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Microcefalia após epidemia do zika vírus reabre debate sobre aborto

ONG feminista pretende cobrar no STF o direito de escolha das mulheres e a responsabilidade do governo diante de uma epidemia que não foi controlada

postado em 30/01/2016 13:52
ONG feminista pretende cobrar no STF o direito de escolha das mulheres e a responsabilidade do governo diante de uma epidemia que não foi controlada
A epidemia de zika, que colocou o país em emergência de saúde, reabriu o debate sobre as possibilidades de aborto. Essa discussão, que já ocorre no Judiciário, deve chegar ao Congresso Nacional. A deputada Maria do Rosário (PT-RS), favorável a uma legislação mais ampla sobre o aborto, se opõe à proposta de autorizar por via judicial o aborto de fetos com suspeita de microcefalia. A ideia foi levantada pela organização não governamental feminista Anis ; Instituto de Bioética. A ONG, autora da ação que autorizou, via Supremo Tribunal Federal (STF), a interrupção da gestação de fetos anencéfalos, em 2012, pretende conseguir o mesmo, novamente pelo STF, para suspeitas de microcefalia.

;A microcefalia é diferente da anencefalia, pois nasce uma pessoa com deficiência. No espírito da lei atual, o caso não estaria contemplado;, explica Maria do Rosário. ;Uma coisa é a descriminalização do aborto em geral. Outra, a liberação em caso de malformação. Uma pessoa com malformação é parte da sociedade. Acredito que a legislação deveria ser mais abrangente, e não focada na deficiência;.

[SAIBAMAIS]A Anis pretende cobrar no STF o direito de escolha das mulheres e a responsabilidade do governo diante de uma epidemia que não foi controlada. O pedido de autorização de aborto não fará distinção entre diagnósticos de microcefalia com ou sem risco de morte.

A antropóloga Débora Diniz, pesquisadora da Anis, explica que o estado deve oferecer o direito à escolha já que a atual epidemia de zika ; e, em consequência, o surto de microcefalia ; são reflexos da negligência governamental. ;Esta é uma ação constitucional de direitos das mulheres, tendo como objeto o direito à saúde. Mas em um sentido amplo. O Brasil vive uma crise pelo zika vírus, mas é algo anunciado há quatro décadas: já fomos capazes de erradicar o mosquito no passado, mas falhamos. Ele retorna, e com a força de uma epidemia;, disse.



A solicitação terá três eixos. Primeiramente, o grupo refuta o posicionamento do ministro da Saúde, Marcelo Castro, repetido pela presidente Dilma Rousseff ontem, de que a batalha contra o Aedes aegypti está sendo perdida. ;Essa não é uma guerra para ser perdida. Nunca. Não só porque já a vencemos antes, mas porque precisamos vencê-la novamente;, afirmou a antropóloga. ;O segundo é que, enquanto vivemos a epidemia do zika, um amplo pacote de proteções em saúde sexual e reprodutiva precisa ser garantido às mulheres;, defende, citando como exemplos a oferta de métodos contraceptivos, o diagnóstico precoce da microcefalia e, para as mulheres que assim optarem, a interrupção da gravidez.

;Por fim, é importante protegermos os direitos sociais e fundamentais das crianças com microcefalia e das mulheres ; estamos falando de mulheres pobres, nordestinas, que necessitarão de um forte amparo social para a proteção de seus bebês. Não basta a promessa de um salário mínimo para elas;, diz, referindo-se ao anúncio feito pelo governo federal de que vai estender o Benefício de Prestação Continuada (BPC) às mães de crianças com microcefalia.

O BPC é um salário mínimo mensal oferecido a idosos com mais de 65 anos e a pessoas deficientes de qualquer idade cuja renda familiar por pessoa seja menor que um quarto do salário mínimo (R$ 220).

Para Rosângela Talib, coordenadora da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, a bolsa é insuficiente para as reais necessidades da família. ;O valor nos parece aquém das necessidades das mulheres, que deveriam ter o direito de decidir. Elas não podem ficar a mercê de uma situação que não provocaram, causada pela falta de capacidade do estado em prover saneamento básico;, afirma.

A presidente do Movimento Brasil Sem Aborto, Lenise Garcia, rejeita a possibilidade de abrir a exceção para a microcefalia, assim como para quaisquer casos de deficiências mentais e físicas. ;A atitude eugênica de matar alguém porque é deficiente se aproxima muito da eugenia praticada no nazismo. Certamente, essa não é a sociedade que desejamos;.

Débora Diniz classifica o argumento da eugenia como ;um ato de má-fé;, já que as escolhas reprodutivas individuais de cada mulher não refletem uma política. ;Eugenia é uma política de extermínio de um estado totalitário e opressor como foi o nazista. Não há nada semelhante em curso aqui: estamos diante de uma epidemia causada por negligência do Estado, em que o aborto é uma escolha. E, no caso da ação, uma pequena peça de uma arquitetura mais ampla de proteções sociais e fundamentais;.

A deputada federal Cristiane Brasil (PTB-RJ), que se diz contra o aborto ;por essência;, defende o direito de escolha somente nos casos de estupro e nos em que não há possibilidade de vida fora do útero. ;Entretanto, esse não é o caso da microcefalia;, afirma. ;Por outro lado, entendo a agonia das mães, que esperam um filho totalmente saudável. A vida da criança vai ser diferente e os pais ficam preocupados;, pondera.

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