Cidades

Niemeyer assume a defesa do seu projeto

Arquiteto entra na polêmica e prepara dossiê para lutar pela construção da Praça da Soberania, na Esplanada dos Ministérios

postado em 28/01/2009 08:19
O arquiteto Oscar Niemeyer resolveu lutar pela construção da Praça da Soberania no gramado da Esplanada dos Ministérios. Contra todas as opiniões de que o local, por lei, deve permanecer intocado, Niemeyer está montando um dossiê, com artigos e pareceres favoráveis à construção, e pretende advogar até o fim para que o obelisco inclinado de 100m saia do papel. ;Não abro mão!”, afirma ele, sobre o seu projeto, entregue ao governo no último dia 9, no Rio de Janeiro. Enquanto isso, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), os brasilienses que continuam votando na enquete no site do Correio, autoridades e até o representante de Niemeyer no Distrito Federal se mostram contrários ao projeto. E, pela primeira vez, o GDF admite discutir melhor a ideia antes de executá-la. Niemeyer, 101 anos, se prepara para uma luta difícil pela sua mais nova criação, mas não está solitário. Para o arquiteto Cláudio Queiroz, do departamento de Projetos, Expressão e Representação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB), por exemplo, o projeto não fere o plano urbanístico criado por Lucio Costa nem impede a visualização da Esplanada à partir da Rodoviária. ;As pessoas têm criticado sem entender do que estão falando. Ninguém percebeu ainda a delicadeza dessa obra;, defende ele, um estudioso da criação de Niemeyer. ;A ideia de não se construir nada nesse gramado tem como objetivo permitir a perfeita visualização do Congresso, a partir da plataforma superior da Rodoviária. E a praça não influenciaria nisso, mas engrandeceria a paisagem;, defende ele. Para Queiroz, o fato de a construção apontar para o lado oposto do observador (que está na plataforma) faz com que as duas torres do Congresso continuem sendo o destino do olhar. ;Na perspectiva, o obelisco vai parecer até mais baixo do que o Congresso. É um truque arquitetônico, um toque só alcançado por gênios como o Oscar;, afirma o arquiteto, que destaca ainda o fato de Brasília não ter um obelisco, monumento presente em tantas cidades históricas. ;Talvez ele (Niemeyer) tenha ficado 50 anos pensando em como colocar um em Brasília;, conclui. As leis que tratam do tombamento de Brasília como patrimônio, em princípio, vetam a construção de obras acima do nível do solo no gramado que liga a Rodoviária ao Congresso. Há, no entanto, uma brecha para Oscar Niemeyer, na opinião de Queiroz. ;Ele, como criador da cidade, tem o direito de completar sua obra, segundo a Portaria nº 314/92 do Iphan;, comenta, referindo-se ao trecho do documento que diz: ;Excepcionalmente (...) serão permitidas, quando aprovadas pelas instâncias legalmente competentes, as propostas para novas edificações encaminhadas pelos autores de Brasília ; Lucio Costa e Oscar Niemeyer ; como complementações necessárias ao Plano Piloto original;. Portaria Para o superintendente do próprio órgão no DF, Alfredo Gastal, no entanto, a portaria não permite a construção da praça. ;O texto diz que os autores podem complementar a cidade, que foi o que Niemeyer fez com o Museu e a Biblioteca Nacional, já previstos, não que podem alterá-la;, defende ele. ;A nossa portaria diz que essa não é uma área edificante e o DF também tem um decreto, o 10.829, de 1987, assinado por José Aparecido, um governador simbólico para o tombamento, que tem o texto praticamente igual ao do Iphan, deixando o gramado livre;, afirma Gastal, que prefere esperar que o GDF, autor da ideia, pense melhor. ;O governador Arruda teria que derrubar o importante decreto do Aparecido e não sei se ele estará disposto a isso. Vou esperar pelo bom senso;, conclui ele, que não se opõe à construção do monumento em outro local. Niemeyer pensa diferente. Ele vai apelar ao GDF e pretende juntar argumentos que lhe deem o direito de mexer mais uma vez em sua maior obra. ;Sou obrigado a defender meu trabalho. E vou defender. Eu me sinto muito apoiado pelos meus amigos, de modo que vou continuar. Estou numa trincheira e não abro mão. Sou um arquiteto, com um trabalho feito;, disse ele, ontem, no Rio de Janeiro, à Agência Estado. E dá uma alfinetada no Iphan. ;Se o instituto levasse em conta o que eu fiz pelo mundo iria sentir que estou fazendo conhecida a nossa arquitetura.; A polêmica que se formou é considerada positiva pelo governador José Roberto Arruda, que encomendou o projeto a Niemeyer para servir de Memorial dos ex-Presidentes e museu para a exposição do progresso do país. ;São polêmicas como essa que fazem com que a cidade fique intelectualmente viva. Eu tô achando ótima;, disse Arruda, ontem, durante entrega de tomógrafo no Hospital Regional de Taguatinga (HRT). O Ministério Público Federal no DF vai investigar a legalidade do projeto. Companheiro de trabalho vai contra a obra Em Brasília, Oscar Niemeyer não conseguiu o apoio nem do representante de seu escritório no Distrito Federal, Carlos Magalhães. ;Sei que o Oscar vai ficar muito bravo comigo por dizer que sou contra, mas ele é meu amigo e vai entender;, desculpa-se ele antes de aconselhar o arquiteto a desistir de sua obsessão. ;O Oscar é muito grande para se submeter a essa bobagem. Ele tem que compreender que Brasília não é mais dele e está se defendendo sozinha. Essa enquete promovida pelo Correio é uma prova disso. Esses 70% que são contra não estão criticando o arquiteto ; as pessoas gostam daquele velhinho ; estão criticando esse projeto;, afirma, referindo-se à consulta que está sendo feita no site do jornal. A enquete já recebeu votos de 3.324 internautas e, no fechamento desta edição, exibia o resultado de 74,37% dizendo ;não; à construção da Praça da Soberania na Esplanada. Outros contemporâneos de Niemeyer da época da construção de Brasília, como os pioneiros que formam o Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (IHG-DF) ; entre eles Ernesto Silva, um dos primeiros diretores da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) ; também discordam do arquiteto. O presidente da entidade, Affonso Heliodoro dos Santos, esteve ontem no Correio para entregar uma carta, assinada por ele e por Ernesto, na qual o IHG se posiciona contra o projeto da praça, com base na portaria do Iphan, no plano urbanístico de Lucio Costa e até mesmo na necessidade de se manter a maior cobertura vegetal possível no combate às mudanças climáticas. ;Não temos nada contra a obra de Oscar, que é nada menos do que genial, monumental e reconhecida no mundo inteiro, mas ao local que o governador Arruda quer construir essa praça;, rogou Santos, que busca eximir Niemeyer da escolha da localização. ;Quando você contrata um arquiteto para construir uma casa, não pergunta a ele onde será construída, você já tem o terreno;, justifica. ;Aquele gramado representa o ideal urbanístico do Lucio e descaracterizá-lo coloca em risco o tombamento como um todo. Queremos proteger Brasília;, conclui ele.

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