Um dos muitos usos da moda é a expressão política. Exemplo disso é a produção de Zuleika de Souza Netto, conhecida como Zuzu Angel. Durante a ditadura militar brasileira, a estilista utilizou suas peças para denunciar internacionalmente a repressão que ocorria no país
Zuzu iniciou sua carreira na moda nos anos 1950. Ficou conhecida por fazer desfiles de suas peças nos Estados Unidos, levando cores e estampas inspiradas em Minas Gerais, na Bahia e no Rio de Janeiro, locais em que viveu
Produziu peças marcantes vestidas por artistas como Joan Crawford, Liza Minelli e Kim Novak
Na virada dos anos 1960 para os anos 1970, porém, a estilista travou uma batalha contra o governo militar em busca do corpo de seu filho Stuart, estudante de economia que foi dado como desaparecido
Ele fazia parte de organizações de esquerda que combatiam a ditadura no Brasil e foi preso em 14 de maio de 1971, torturado e morto
Neste período, Zuzu criou uma coleção Moda Política com manchas vermelhas, pássaros engaiolados e estampas bélicas. Além disso, trazia anjos e itens das lembranças do filho
Em 1971, Zuzu realizou um desfile-protesto no consulado do Brasil em Nova York. O ato ganhou as manchetes dos jornais internacionais canadenses e americanos, denunciando a violência da ditadura contra uma mãe que queria o corpo do filho.
Este vestido foi usado no encerramento do desfile em 1971, na casa do cônsul brasileiro em Nova Iorque, Lauro Sotello Alves
Detalhe vestido Zuzu Angel
Este modelo é bordado com referências a ditadura militar, tais quais aviões dos quais eram jogados os presos políticos, passarinhos enjaulados que seriam os jovens, tudo visto através das grades, segundo relato da filha de Zuzu
Usada no desfile de protesto, a peça tem bordados coloridos feitos à mão com motivos de anjos, avião, barco, casinha, árvore, etc. (lembranças do filho)
O colar e o cinto foram usados por Zuzu no dia do desfile no consulado e expressam o luto pelo qual passava
O colar representa um anjo envolto em flores, enquanto o cinto é um conjunto de cruzes
A estilista apelou a políticos importantes e celebridades, tanto brasileiras quanto americanas, em busca de Stuart. Em 1973, encontrou-se inclusive com o general Ernesto Geisel. O apelo dela foi parar no congresso americano, por meio do discurso do senador Edward Kennedy
Uma vez, Zuzu ainda roubou o microfone de uma aeromoça enquanto pousava no Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, para dizer aos passageiros do voo que 'desceriam no Brasil, país que torturava e matava jovens estudantes'.
O corpo de Stuart nunca foi encontrado. Em 1976, ainda em sua busca, Zuzu morreu em um acidente de carro na Estrada da Gávea, no Rio de Janeiro. Em 2007, a Comissão Especial dos Desaparecidos Políticos ouviu testemunhas que disseram ter visto o carro de Zuzu ser fechado por outro veículo e ser jogado para fora da pista
Em 2019, a filha da estilista conseguiu emitir as certidões de óbito da mãe, Zuleika, e do irmão, Stuart. A morte de ambos foi atestada como 'não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistêmica e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985'