Brasil

Semi-árido do Brasil pode virar deserto

Especialistas alertam para o risco de o semi-árido se transformar em um imenso deserto. Substituição da pecuária e da monocultura por atividades menos agressivas à natureza é uma das possíveis soluções

postado em 14/07/2008 10:28

Dentro do Brasil, há um outro país, miserável e dominado pela seca, onde a sobrevivência é árdua e as ações em favor do meio ambiente são raras. Na área de 1,3 milhão de quilômetros quadrados que compõem o semi-árido, a natureza está sendo derrotada pelo homem. E vice-versa. Ali, vivem 30 milhões de brasileiros, dos quais 90% sobrevivem com menos de R$ 75,50 por mês. Na maioria dos municípios, a expectativa de vida está abaixo da média nacional. Já a mortalidade infantil é alta.

;Os indicadores sociais da área perdem para os do resto do país. Ou seja, a vida ali é pior e mais difícil;, afirma Marcos Oliveira Santana, técnico do MInistério do Meio Ambeinte e organizador do Atlas das Áreas Susceptíveis à Desertificação. O semi-árido compreende quase a totalidade do Nordeste, um pedaço de Minas Gerais e outro do Espírito Santo. ;Os problemas sociais são bastante sérios, o que acaba refletindo na pressão que a população exerce sobre o meio;, explica.

Desequilíbrio
Nas regiões de Irauçuba (CE), Seridó (RN), Cabrobó (PE) e Gilbués (PI), boa parte dos terrenos se tornou improdutiva porque o solo não serve para o plantio ou as fontes de água secaram. ;A desertificação impossibilita a convivência do homem com o ecossistema. O território torna-se inóspito;, diz Romélia Moreira de Souza, da área de manejo e gestão de recursos naturais do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA). A especialista destaca que o Nordeste brasileiro desertificado é diferente dos desertos naturais, como o Atacama (Chile) e o Saara (norte da África). ;Os desertos naturais são importantes para a manutenção do equilíbrio climático. As áreas em desertificação no Brasil são provas do desequilíbrio;, afirma.

Além da aridez do clima, o processo de desertificação está relacionado com o uso que a população faz dos recursos naturais. No Seridó, o esgotamento do solo começou há mais de três décadas, com a monocultura de algodão. Depois, prosseguiu com a pecuária extensiva para a produção de leite e chegou ao século 21 com a extração de lenha para apoiar as indústrias de cerâmica. ;Não foram criadas alternativas de sustentabilidade para os moradores. Entre morrer de fome e cortar uma árvore para vender a lenha, eles vão preferir a segunda opção;, pondera Romélia de Souza.

Em Gilbués, o solo abriu em enormes valas ; as voçorocas. O principal rio, o Boqueirão, secou. Muitos moradores emigraram, transformando-se no que os especialistas chamam de ;refugiados ambientais;. A erosão e o assoreamento foram causados pelo extrativismo mineral indiscriminado e por obras de engenharia malfeitas. A degradação chegou a tal ponto que originou a lenda de que a cidade inteira seria engolida por uma enorme voçoroca. ;Hoje, a população briga por melhorias. A reação do meio ambiente serviu para conscientizá-la;, afirma Marcos Oliveira Santana.

Morador de Oricuri (PE) e coordenador do programa de políticas públicas da ONG Caatinga, Paulo Pedro de Carvalho trabalha na sensibilização e mobilização dos moradores do semi-árido para uma convivência mais pacífica com o ambiente. Segundo ele, o envolvimento das mulheres e das novas gerações com a questão cresce a cada dia. ;Elas sentem que, se as práticas antigas persistirem, em breve o terreno não apresentará mais condições de sobrevivência;, afirma.

Mas há muitos obstáculos. A pecuária, por exemplo, é mais rentável do que a criação de galinhas, atividade menos danosa ao meio ambiente. As monoculturas também vencem a agroecologia por causa da rentabilidade. E, por fim, quando sobra boa vontade dos moradores para procurar alternativas sustentáveis, falta apoio técnico e crédito. ;A população até quer mudar de atitude. Mas não encontra quem a auxilie na mudança;, conta Carvalho. Nas contas do ambientalista, apenas cerca de 10% dos 300 mil moradores do Araripe (oeste pernambucano) estão envolvidos na busca por sustentabilidade. Os demais persistem na pecuária, na monocultura e no corte de lenha, que vendem para as fábricas de gesso. ;Quando está apurado, o sertanejo corta as árvores sim. Infelizmente, a realidade dele é a da falta;, completa.

Cisternas
Segundo Carvalho, o programa de construção de cisternas na região está andando mais devagar do que o esperado. Lançado em 2002, o programa previa a construção de 1 milhão de cisternas até 2007. Mas um ano depois do prazo, apenas 30% da meta foi cumprida. ;Para este ano, previmos a construção de 50 mil. Mas só liberaram verba para a construção de 23 mil;, conta o ambientalista. Os equipamentos são importantes para que os moradores armazenem água da chuva e, assim aproveitem melhor o recurso natural.

Futuro pode ser ainda pior
O aquecimento global tornará o semi-árido brasileiro ainda mais seco. De acordo com as previsões do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), a área que está pintada de amarelo escuro no mapa ao lado se transformará em um grande deserto nos próximos 100 anos. No interior dos estados nordestinos, a paisagem será de areia, rochas, erosões e poucas plantas esturricadas ; o que se vê hoje em Irauçuba, Seridó, Cabrobó e Gilbués. Além de improdutiva, a região será inóspita por conta das altas temperaturas e da falta de chuvas.

;A recuperação da caatinga é urgente. Entre as áreas passíveis de desertificação, ela é a mais povoada do mundo;, afirma Marcos Oliveira Santana, do Ministério do Meio Ambiente. Um cálculo aponta a taxa de ocupação de 20 pessoas por quilômetro quadrado como limite para essas áreas. No semi-árido brasileiro, essa taxa é de 23 pessoas por quilômetro quadrado. ;O painel prevê essa situação para daqui a 100 anos, mas o processo está tão acelerado que o prazo pode ser reduzido para a metade;, lamenta Romélia Moreira de Souza, do IICA. (EM)

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