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Abrace Brasília, 38 anos

Um patrimônio imemorial de Brasília, como sonharam seus fundadores. Ela é resultado do esforço coletivo, da união de cidadãos de boa ética, desprovidos de segundas intenções

A Abrace, desde sua origem, é uma ONG fora dos padrões convencionais -  (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
A Abrace, desde sua origem, é uma ONG fora dos padrões convencionais - (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

Ética e transparência, como princípio. Transformar dor em amor, como lema. Cura, como objetivo. Primeiro de maio de 1986. Nove pais e mães de crianças em tratamento de leucemia no Hospital de Base de Brasília (HBB) reúnem-se e fundam a Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Hemopatias (Abrace). Iniciava-se, naquele momento, uma guerra santa, transformadora de dor em amor.

Recorro a Fernando Pessoa, o grande poeta lusitano: "Todo começo é involuntário, Deus é o agente". Deus estava presente na sala de minha casa, onde eu e minha mulher, Maria Angela Marini, presidente da Abrace, nos últimos seis anos, recepcionamos os outros cavaleiros da esperança e da fé.

A Abrace, desde sua origem, é uma ONG fora dos padrões convencionais. Ela é um conceito, cuja ideologia é o amor. Não há vínculos políticos, interesses econômicos, nem a intenção de ocupar espaços dessa natureza. Nascida para colaborar com o poder público, melhorar as condições de atendimento hospitalar e "abraçar" as crianças com câncer e seus pais, unidos em suas tragédias individuais.

Abraçada pela Brasília que JK sonhou e pela imprensa originária de Assis Chateaubriand, o nosso sempre presente Correio Braziliense, olhar para trás resulta ver, nesse tempo de discórdia, preconceitos, discursos vazios, que de fato só o amor constrói.

Resta-nos clamar pela volta do amor, para que ele, sob o manto da solidariedade, do respeito, da doação despretensiosa, do prazer em lutar por causas nobres, no caso, pela melhoria da atenção à saúde e de seus profissionais, médicos, enfermeiros, abnegados, quase sempre mal avaliados pela sociedade e mal remunerados pelo poder público, em que ambos não se dão conta das condições, às vezes, degradantes dos locais onde acolhem com carinho e paciência os enfermos e seus familiares.

A Abrace fez e faz o que nasceu para fazer, com altivez, liberdade e independência, repito, sem interesse político e econômico de seus dirigentes e dos milhares de voluntários que a abraçaram, remunerados pelo amor que distribuem.

Conheçam a Abrace. Conheçam o Hospital da Criança de Brasília José Alencar (HCB), projeto e construção inicial bancados por recursos de doações dos colaboradores da Abrace. Sintam o poder daquela estrutura de concreto, levantada com massas de amor e sonho, na vida das crianças e das mães que as acompanham, sobretudo neste tempo de UPAs e Unidades Móveis de Atendimento. Ah, se todas as unidades médicas infantis concedessem às crianças o mesmo atendimento que o HCB oferece, inclusive psicológico, que se traduz por solidariedade e respeito, pois todos somos iguais, independentemente de cor, raça ou condição econômica e social.

A Abrace é, essencialmente, assistência social destinada às crianças e aos adolescentes com câncer e doenças hematológicas. A Abrace oferece aos assistidos e seus familiares alojamentos dignos em sua Casa de Apoio para os não residentes no DF. Também faz pequenas reformas na moradia de residentes no DF que vivem em condições precárias que colocam em risco a eficácia do tratamento. E vai além, ao oferecer: alimentação, medicamentos, transporte, assistência odontológica e psicológica, palestras sobre a doença e apoio logístico domiciliar para os pacientes em cuidados paliativos.

A Abrace é um patrimônio imemorial de Brasília, como sonharam seus fundadores. Ela é resultado do esforço coletivo, da união de cidadãos de boa ética, desprovidos de segundas intenções. A ideia é ajudar quem precisa, atuando coletivamente, porque só o nada se produz a sós, o bem-fazer é coletivo.

A Abrace pertence à sociedade de Brasília e deve permanecer apolítica. O conceito Abrace é dotado daquela força espiritual, humanista, que move homens públicos e não públicos na direção e no sentido de atender as necessidades reais, concretas e dolorosas das famílias de crianças portadoras de câncer, ao qual se somam outras patologias clínicas pediátricas de alta complexidade. Se a ação da classe política não atender ao homem, com eficiência e qualidade, qual a razão de ela existir?

Encerro manifestando, em nome da Abrace, gratidão por todos que dela fizeram o que hoje é.

A vida faz mais sentido, como já o disse a genial poeta Cora Coralina, se o que fazemos aquece o coração de outros.

Roberto Nogueira Ferreira

Primeiro presidente da Abrace e um dos fundadores

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postado em 01/05/2024 06:00
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