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Saiba como um capitão do Exército se infiltrou em protesto anti-Temer

Com perfil falso, integrante das Forças Armadas mudou rota de manifestantes. Vinte e três jovens foram detidos, mas liberados pela Justiça em seguida

Braitner Moreira
postado em 11/09/2016 17:34

Willian Pina Botelho (2º a partir da esquerda) algemado com os manifestantes: só ele não iria à delegacia

Balta Nunes parecia apenas mais um militante de esquerda. Mantinha um perfil no Facebook há dois anos, e na rede social conhecia jovens interessados em frequentar os atos em São Paulo contra o governo do presidente da República, Michel Temer. Quando um grupo decidiu que era a hora de levar a discussão para o WhatsApp, para que pudessem se conhecer melhor e planejar sair juntos para os protestos, ele foi um dos 40 adicionados. O mesmo Balta, ao mesmo tempo, usava o Tinder para conhecer ;meninas de esquerda; e perguntar a respeito das manifestações.

O tal Balta Nunes, porém, nunca existiu. Quem se relacionava com ele entregava informações ao capitão do Exército William Pina Botelho, admitido nas Forças Armadas em março de 1998. Ele é oficial do Comando Militar do Sudeste e tem mestrado em Operações Militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais.

De real, nas redes sociais, o capitão do Exército só mantinha a foto do Tinder, que mostra um homem grisalho de 37 anos. A imagem utilizada na foto do Facebook é de Denis Hasinovic, um designer bósnio. Nas duas redes, ele se apresenta como gerente de projeto da Maguary, empresa que produz sucos. ;Constatamos que não há nenhum funcionário com esse nome na empresa;, informou a companhia ao Correio, por meio de assessoria de imprensa. A formação na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) não existiu. E a citação utilizada no Tinder - ;democracia é o caminho para o socialismo; - atribuída a Karl Marx, nunca saiu da boca do filósofo alemão.

O perfil no Tinder: de real, só a foto

Quando a Polícia Militar levou 23 manifestantes para a delegacia, por volta das 15h30 de 4 de setembro, antes mesmo do início do protesto anti-Temer, Pina Botelho estava entre eles. Segundo o coronel Dimitrios Fyskatoris, da Polícia Militar, os detidos ;apresentaram atitude suspeita; e teriam dito ;que estavam ali reunidos, organizados para sair pela cidade para praticar atos de agressão contra as pessoas;. O capitão infiltrado foi algemado, mas não dividiu o ônibus da PM com os outros. Enquanto todo o grupo estava incomunicável, ele já postava nas redes sociais, agradecendo pelas orações recebidas. Horas depois, os perfis no Facebook e no Tinder estavam apagados.

Dos detidos, 18 eram maiores de idade. Acabaram indiciados por associação criminosa, formação de quadrilha e corrupção de menores. Os outros cinco, adolescentes, tiveram de assinar ato infracional por formação de quadrilha e receptação. As prisões foram consideradas ilegais pelo juiz Paulo Tellini de Aguirre Camargo. ;O Brasil, como Estado Democrático de Direito, não pode legitimar a atuação policial de praticar ;prisão para averiguação; sob o pretexto de que estudantes reunidos poderiam, eventualmente, praticar atos de violência e vandalismo em manifestação ideológica. Esse tempo, felizmente, já passou", escreveu o magistrado.

Emboscada

Parte dos presos presos atribui a Pina Botelho uma emboscada. O grupo planejava se encontrar na Estação Consolação do metrô e foi a pé ao Centro Cultural São Paulo (CCSP), a 3km dali, por ideia dele. Um helicóptero acompanhou parte do trajeto. Pouco depois de chegarem ao CCSP e se sentarem, os manifestantes foram abordados por cerca de 30 policiais militares, enquanto o helicóptero sobrevoava o local.

Durante a operação policial, todos tiveram os celulares confiscados, exceto Pina Botelho. Uma semana depois, os detidos continuam sem os telefones. ;Nos disseram que os aparelhos iriam para averiguação no Instituto de Criminalística e num prazo de 30 dias seriam devolvidos;, conta um dos presos.

O perfil no Facebook: conta fechada

A identidade falsa do capitão do Exército começou a cair quando o ;tratamento especial; foi notado. ;Depois da prisão, começamos a puxar e lembrar das coisas estranhas dele. Ele era um dos que mais conversavam, se enturmou rápido. Acho que ele estava procurando black blocs, anarquistas, mas esses não éramos nós. Quando eu falei que estava trabalhando no sábado à noite e contei que tinha dois filhos para sustentar, ele nunca mais falou comigo. Saí do foco dele;, pondera uma das manifestantes. Ela não pôde participar do protesto naquele dia e, por isso, não foi presa.

Outro lado

Questionado sobre a existência de um mandado judicial que permitisse que o capitão fosse infiltrado nesses grupos, o Exército admitiu que Willian Pina Botelho é oficial das Forças Armadas e limitou-se a informar que ;com relação aos fatos questionados, as circunstâncias estão sendo apuradas;, por meio de assessoria de imprensa.

Em nota oficial enviada ao Correio, o Comando da Polícia Militar de São Paulo negou ;a existência de uma operação conjunta na ocasião citada pela reportagem; e alegou desconhecer ;qualquer ação de inteligência que tenha sido realizada por outro órgão de segurança;. ;A instituição também não conhece o homem apontado pela reportagem como um suposto oficial das Forças Armadas. O Deic desconhece a existência de um oficial infiltrado e garante que todos os detidos apresentados no departamento foram qualificados no boletim de ocorrência;, prosseguiu.

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