Brasil

Esperança contra a síndrome de Hunter

Medicamento testado em pacientes do Brasil e de outros três países traz bons resultados para quem sofre da doença genética que pode levar à morte se não for tratada. Problema é o alto custo da droga

postado em 26/07/2008 09:23
Quando Tanius, 14 anos, nasceu, a pediatra desconfiou que havia algo de errado com o menino. No primeiro semestre de vida, ele teve três crises de hérnia, infecção nos ouvidos e não conseguia se livrar dos antibióticos. A médica apostou numa doença de nome pouco familiar: mucopolissacaridose tipo II, também chamada síndrome de Hunter. Alguns testes mostravam que o diagnóstico estava correto, outros davam negativo. A confirmação só chegou dois anos depois, quando a mãe de Tanius já estava grávida do outro filho. Leonir, o Leo, hoje com 12, é portador do mesmo mal ; doença genética rara, que afeta um em cada 155 mil nascidos, de difícil detecção e que, se não for tratada, pode ser fatal. A esperança para os portadores ; no Brasil, foram identificados 200 desde a década de 1990, sendo que 50 morreram ; é uma substância aprovada recentemente pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a idursulfase. O medicamento, já utilizado em 40 países, foi testado em 96 pacientes nos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e Brasil. Aqui, 19 pessoas participaram dos testes clínicos, incluindo Tanius e Leo. Identificada em 1917 pelo médico canadense Charles Hunter, a síndrome, hereditária, é provocada por um defeito no cromossomo X. Atinge principalmente homens, que possuem um cromossomo X, herdado da mãe, e um Y, vindo do pai. Já as mulheres são portadoras de dois X e, ainda que herdem o cromossomo com problema, dificilmente terão a doença manifestada. Porém, se tiverem filhos homens, são elas que passam a síndrome adiante. ;O pesquisador que confirmou o diagnóstico foi muito antiético. Ele perguntou para a minha esposa: ;Você sabia que você é a culpada?;. Ela estava grávida do Leo, então ele falou que, se nós quiséssemos, providenciaria um aborto. Foi um trauma muito grande;, conta Leonir Veneziani Silva, pai dos meninos. Enzima O cromossomo danificado faz com que as células deixem de sintetizar uma enzima que, por não ser digerida, acumula-se no organismo. ;É como os diabéticos, que não produzem insulina;, compara o geneticista Emerson Santos, professor da Universidade Federal de Alagoas, que participou das pesquisas clínicas que testaram a idursulfase no Brasil. O acúmulo da enzima provoca diversos danos. Na forma branda da síndrome, alguns dos problemas são o aumento do baço, do fígado, do volume da cabeça, apnéia noturna, obstrução das vias aéreas, declínio progressivo das funções cardíacas, comprometimento das articulações, entre outros. Já a forma grave, além de todos esses danos, resulta em problemas neurológicos. Em ambos os casos, há possibilidade de morte na primeira década de vida, caso a síndrome não seja tratada. ;Os neuropediatras devem ficar alertas para alguns sinais, como atraso na evolução psicomotora e limitação nas articulações. Geralmente, o bebê nasce perfeito e os sintomas se desenvolvem entre os 2 e 3 anos de idade. Além de evitar a morte, o diagnóstico precoce torna mais fácil reverter os danos cerebrais na forma grave da doença;, diz Emerson Santos. De acordo com o médico, um de seus pacientes que começou a participar dos testes da idursulfase aos 15 anos melhorou muito com o tratamento. ;Ele tinha dificuldades para escrever, subir escadas, escovar os dentes. Hoje, leva uma vida normal;, conta. Com a idursulfase, o organismo passa a sintetizar a enzima. A administração é via infusão. Uma vez por semana, o paciente vai ao hospital, onde recebe as doses por via intravenosa. O processo dura, em média, três horas. ;Esses tratamento não representa a cura, mas a esperança que os pacientes possam permanecer vivos, com boas condições. É uma arma poderosa para melhorar a qualidade de vida;, atesta o geneticista Roberto Giugliani, chefe do serviço de genética do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Ele coordenou a pesquisa no Brasil. O hospital da capital gaúcha foi escolhido pelo laboratório que desenvolveu a enzima porque há 35 anos pesquisa doenças genéticas. Justiça Apesar da esperança que empolga as famílias ; não existe outro tratamento medicamentoso para o mal de Hunter em todo o mundo ; as infusões ainda são muito caras. O laboratório não revela o custo, mas, de acordo com o pai de Tanius e Leo, cada dose do remédio custa US$ 3 mil. Tanius, que pesa 59kg, consome cinco doses por semana, ou US$ 60 mil por mês. ;Eu não teria como pagar. Ainda mais para dois filhos;, lembra Leonir. Como os meninos participaram dos testes, tiveram direito a 90 dias de tratamento gratuito. Porém, a família teve de apelar para a Justiça para garantir a continuidade. Ao contrário dos Estados Unidos, da Austrália e dos países europeus, o Sistema Único de Saúde no Brasil não cobre automaticamente os custos de tratamentos à base dos chamados medicamentos órfãos ; remédios para doenças raras e que são os únicos do mundo para tratar determinadas doenças. Existe uma lista de medicamentos de alto custo, mas a síndrome de Hunter não está incluída. ;Agora, essa tem de ser a nova luta das famílias;, diz o geneticista Emerson Silva. O número 200 pessoas já foram diagnosticadas com a síndrome de Hunter no país desde a década de 1990

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