Brasil

Correio passa uma tarde na tribo indígena que inspira a Chapecoense

Juiz de paz reclama da mudança do nome do estádio e da falta de interação do time com a vila. Pajés, pastores e padres intercedem pelas vítimas

Marcos Paulo Lima, Breno Fortes
postado em 05/12/2016 10:30
Família condá depois do almoço dominical na aldeia. Abaixo, Ana Lúcia e a piazinha Tifani; o pastor e chefe Miguel Salles; e Samuel Cândido, vice-cacique do grupo
Chapecó (SC) ; Sentado imóvel atrás da bancada do comércio de madeira na Aldeia Condá, o capitão da comunidade indígena da etnia caingangue (ou Kaingang), Miguel Fakrifá Salles observa a pequena Tifani Reis, de 1 ano e 6 meses, brincar num chão de terra batida e cascalho. Vestida com a camisa da Chapecoense, a piazinha caminha de lá pra cá, cambaleando nos primeiros passinhos de vida. Inerte, com o cotovelo em cima da Bíblia Sagrada, Salles saboreia um dindin. Sobremesa depois de almoçar uma linguicinha em uma churrasqueira improvisada. Juiz de paz da dissidência fiel aos costumes do Índio Condá ; mascote do clube catarinense e nome do estádio em que joga o time ;, começa a conversa cheio de ;flechas nas mãos;.

[SAIBAMAIS]Consternado com o acidente aéreo que matou 71 passageiro do voo da LaMia na Colômbia, usa uma camisa social verde, a cor da Chape. Mas há muito rancor no coração do índio de 54 anos, que, curiosamente, também é pastor da Igreja Pentecostal Fonte de Água Viva, a poucos metros da vendinha. A primeira flechada é na prefeitura de Chapecó e na diretoria da Chapecoense. ;O nome original daquele campo onde as vítimas foram veladas é Estádio Índio Condá. Fizeram uma reforma lá, tiraram Índio e, agora, é só Arena Condá. Tem uma estátua lá do índio, mas nós ficamos muito tristes com a alteração;, reclama.

Miguel Salles também reclama de a Aldeia Condá ser um vizinho tão perto e, ao mesmo tempo, tão longe da Chapecoense. O Centro de Treinamento do clube é bem próximo do vilarejo. ;Apesar da distância, eles nunca fizeram questão de vir até aqui nos visitar. Nunca trouxeram um jogador para conhecer a Aldeia Condá;, reclama. ;Alguns índios, de vez em quando, vão lá ver os treinos. Mas, tudo bem, eles estão usando nosso nome. Isso é bom;, pondera.

O capitão da Aldeia Condá soube do acidente na manhã de 29 de novembro. ;Foi muito triste. Eles eram distantes de nós, mas estavam fazendo a gente aparecer um pouco mais, o nome do Índio Condá ser reconhecido. Nós ficamos muito tristes;, afirmou, enquanto uma galinha passa em frente à vendinha arregimentando outra tropa: oito pintinhos.

No sábado, quatro índios foram até a Arena Condá prestar a última homenagem, mas Salles diz que o time não é a maior preocupação da comunidade. ;Vamos continuar torcendo pela Chapecoense, mas o nosso objetivo de vida é resistir, não sair do nosso lugar.;

Tradição
Espécie de guardião das leis da aldeia, Salles afirma que está ali para manter intactas as tradições do Índio Condá. ;Somos uma reserva de puro-índio. O que isso quer dizer? Índio que casa com índio fica aqui. Índio que casa com branco tem que sair. É por isso que temos dois grupos hoje;, define. O dialeto caingangue é outra tradição. Em alguns momentos da entrevista, eles abandonam o português para conversar entre si. Vera Lúcia Reis, mãe da pequena Tifani, por exemplo, chamou o vice-cacique, Samuel Renhko Farias Cândido, para dar entrevista no dialeto.

Cândido lembra que estava sem comer de tanta tristeza, mas aproveitou para soltar outra flechinha na Chape. ;Poderiam ter vindo aqui e chamar uma criança para participar do velório;, lamentou. Apesar da desfeita, ele crê na reconstrução do clube devido ao legado do Índio Condá. ;Ele é guerreiro, forte, a Chapecoense vai voltar;, aposta.

Saiba mais
Vitorino Condá era o cacique da tribo Kaigang. Diz a lenda que o líder lutou com o governo brasileiro para que seu povo tivesse direito à terra, pois os colonizadores que chegavam à região de Chapecó se apossavam dos espaços. A Aldeia Condá virou símbolo de resistência, mas também de paz e união entre os povos de Santa Catarina. Vitorino comandava três reservas indígenas e era respeitado por todas elas.

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