Brasil

Vice-procuradora-geral: "É preciso mudar a cultura nas instituições"

postado em 12/07/2015 08:03

A vice-procuradora-geral da República, Ela Wiecko, defende que o combate ao racismo não se trata apenas de uma questão legal: é preciso sensibilizar a população e os poderes públicos. Wiecko reforça que é necessário ter um registro único das denúncias do crime para aprimorar os dados sobre as ocorrências em todo o país e ressalta a importância de se distinguir racismo de injúria racial. Para ela, há um caminho longo a ser percorrido no combate à discriminação, que passa por educação e conscientização.

Em geral, os registros de injúria racial são mais comuns do que os de racismo. Por quê?
O racismo é um crime mais grave do que a injúria racial. Agora, no meu ponto de vista, toda injúria racial é racismo. O Supremo Tribunal Federal (STF) construiu uma interpretação segundo a qual o racismo se constitui quando aquela ofensa visa toda a coletividade e, no caso da injúria racial, a apenas uma determinada pessoa. Mas eu acho essa distinção muito cerebrina. Quando uma pessoa diz que a outra é um ;macaco; por conta da cor negra, na verdade, não está vendo aquela pessoa fora de tudo, mas é assim que a jurisprudência foi construída. E qual é a consequência disso? É que a injúria racial tem uma pena mais branda. O racismo é um crime imprescritível, mas a injúria racial é prescritível. A defesa dos acusados sempre vão desenvolver uma argumentação no sentido de desclassificar o racismo para a injúria racial. Essa distinção é uma válvula de escape para um padrão ainda muito comum, que acha que não há racismo, que rejeita a existência dessa prática no Brasil. Isso é uma prova de que o racismo ainda é negado no país.

Ainda existe um desconhecimento da população sobre como denunciar esses crimes?

A minha percepção é de que o movimento negro tem feito um esforço muito grande de reação. As pessoas que se auto-identificam como negras e que têm consciência da sua negritude ; e de que estão em uma posição na qual podem ser alvo de racismo ; conhecem mais as leis e os canais para se denunciar. Mas há pessoas que não assumiram essa identidade. Nós temos um grande número de pessoas pardas que às vezes se identificam como brancas quando têm que colocar no papel, justamente por ser uma fuga dessa situação. Elas têm medo. Existe um racismo institucional, que é a incapacidade de os órgãos públicos e as empresas privadas proporcionarem as mesmas condições de acesso, de igualdade e de salários.

Apesar de essa discriminação no trabalho ser ilegal, a prática é recorrente?
É uma coisa muito sutil. Na comissão (do MPF, dentro do Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça), a gente verifica que, entre os servidores e as servidoras, no que se refere à ascensão, a ocupar cargos de chefia, há um número menor de mulheres, e muito menor ainda de mulheres negras e de homens negros. Você tem que criar oportunidades, até por meio de cotas.

Os tribunais não encontram a classificação de injúria racial no sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Como o MPF trabalha isso?

A nossa tabela foi feita num momento posterior, e a gente segue o CNJ porque o objetivo é ter a interoperabilidade, para que o nosso sistema possa conversar com o sistema da Justiça e da polícia. Nós ainda não chegamos a essa excelência dos sistemas de informação. Aqui, o sistema único só alcançou a Procuradoria-Geral no ano passado.

Quais são as consequências da falta de dados no enfrentamento ao racismo?
Para a formulação de políticas no âmbito do Judiciário, do Ministério Público, de política públicas em geral, precisamos de saber esse fluxo, saber como as pessoas vocalizam essas insatisfações e o que poderia ser feito. Em quais lugares esses crimes ocorrem mais, por exemplo. Isso é muito importante.

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