Brasil

Manhã de terror no Rio

Uma pessoa morre e quatro policiais ficam feridos durante troca de tiros com traficantes. Bandidos fizeram 35 reféns em hotel de luxo

Igor Silveira
postado em 22/08/2010 09:30
PMs apresentaram o grupo de bandidos que invadiu o hotel: apreensão de oito fuzis, cinco pistolas e uma granadaUm tiroteio entre traficantes e policiais militares tornou uma das áreas mais nobres do Rio de Janeiro, o bairro de São Conrado, na Zona Sul, em um território dominado pelo medo. Uma mulher morreu e quatro PMs ficaram feridos durante o confronto. Em uma tentativa de fuga, os bandidos invadiram o Hotel Intercontinental, um dos mais luxuosos da cidade, onde renderam 35 pessoas, entre hóspedes e funcionários. Nas ruas de São Conrado, houve pânico. Moradores se esconderam atrás de carros e ônibus árvores para não serem atingidos pelos tiros. Motoristas e passageiros de carros e ônibus abandonaram os veículos às pressas. O episódio ocorreu na véspera da Meia Maratona Internacional do Rio de Janeiro, que será disputada hoje em um percurso que passa em frente ao hotel invadido pelos criminosos.

De acordo com informações da Secretaria de Segurança Pública do Rio, um grupo de mais de 50 bandidos saiu de uma festa na favela do Vidigal por volta das 8h. O bando seguia em três vans, cinco motos e carros para o Morro do Urubu, na Zona Norte, mas acabou surpreendido por patrulhas do 23; Batalhão da Polícia Militar, quando passava pela Avenida Aquarela do Brasil (veja o mapa acima).

Uma pessoa morre e quatro policiais ficam feridos durante troca de tiros com traficantes. Bandidos fizeram 35 reféns em hotel de luxoA intensa troca de tiros assustou moradores, parou o trânsito, feriu quatro policiais sem gravidade e deixou Adriana Medeiros morta. Segundo a polícia, a vítima era tesoureira do grupo de traficantes e, contra ela, havia um mandado de prisão. O corpo dele estava em frente a um condomínio de classe média alta, no n; 611 da avenida, que dá acesso à favela da Rocinha. Segundo o jornal O Dia, dois moradores de São Conrado ficaram feridos.

;Caveirão;
Durante o tiroteio, 10 bandidos fugiram em direção ao Hotel Intercontinental, a 480m do ponto onde começou o tiroteio. Encapuzados e armados com fuzis, os traficantes levaram os reféns para a cozinha do hotel e chegaram a tentar, sem sucesso, fugir do local com o uniforme dos seguranças.

O Batalhão de Choque e o Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar do Rio cercaram o hotel, mobilizando 200 PMs, com o auxílio de helicópteros e do ;caveirão; ; um carro blindado utilizado para subir em morros. Segundo o coronel Lima Castro, porta-voz da PM, os bandidos não tiveram outra opção, senão se entregar e libertar os reféns. No momento da invasão, 1,5 mil pessoas estavam no hotel.

Entre os 10 bandidos que foram presos, nove já tinham passagem pela polícia. Um deles é o traficante conhecido como Perna, apontado pela polícia como o segundo na hierarquia do tráfico de drogas da Rocinha. Com eles foram encontrados oito fuzis, cinco pistolas, uma granada, munição e rádios.

A delegação do Fluminense, que disputa hoje o clássico carioca contra o Vasco no Maracanã, seguiria para o Intercontinental no começo da tarde de ontem para se concentrar para a partida do Campeonato Brasileiro, mas por causa da confusão seguiu para um hotel na Barra da Tijuca.

O secretário de Segurança Pública do Estado do Rio, José Mariano Beltrame, afirmou que a ação violenta dos traficantes não vai atingir o plano de instalação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) na cidade. ;Estamos apresentando um plano concreto para o Rio e isso não vai desviar nossas ações. Nosso planejamento não será alterado. Entendemos que o que propomos é uma solução. Mas leva tempo. Quem afirma que resolve o problema da noite para o dia está mentindo;, frisou.

Das críticas aos elogios

A violenta manhã de ontem, no Rio de Janeiro, se tornou um dos assuntos mais comentados do sábado. Políticos se dividiram entre elogios e críticas. Os únicos pontos convergentes eram a surpresa com a ousadia dos bandidos e o temor pela violência em plena luz do dia, em uma das áreas mais nobres da capital fluminense. O governador Sérgio Cabral divulgou uma nota oficial sobre o caso e garantiu que, em breve, moradores das comunidades do Vidigal e da Rocinha estarão livres do poder paralelo. ;É importante destacar a ação da polícia. Firme, profissional e com efetividade. Não temos nenhuma ilusão, desde o primeiro dia de governo, sobre o tamanho do nosso desafio. Mas temos a convicção de que estamos no caminho certo;, ressaltou.

Em entrevista ao Correio, o candidato ao governo do Rio de Janeiro pelo Partido Verde, Fernando Gabeira, acusou as administrações federal, estadual e municipal de não terem instalado Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) na Rocinha e no Complexo do Alemão para manter o ritmo das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) nessas regiões. ;Este acontecimento alveja a máquina de propaganda do governo;, ressaltou. O presidenciável José Serra (PSDB), que esteve ontem em Duque de Caxias, a 15km do Rio, classificou a ação dos bandidos como ;ousada; e destacou a necessidade de uma atuação mais firme do governo contra a violência.

No exterior

O tiroteio entre bandidos e policiais em São Conrado e a invasão ao Hotel Intercontinental também repercutiu no exterior. Uma matéria publicada na página do The New York Times relatava os momentos de terror vividos na manhã de ontem e lembrava que a edição de 2009 do Fórum Econômico Mundial foi realizado no mesmo prédio ontem criminosos mantiveram 35 reféns antes de serem rendidos pelos policiais. ;Eu nunca tinha visto tantos bandidos juntos;, destacou uma testemunha à reportagem.

O jornal português Público manteve, durante boa parte do dia, uma grande matéria sobre o episódio violento na Zona Sul do Rio. A reportagem enfatizava o fato de que 50 portugueses estavam hospedados no hotel no momento do confronto. Entre os reféns, havia também seis turistas chineses.(DA e IS)


Direto do front
Narrativa pelo Twitter


O antropólogo e ex-secretário Nacional de Segurança Luiz Eduardo Soares narrou a troca de tiros entre polícia e bandidos, em São Conrado, na manhã de ontem, quase que simultaneamente ao acontecimento. Por meio da rede de microblogs Twitter, o autor de livros como Cabeça de Porco e Elite da Tropa descreveu os momentos de tensão. ;Violentíssimo tiroteio aqui em São Conrado, ao redor da Rocinha. O bairro parou. Estamos ilhados. Nenhum carro nas ruas. Pânico no ar. Tiros de fuzil soaram intensos como se cruzassem quartos e salas dos prédios próximos aos epicentros do confronto;, escreveu na rede de micromensagens. ;Bandidos invadindo o hotel Intercontinental e fazendo reféns atingem a imagem internacional do Rio e desfazem a fantasia da pacificação. Uso eleitoral das UPPs não será suficiente para maquiar o horror. Ilusão vira fumaça na ponta do fuzil;, completou.

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