Cidades

Jovens utilizam remédio para driblar o bafômetro

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postado em 02/10/2008 07:44
Correio conseguiu comprar, sem receita, uma caixa do remédio por R$ 32,53
Um comprimido recém-chegado às farmácias brasileiras virou moda entre os que, desde o início da lei seca, em junho, procuravam uma maneira de continuar bebendo sem a ameaça de cair nas garras do bafômetro. O Metadoxil, derivado da vitamina B6, foi criado para ajudar pessoas em tratamento contra o alcoolismo crônico ou agudo. Jovens de Brasília e de várias capitais brasileiras, no entanto, estão usando a droga para assumir o volante depois de ;baladas; regadas a cerveja, vodca e uísque. A idéia, garantem especialistas, não é recomendável. A automedicação pode significar riscos à saúde e não há garantia alguma de que o remédio seja capaz de suspender a embriaguez a ponto de livrar o motorista do bafômetro. O medicamento possui tarja vermelha e, portanto, deveria ser vendido apenas sob prescrição médica. Só que a regra não é seguida à risca. A reportagem do Correio conseguiu comprar, sem receita, uma caixa do remédio na primeira farmácia em que entrou. Com o desconto, os 30 comprimidos saíram por R$ 32,53. Um balconista na comercial das quadras 102/302 Sul, conhecida como Rua das Farmácias, chegou a fazer propaganda: ;Dizem que em meia hora zera o efeito do álcool.; As pílulas também estão à venda na internet, em até três vezes sem juros. Em blogs, virou tema de discussão. ;Se funcionar, vai deixar muito dono de farmácia rico;, previu um internauta. Um estudante de 23 anos, que preferiu não se identificar, conta que conheceu o remédio por indicação de um médico. ;Ele me disse que era um antibafômetro, que cortava o efeito do álcool em 45 minutos;, relatou o jovem. Segundo ele, a primeira vez que tomou não percebeu mudança. Na segunda, o remédio teria impedido que ficasse embriagado. ;Tomei antes de ir a uma festa. Mesmo depois de beber muito, não fiquei alterado;, citou. A euforia do jovem não condiz com a realidade, segundo especialistas ouvidos pelo Correio. ;O remédio só acelera mecanismos metabólicos da degradação do álcool, mas não é mágico. Achar que vai ficar sóbrio é ridículo;, comentou o professor da Universidade de Brasília (UnB) e gerente de risco sanitário do Hospital Universitário de Brasília (HUB), Carlos César Schleicher. O medicamento, comercializado em países da Europa e Ásia, começou a ser vendido no Brasil em agosto e é pouco conhecido entre a classe médica. O laboratório Baldacci, responsável pela comercialização, estima que 3 mil caixas já foram vendidas no Brasil. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) credenciou o remédio em setembro de 2007. A droga, de acordo com a avaliação da Anvisa, oferece aos usuários mais benefícios que malefícios. Por isso, recebeu o aval para ser comercializada. O farmacêutico Rogério Hoefler, do Centro Brasileiro de Informação sobre Medicamentos, uma seção do Conselho Federal de Farmácia (CFF), é cauteloso ao falar do novo medicamento. ;Ainda estou com um pé atrás. A própria bula não é clara;, comentou Hoefler, que pediu mais informações ao laboratório, cuja matriz fica em São Paulo. ;Mas é claro que um médico em sã consciência não prescreveria o remédio para esse fim (beber e depois dirigir);, completou. Um grande risco Os médicos têm receitado o derivado da vitamina B6, substância já presente no organismo humano, para pacientes ainda dependentes do álcool ou para quem já parou de beber e está em fase de desintoxicação. Ao acelerar a eliminação do álcool, a droga ajuda a recuperar as funções do fígado. Recomenda-se de um a quatro comprimidos por dia, a depender do paciente. O tratamento dura de um a três meses. ;O Metadoxil é para ser usado dentro desse contexto. Usá-lo para dirigir sossegado não é eficaz. Até porque o usuário nunca terá certeza de que eliminou todo o álcool do corpo;, ressaltou a psiquiatra e professora da Universidade de São Paulo (USP) Camila Magalhães, coordenadora do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa). ;Correr o risco de usá-lo sem prescrição é colocar a saúde em risco;, reforçou o psiquiatra Augusto César Marques, do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) da Secretaria de Saúde do DF. ;Não é aconselhável de maneira alguma usá-lo sem orientação;, emendou o toxicologista Otávio Brasil, diretor do Centro de Atendimento Toxicológico de Brasília, que já se manifestou contrário à lei seca. O diretor do laboratório Baldacci, Ronaldo Abud, afirmou que a droga é destinada ao tratamento de alcoolismo. Mas não mostrou-se preocupado com o uso sem a orientação médica. ;Não é de todo ruim. Ele está tentando ficar sóbrio. Melhor do que dirigir embriagado;, justificou. ;Mas ele (o medicamento) não engana bafômetro nenhum;, completou. Problema no Sul O Conselho Regional de Farmárcia (CRF) do Rio Grande do Sul notificou ontem uma farmácia, em Porto Alegre, que fazia propaganda do Metadoxil. Um cartaz afixado no estabelecimento incentivava clientes a comprar o remédio para driblar o bafômetro. O CRF notificou a farmácia sob a alegação de propaganda enganosa e de falta ética do profissional farmacêutico. O caso será analisado pela Vigilância Sanitária da capital gaúcha.

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