Reflexos do fim da produção da Ford

"O Brasil é um país dos compactos. Hatches e sedãs representam cerca de 45% das vendas totais. Com o avanço das novas tecnologias, ainda caras, fica mais difícil diluir os custos em modelos menores e de lucratividade limitada"

Fernando Calmon
postado em 13/01/2021 22:04

Decisão da empresa de encerrar a produção de veículos no Brasil tem implicações negativas a curto prazo. Mas não deve levar a um cenário de desindustrialização do setor automobilístico. Existem alguns aspectos históricos a ressaltar. Em 1986, a Ford esteve perto de sair do país em meio à conhecida década econômica perdida. As importações de veículos estavam proibidas, não existiam alternativas. Contudo, a união com a Volkswagen, na Autolatina, deu-lhe fôlego para continuar nove anos depois do “divórcio”.

Na Argentina, houve desistência industrial da GM, que anos depois retornou. Fiat e Peugeot se fundiram, se separaram e voltaram cada uma para seu lado. Renault da mesma forma: entrou, saiu e voltou. No Brasil, há os casos da Alfa Romeo, Audi, Chrysler, Jeep, Renault e Mercedes-Benz.

A Ford ainda produz automóveis na Europa, na Índia e na China, mas, na América do Norte e, agora, do Sul, nada. Não há um prazo para focar apenas em SUVs, crossovers e picapes, conforme anunciou em 2018. Esses são bem mais lucrativos, e os compradores americanos mantêm confiança nas marcas domésticas, em especial, nos modelos maiores.

Um aspecto pouco observado é que a empresa decidiu manter o centro de desenvolvimento na Bahia e o campo de provas, em São Paulo. Exportará serviços e alguns empregos qualificados serão salvos. Porém, terá de devolver incentivos fiscais e indenizar empregados e concessionárias. Para tanto, alocou US$ 4,5 bilhões (R$ 24 bilhões). A GM, ao contrário, enviou grande parte dos engenheiros brasileiros para a China, mas descongelou agora R$ 10 bilhões de investimentos nos próximos cinco anos para novos produtos.

Obviamente, a participação de mercado da Ford vai cair para um patamar bem inferior ao qual terminou em 2020. O tíquete médio dos carros que venderá será muito mais alto, contudo, a empresa quer garantir a rentabilidade que garantirá sua sobrevivência não só aqui, mas no mundo. Isso, no entanto, não deve afetar a recuperação do mercado brasileiro este ano.

O Brasil é um país dos compactos. Hatches e sedãs representam cerca de 45% das vendas totais. Com o avanço das novas tecnologias, ainda caras, fica mais difícil diluir os custos em modelos menores e de lucratividade limitada. A saída natural seria importar componentes e aumentar a exportação. Para tanto, o país teria de investir muito em infraestrutura, além de promover uma reforma tributária que realmente melhorasse a eficiência econômica e desonerasse os produtos exportados, como os outros países fazem. Esse mau-hábito de gerar créditos tributários e nunca restituí-los ou compensá-los, realmente, não funciona.

Por suas dimensões continentais e densidade de habitantes por veículo ainda inferior à da Argentina e do México, por exemplo, o Brasil tem o que avançar. De 2010 a 2014 o país figurou como quarto maior mercado interno do mundo, atrás de China, EUA e Japão. Por sua imensa população, a Índia vai se consolidar à nossa frente. Mesmo assim, uma quinta colocação no ranking mundial continuará sendo atraente. Como produtor de veículos já fomos o sétimo (hoje, o nono), mas existe potencial de ser o sexto colocado.

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