Recanto sossegado no norte da Europa, Baarle é oficialmente composta por duas partes: Baarle-Hertog, pertencente à Bélgica, e Baarle-Nassau, na Holanda. Essa divisão cria uma cidade com duas administrações, mas uma só comunidade, onde os moradores convivem sem barreiras físicas além das linhas demarcadas no chão.
Tal peculiaridade está no fato de que a fronteira entre os países não é uma linha contínua, mas um mosaico de enclaves e contra-enclaves. São dezenas de fragmentos territoriais que se entrelaçam, tornando o mapa da cidade um dos mais complexos do mundo.
Baarle tem marcações nas calçadas — cruzes brancas com 'NL' em um lado e 'B' no outro — e bandeiras ao lado dos números das casas para sinalizar a que país pertencem.
Há casas literalmente cortadas por uma fronteira internacional, que passa no meio das propriedades. Quando isso ocorre, a regra que se aplica oficialmente é a seguinte: o país da casa é definido pela localização da porta de entrada. Se a porta está na Bélgica, a casa é belga; se está na Holanda, é holandesa.
Entretanto, ainda que um casal possa deitar na mesma cama, mas dormir em países diferentes, uma mudança da porta principal pode alterar em qual país o imóvel está registrado, o que influencia em vantagens econômicas como impostos, serviços públicos e até a escola das crianças. A fronteira, portanto, é parte viva da organização doméstica.
O comércio local aproveita a divisão. Algumas lojas têm duas caixas registradoras, uma para cada país, pois impostos e regras de venda variam conforme o lado da fronteira. Comprar um produto pode significar pagar valores diferentes dependendo de onde a pessoa está.
Serviços básicos são duplicados. A cidade conta com duas prefeituras, duas redes de energia e até dois sistemas de coleta de lixo. Em certas ruas, aliás, caminhões de cada país passam em dias distintos, reforçando a divisão administrativa.
Apesar da complexidade, os moradores convivem em harmonia. A maioria esmagadora, inclusive, têm dupla cidadania — um passaporte holandês e um belga. Muitos afirmam que a fronteira é apenas um detalhe, já que a vida cotidiana se mistura naturalmente entre os dois países, criando uma identidade híbrida e única.
A origem dessa divisão remonta à Idade Média, quando lotes de terras foram divididos entre famílias da aristocracia local. Baarle-Hertog (hertog quer dizer 'duque' em holandês) foi propriedade do duque de Brabante, e Baarle-Nassau, pertencente à Dinastia Nassau. Quando a Bélgica se tornou independente dos Países Baixos, em 1831, as fronteiras não foram claramente definidas.
Tratados medievais que já existiam continuaram a vigorar, criando uma situação confusa de jurisdição. A indefinição resistiu às transformações políticas que ocorreram na Europa com o passar dos séculos e, somente em 1995, houve uma resolução definitiva sobre os limites territoriais da região. Naquele ano, o último pedaço de “terra de ninguém” foi oficialmente incorporado à Bélgica.
Durante guerras e conflitos, portanto, Baarle foi um refúgio peculiar. Em alguns períodos, bastava atravessar a rua para escapar de leis ou autoridades de um país e cair sob a jurisdição do outro, tornando a cidade um espaço estratégico para quem buscava proteção.
No tocante ao turismo, trata-se, portanto, de uma das principais atividades da cidade. Visitantes de todo o mundo vêm para caminhar pelas ruas e experimentar a sensação de estar em dois países ao mesmo tempo, tornando Baarle um destino singular na Europa.
Restaurantes e cafés aproveitam a fronteira para criar experiências únicas. É possível pedir uma refeição sentado em uma mesa na Bélgica e receber a sobremesa já estando na Holanda, sem precisar mudar de estabelecimento.
A cooperação internacional é essencial, visto que Bélgica e Holanda mantêm acordos especiais para administrar serviços básicos e evitar burocracias excessivas. Um exemplo de como duas nações podem trabalhar juntas em benefício de uma comunidade compartilhada.
O mapa de Baarle é um verdadeiro quebra-cabeça. São cerca de 30 enclaves belgas dentro da Holanda e apenas oito na situação oposta, numa geografia única que desafia a lógica fronteiriça. Tal configuração atrai estudiosos de geografia e política, e pesquisadores citam Baarle como exemplo de fronteira complexa e convivência pacífica. A cidade, assim, se tornou objeto de estudo internacional.
Dos dez mil moradores de Baarle-Hertog, por exemplo, cerca de três quartos possuem passaporte holandês. O lado belga, aliás, tem apenas 7,5 quilômetros quadrados, enquanto o município holandês concentra a maior extensão territorial da região, com 76 quilômetros quadrados sob sua jurisdição.
A vida escolar também reflete a divisão. Crianças podem estudar em instituições belgas ou holandesas, dependendo da localização da casa e da escolha dos pais, o que permite com que gerações se acostumem a transitar entre duas culturas.
Eventos culturais celebram a diversidade. Festas locais misturam tradições belgas e holandesas, criando uma identidade híbrida que só existe em Baarle. Isso reforça, portanto, o espírito de união entre os moradores.
Para os habitantes, a fronteira é parte da rotina. Eles aprendem desde cedo a lidar com duas moedas, duas legislações e até dois sistemas de saúde, navegando entre as diferenças sem perder o senso de comunidade. Além de curiosidade geográfica, Baarle é um símbolo de como fronteiras podem dividir territórios, mas não necessariamente separar pessoas. Uma cidade que dá aula sobre convivência e união.