Brasil

Gringos chegaram a pagar R$ 150 mil por casa para tirar os pescadores que viviam na região de Fortim

As residências foram destruídas há oito anos e o entulho ainda está lá

postado em 06/08/2010 09:11
Fortim (CE) ; Sem disfarçar o constrangimento, os funcionários da Prefeitura de Fortim (CE) mostram, emocionados, os murais e as maquetes do projeto apresentado ao governo do município pelos empresários espanhóis. O complexo turístico teria quatro hotéis temáticos (farol, golfe, surfe e marina), 120 unidades habitacionais, 120 chalés e bangalôs e campos de golfe com 18 buracos e 6,5 mil metros de extensão. A marina teria espaço para 172 embarcações atracadas e 60 vagas secas. O turista poderia pegar um veleiro em Fortaleza, navegar em alto-mar até Fortim, entrar pela foz do Rio Jaguaribe e chegar à marina, à margem do rio.

O site do Playa Mansa Living & Life Resort avisa que o empreendimento seria implantado em ;um dos lugares mais belos do litoral nordestino, situado em uma área virgem no Ceará;, com mais de 2km de praia e 1km às margens do Rio Jaguaribe. O local, de fato, já foi virgem antes da chegada dos espanhóis. Em frente ao mar e ao lado do rio há um extenso terreno plano, já sem cobertura vegetal. O procurador da Prefeitura de Fortim, Elias Paiva Feijó, relata o que teria ocorrido ali: ;Eles chegaram a desmatar e a limpar toda a região. Já era uma área bem plana, mas tinha mato. Os espanhóis tiraram a vegetação toda;, diz, acrescentando que os empreendedores também cercaram o local e construíram um prédio para instalar um escritório.

Antes de preparar o terreno, os empresários espanhóis compraram cerca de 40 casas de pescadores, algumas no alto das dunas fixas, outras às margens do rio. O preço pago aos pescadores começou baixo, mas foi aumentando à medida que todos percebiam o valor do empreendimento, estimado em R$ 400 milhões. ;No início, eles estavam pagando um preço irrisório, porque eram casas pequenas. Então, a comunidade se reuniu e começou a fazer pressão. A partir daí, eles passaram a ter mais critério nessas indenizações para tirar o pessoal das terras, que foram totalmente desapropriadas;, conta o procurador. O Correio encontrou, entre a mata nativa, dezenas de alicerces das casas que foram compradas e destruídas.

Restos na mata
As primeiras casas foram vendidas por R$ 10 mil ou R$ 15 mil, em 2002. Muitos terrenos foram indenizados por R$ 3 mil e R$ 4 mil. No fim do processo de compra, algumas casas chegaram a ser compradas por R$ 150 mil, que seria o preço de mercado. Chegaram a indenizar terrenos por R$ 50 mil. Feijó afirma que o negócio tem a participação de um empresário Brasileiro, João Gentil, que seria o proprietário da maior parte daquelas terras.

O registro em cartório especifica a área de cada um dos componentes do condomínio, que inclui unidades residenciais, hotéis, vivendas, campos de golfe, comércio, sistema viário e praças de lazer. Só os campos de golfe ocupariam 86 hectares, o equivalente a 120 campos de futebol.

A Prefeitura de Fortim recebia informações otimistas sobre a geração de empregos pelo condomínio. ;Eram esperados vá-rios postos de trabalho. Quando estivesse funcionando, seria em torno de 500 empregos diretos e mais 1,5 mil indiretos. Durante a construção, com a contratação de pedreiros, serventes, carpinteiros e eletricistas, chegaria a uns 2 mil empregos diretos;, conta o procurador do município. O novo empreendimento seria a forma de Fortim competir com a vizinha Canoa Quebrada, uma praia já famosa que atrai dezenas de milhares de turistas todos os anos, muitos deles estrangeiros.

Verificou-se que tais empreendimentos levaram em conta apenas os aspectos de mercado, em detrimento dos danos aos ecossistemas que dão sustentação à vida dos povos do mar;
Jeovah Meireles, professor da Universidade Federal do Ceará



A falácia do desenvolvimento

A experiência de outros países evidencia que os impactos de grandes empreendimentos na zona costeira não trazem apenas progresso, mas também acarretam diversos problemas. O professor Jeovah Meileles, do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC), afirma que, além dos impactos ambientais negativos e dos conflitos com as comunidades tradicionais, há questões igualmente complexas. Na África do Sul, no México e em países caribenhos, resorts, campos de golfe e até a criação de camarões em viveiros entraram em decadência e as iniciativas foram abandonadas.

;Esses empreendimentos, que geram degradação socioambiental sem precedente, são abandonados quando ocorrem interferências na economia, nos níveis local e global. Os danos ao meio ambiente e à sociedade irão permanecer e terão elevados custos para o Estado;, diz Meireles.

O professor acredita que, no licenciamento dessas obras de infraestrutura, não foram levados em conta os impactos cumulativos. ;Licencia-se um resort como se ele fosse o único no litoral, e sem definir as relações de impacto com os demais resorts já licenciados;, comenta. Segundo Meireles, os resorts são grandes loteamentos imobiliários para estrangeiros. Os campos de golfe ocupam as dunas, interferindo em reservas estratégicas de água doce e provocando danos ambientais em morfologias que amortecem as consequências previstas pelo aquecimento global: erosão e salinização dos aquíferos.

Segundo Meireles, a implantação de empreendimentos hoteleiros sobre campo de dunas na zona costeira cearense (as projeções apontam para mais de 70 hotéis nos próximos 10 anos) promoverá o acúmulo de sedimentos, além de danos a uma reserva estratégica de água doce, à biodiversidade e também a consequente expulsão de comunidades tradicionais de suas terras ancestralmente ocupadas.

;Privatizam largos setores da zona costeira, com elevados danos sócioambientais e impactos relacionados com a degradação da biodiversidade, das paisagens e das comunidades litorâneas. Verificou-se que tais empreendimentos levaram em conta apenas os aspectos de mercado, em detrimento dos danos aos ecossistemas que dão sustentação à vida dos povos do mar.; (LV)

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