Brasil

Transexual denuncia constrangimento em alistamento militar em Osasco

Fotos foram tiradas por militares e divulgadas no WhatsApp

Agência Estado
postado em 29/09/2015 08:26
São Paulo - Uma transexual de 18 anos denunciou ter sido constrangida em um processo de alistamento militar em Osasco, na região metropolitana de São Paulo. A estudante de Administração Marianna Lively, de 18 anos, disse que teve fotos dela e de seus documentos pessoais - com seu nome de nascimento e telefone - tiradas e depois vazadas em grupos de WhatsApp por um cabo que participava do processo, no quartel do complexo militar de Quitaúna, no bairro de mesmo nome. O episódio, que aconteceu na semana passada, foi registrado em boletim de ocorrência em Barueri, onde a estudante mora, também na região metropolitana.

[SAIBAMAIS]Foram publicadas três imagens nas redes - duas que mostram a jovem em pé em um pátio do quartel, e outra do certificado de alistamento militar, com todos os dados pessoais da estudante. De acordo com ela, o documento já estava em posse dos servidores do Exército, que precisavam assiná-lo antes de liberá-la.

À reportagem, Marianna disse que não percebeu o momento em que as fotos tiradas. "Estranhei o episódio porque me trataram muito bem. Um dos soldados me tirou da fila e me encaminhou rapidamente. Fiquei meia hora no quartel", contou. Ela afirmou que, pelo ângulo das imagens, a foto só poderia ter sido feita por um cabo que trabalhava no local, em um palco próximo, já que todos os jovens presentes eram obrigados a ficar sentados em bancos do outro lado do pátio. "Além disso, eles falaram para todo mundo que era proibido usar celular", contou ela.

Registro militar da jovemApós a divulgação das imagens, Marianna contou ter recebido inúmeras ligações com piadas e cantadas, já que o documento publicado incluía seu número de telefone. Pensou se tratar de trote, inicialmente, mas tomou conhecimento do vazamento à noite, por uma amiga. As publicações que se seguiram colocam as fotos lado a lado com teor de piada. "Peguei gato por lebre, muitos só descobriram na hora do alistamento militar kkkk #billão", diz uma das mensagens que viralizou.

Ligações

"Perguntavam pelo meu nome de registro e depois ligavam. Estão me ligando até hoje, inclusive. Alguns falavam que eu era linda e pediam meu WhatsApp, outros riam e desligavam", contou ela. "Fiquei chocada. Chorei muito e minha avó passou mal, a pressão dela caiu. Já sofri preconceito na escola, já briguei por nome social, mas esse tipo e coisa nunca aconteceu", disse.

A jovem disse ainda que recebeu ligações de outras transexuais dizendo que ela não foi a primeira a ter imagens feitas em alistamento militar. "Várias colegas já tinham passado por isso. A maioria das transexuais, hoje em dia, deixam para se tornar trans depois da fase do quartel, pois sofrem muito lá. Eles agridem, caçoam na frente dos outros, chamam de ;viadinho;", disse ela. A jovem foi dispensada do serviço militar.



Foto tirada por um dos militares que estavam fazendo o registro militar dos jovens na cidade de OsascoA estudante afirmou que voltou à base militar com a mãe no dia seguinte, onde conversaram com um capitão. "Ele pediu mil desculpas, disse que foi um ato de infantilidade e pediu para que esperássemos a poeira abaixar. Disse que era para eu mudar de telefone e que teria uma reunião para discutir punição ao cabo", contou ela, que diz esperar uma punição "forte" ao servidor. A advogada de Marianna, Patrícia Gorisch, afirmou que registrará um boletim na justiça militar e pedirá ação da corregedoria. Disse também que entrará com uma liminar pedindo que o Facebook e o Whatsapp impeçam a divulgação das fotos.

Crime militar
Para o professor de Direito Constitucional Militar, João Carlos Campanini, da Escola Paulista de Direito, o cabo pode ser enquadrado em crime militar por violação de sigilo funcional. "Pode haver contra ele um inquérito militar, já que o cabo teve acesso a um documento por sua posição e o divulgou indevidamente". A punição, segundo o especialista, pode chegar a dois anos de prisão. Além disso, de acordo com o professor, a transexual pode processar o Exército pelo vazamento, por causa dos danos morais causados na exposição indevida.

Procurado, o Exército não se manifestou até a noite de segunda-feira.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação