Brasil

R$ 100 bilhões dos investimentos em saúde em 2017 foram desperdiçados

Levantamento mostra que 20% dos R$ 500 bilhões gastos nos setores públicos e privados em 2017 foi à toa, com exames desnecessários, erros médicos, excesso de equipamentos e fraudes

Maiza Santos*
postado em 12/03/2018 06:00

Operação no DF contra a máfia das próteses: esquema indicava uso de aparelhos sem necessidade em troca de propinas a médicos

O sistema de saúde no Brasil vive um paradoxo. Enquanto milhões de brasileiros sofrem com a falta de médicos, leitos e medicamentos nos hospitais, o setor desperdiça uma quantia bilionária com procedimentos malfeitos, exames desnecessários, erros médicos e ambulatoriais, excesso de consumo de materiais e fraudes. Em 2017, essa conta chegou a R$ 100 bilhões, 20% dos R$ 500 bilhões gastos pelos setores público e privado. E, segundo dados da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), de 2% a 3% desses recursos foram desviados em esquemas de corrupção.


Os números consideram os gastos do setor público ; nas esferas federal, estadual e municipal ;, do setor privado e também aquilo que os brasileiros desembolsam com planos de saúde, clínicas particulares e remédios. Os dados são resultados de correlações de estudos feitos em universidades dos Estados Unidos e outras compilações de pesquisas do setor.

O presidente da Anahp, Francisco Balestrin, explica que a perda de recursos é classificada em três níveis: clínico, operacional e gestão. ;O desperdício clínico tem a ver com diagnósticos mal feitos, pacientes que não recebem tratamento correto, antibióticos inadequados e mais exames do que precisam. Os operacionais são oriundos de má gestão. Em vez de o exame ser feito na hora, atrasa quatro horas, com isso, desperdiça-se tempo. O centro cirúrgico precisa ser limpo e liberado para outro atendimento, esse tempo pode ser de 30 minutos ou 1h30. O de gestão diz respeito, principalmente, ao sistema de cobrança lento. O hospital leva entre 60 e 90 dias para receber e ainda usa papel, o sistema não é informatizado;, detalha.

A explicação para a quantidade de erros em procedimentos médicos está na má qualidade da formação dos profissionais, não apenas de saúde, mas de todos os envolvidos no processo, de acordo com Balestrin. ;A gente tem que formar melhor médicos, enfermeiras e gestores. A formação dos profissionais da saúde é focada no apoio ao diagnóstico, relega o atendimento individual e pede mais exames;, afirma. A má formação também é foco de questionamento no Ministério da Saúde, que, conforme antecipou o Correio ontem, pretende congelar a abertura de novas vagas em universidades de medicina para investir na qualidade.

Embora o desperdício passe a ideia de abundância, esse não é o caso. O Brasil gasta com saúde, por pessoa, anualmente, US$ 1 mil, sendo US$ 550 no setor privado e US$ 450 no público. Nos Estados Unidos, os desembolsos chegam a US$ 9 mil e, na Europa, a US$ 10 mil. A falta de um sistema interado e informatizado é responsável pela repetição dos exames. Os hospitais ainda utilizam papéis e isso dificulta o acesso ao histórico dos pacientes. Se uma pessoa faz um exame em Brasília e viaja a outro estado, caso precise de atendimento médico, um novo exame será solicitado.

Para o presidente da Federação Nacional dos Médicos, Jorge S. Darze, a falta de dinheiro produz um serviço ineficiente e incapaz de atender a população. ;O que vejo é uma carência grande de tudo. Um dos grandes problemas é o financiamento. É preciso estabelecer parâmetros de recursos. Os investimentos estão aquém da realidade. O sistema de saúde não acompanha o crescimento da população e das doenças. Ao contrário, houve encolhimento de mais de 20 mil leitos no Brasil na última década;, critica.

Informatização

Em nota, o Ministério da Saúde informa que tem priorizado a informatização do sistema e a economia estimada é de R$ 22 bilhões. ;Até o fim de 2018, as 41 mil Unidades Básicas de Saúde devem estar informatizadas ; hoje já são mais de 18,5 mil e com prontuário eletrônico do paciente. Com a iniciativa, todos os dados de atendimento do paciente, como prescrição de medicamentos, exames e consultas ficarão registrados nacionalmente e poderão ser consultados em qualquer unidade de saúde do país;, afirma em trecho do documento.

De acordo com a pasta, em 2017, a União destinou R$ 126,9 bilhões para a saúde. A gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) é compartilhada com estados e municípios, responsáveis pela execução dos serviços, por complementar o financiamento e pela organização da rede de assistência. Pela Constituição Federal, os estados e o Distrito Federal devem investir o mínimo de 12% da receita própria, enquanto os municípios devem aplicar, pelo menos, 15%. A lei, no entanto, nem sempre é seguida. O Rio de Janeiro, por exemplo, destinou apenas 10% do orçamento para a saúde em 2016. O governador Luiz Fernando Pezão justificou o descumprimento por causa da crise econômica que atinge o estado e da falta de repasses federais.

Recursos pelo ralo da corrupção

Um dos principais desperdícios da saúde é a quantidade de exames realizados e a campeã é a saúde suplementar, que envolve os planos de saúde. As taxas de utilização de tomografia computadorizada, 146,8 por mil beneficários, e de ressonância nuclear magnética (147,1) superam as médias de utilização dos países-membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que são 144,1 e 67 por mil beneficiários, respectivamente, segundo dados da Federação Nacional de Saúde Complementar (FenaSaúde).

Além de caros, esses procedimentos representam riscos para a saúde. A exposição à radiação da tomografia pode provocar câncer. ;Tratamentos mais caros são indicados quando um mais simples daria uma assistência melhor. Órteses e próteses são utilizadas excessivamente e o preço praticado é ;de acordo com o freguês;, por falta de regulação. É preciso transparência nos processos. A regulação assimétrica regula a ponta, os planos de saúde, mas não estende aos demais elos da cadeia, de médicos a fornecedores;, aponta o superintendente de regulação da FenaSaúde, Sandro Leal.

Existem ainda as fraudes como emissão de notas falsas, simulação de atendimentos e prescrição de tratamentos que são até mesmo contraindicados pelos conselhos profissionais, além da postergação de alta hospitalar para garantir o leito. ;A lógica econômica que persiste no setor é perversa, remunera o desperdício, o gasto desnecessário. A grande mudança tem que passar a remunerar a qualidade do serviço médico e não o volume;, completa Leal. Segundo ele, nos últimos 10 anos, a conta dos planos de saúde fechou no vermelho em seis.

O Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) estima que, em 2016, as fraudes custaram R$ 14 bilhões em contas hospitalares e R$ 11 bilhões em relação aos exames. O Ministério Público Federal e a Receita Federal estimam que um esquema de fraude em compras de próteses e equipamentos médicos pela Secretaria de Estado do Rio de Janeiro e pelo Instituto Nacional de Traumatologia (Into) provocou desvio de, ao menos, R$ 300 milhões. A estimativa, que se refere ao período de 2007 a 2016, envolve irregularidades em importações dos equipamentos e propina de 10% que incidia sobre os contratos. (MS)

Previna-se

Confira uma lista de perguntas que o paciente pode fazer ao médico antes de se submeter a um exame ou tratamento:

; Esse procedimento é realmente necessário?
; Quais são os benefícios, as contraindicações e os efeitos colaterais?
; Existem opções mais simples e seguras?
; O que acontece se não investigar ou se não tratar o problema?
; Quais são os custos envolvidos?
Fonte: FenaSaúde

Máfia das próteses

Três anos se passaram desde que a máfia das próteses veio à tona. O esquema, suspeito de movimentar cerca de R$ 12 bilhões em 2015, se disseminou pelo país. A prática consistia em colocar em pacientes órteses e próteses sem necessidade, muitas vencidas e superfaturadas, em troca de comissão a médicos. O esquema beneficiou dezenas de envolvidos, desviou dinheiro do SUS e encareceu planos de saúde. Nos últimos anos, mais de 40 pessoas foram detidas, sendo 13 só no Distrito Federal. Destas, sete eram médicos.

* Estagiária sob supervisão de Natália Lambert

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