Cidades

Uma santa incomoda quatro evangélicos

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postado em 06/03/2009 09:31
Quatro evangélicos moradores de Ceilândia brigam na Justiça para tentar embolsar R$ 2 milhões do Governo do Distrito Federal. Eles questionam uma lei distrital que instituiu Nossa Senhora da Glória como padroeira da cidade, alegam que foram discriminados e pedem indenização de R$ 500 mil para cada um por danos morais. Na última quarta-feira, o juiz Antônio Fernandes da Luz, da 1ª Vara de Fazenda Pública do DF, negou o pedido e condenou o grupo a pagar R$ 8 mil pelos custos do processo. Mas ainda cabe recurso da decisão e os evangélicos prometem recorrer até a última instância para serem indenizados. O grupo de evangélicos é formado por Eurípedes José de Farias, Ivo Dionísio da Cruz, Francisco de Assis Monteiro da Silva e José Vieira da Silva. Advogado, Farias representa os colegas na ação. Ele também é presidente do Partido Progressista Cristão (PPC) e autor de outras ações semelhantes (veja Para saber mais). Para ele, a lei dá uma ordem ao cidadão e impõe a cultura de uma religião a todos os ceilandenses. ;Colocam uma estátua para ser nossa padroeira e agem como se os evangélicos não existissem. Não podemos aceitar uma imposição dessas nos dias de hoje;, disse. ;A ação não é contra a Igreja nem contra nenhuma religião. É contra o Estado, que sancionou a lei;, ressaltou. A Lei Distrital nº 2.908 foi promulgada em 5 de fevereiro de 2002 pelo então governador Joaquim Roriz. O projeto é de autoria do deputado Paulo Tadeu (PT) e, além de definir Nossa Senhora da Glória como padroeira de Ceilândia, estabeleceu santos católicos como protetores de outras 17 cidades do DF. A norma também determina que, nas datas reservadas para homenagear os santos, será ponto facultativo em cada lugar consagrado. Apesar de ter negado a indenização, o juiz considerou a legislação inconstitucional. ;A atribuição de santos padroeiros a determinados locais é ferir de morte a característica laica das manifestações estatais;, declarou Antônio Fernandes da Luz. Mesmo assim, o juiz afirmou que ;não houve embaraço à liberdade nem qualquer situação constrangedora a revelar violação à honra;. Paulo Tadeu foi procurado pelo Correio, mas não retornou as ligações. Respeito Representantes da Igreja Católica e dos evangélicos condenaram a iniciativa do grupo. O pároco da Catedral, monsenhor Marcony Vinícius Ferreira, que também é vigário geral da Arquidiocese de Brasília, lembrou que em todo o DF há apenas uma paróquia de Nossa Senhora da Glória, que fica em Ceilândia. Segundo ele, ela foi fundada em 1980 e se tornou a primeira igreja da cidade. ;A lei não obriga todos os moradores de Ceilândia venerarem Nossa Senhora. Eles deveriam ter questionado a lei na época em que ela foi discutida. É fácil brigar depois que ela foi aprovada, até com fins lucrativos. Vejo outras intenções nessa ação;, afirmou. Os presidentes dos conselhos evangélicos têm opinião parecida. O pastor Vilarindo Lima, presidente da Igreja Batista Central de Brasília e presidente de honra do Conselho de Igrejas e Pastores Evangélicos (Cipe) e do Conselho de Pastores Evangélicos do DF (Copev), não concorda com o pedido de indenização. ;O juiz está certo em negar o pedido solicitado. Nós somos livres para escolher a quem servir. Não somos obrigados a adorar os santos católicos. É preciso ter respeito por todas as religiões;, declarou. O pastor Josimar Francisco da Silva, presidente do Copev, ressaltou que os quatro evangélicos são um grupo isolado que não representa os demais fiéis do DF. Ele contou que os pastores do conselho ainda vão se reunir para analisar a lei, mas adiantou que não vê discriminação na norma em relação aos evangélicos. ;O Estado é laico, mas o país também é livre e cada um tem o direito de seguir a religião que quiser. A lei não força os evangélicos a cultuarem Nossa Senhora.; Outras ações em curso Não é a primeira vez que evangélicos criticam o fato de cidades brasileiras serem consagradas a padroeiros católicos. Pelo menos sete ações civis semelhantes tramitam nas varas da Justiça Federal em seis estados. A maioria delas refere-se ao feriado nacional em homenagem a Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. No Pará, um grupo da Igreja Universal do Reino de Deus questiona o Círio de Nazaré, festividade católica comemorada em Belém, com duração de 15 dias em outubro. Em uma segunda-feira do mês, uma procissão reconduz a imagem de Nossa Senhora de Nazaré, padroeira da Amazônia, a um templo católico. A celebração atrai centenas de milhares de visitantes. Um dos autores da ação do DF, Eurípedes José de Farias também lidera outro grupo de cinco evangélicos que pediu indenização de R$ 4 milhões à União por conta da Lei Federal nº 8.802/80, que instituiu o dia de Nossa Senhora Aparecida. Os evangélicos sustentam que se sentem humilhados e alegam que uma santa católica não pode ser padroeira de um país em que a presença de evangélicos é muito forte. A ação tramitava, inicialmente, na 5ª Vara da Justiça Federal em Brasília, mas o juiz arquivou o processo. Os reclamantes recorreram, e a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região (Brasília) determinou a reabertura da ação em 2005. Até hoje, porém, não há a decisão definitiva sobre o processo. (GR)

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