afirmando que todos os serviços relacionados à garantia dos veículos Ford e assistência técnica permanecerão sendo realizados sem qualquer alteração.”

Para o especialista Igor Car Hunter, o mercado de carros usados da Ford não deve cair muito. “Os carros da Ford perderam bastante força no mercado de zero quilômetro, mas, no mercado de usados, sempre foram boas opções”, diz. Ele ressalta, ainda, que o fechamento das fábricas não deve comprometer o fornecimento de peças de reposição. “Não acho que seja um motivo para alarme, para as pessoas quererem vender o carro ou ter algum tipo de receio de comprar um veículo desse usado”, completa.

* Estagiária sob a supervisão de Vicente Nunes

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