Cidades

Militar constrói toca para corujas no Cruzeiro

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postado em 04/04/2009 08:39
Algumas vezes, a coruja-buraqueira fica em cima das telhas da tocaO pedido da filha mais nova soou como uma ordem: ;Tadinhas, pai. Faz uma casa para elas%u2026;. Como negar? Sem pensar duas vezes, lá se foi o sargento da Marinha Josimar Gomes de Freitas obedecer. Era uma manhã de domingo. Na noite anterior, chovera forte. Josimar também estava sensibilizado com elas, as corujas que invadiram um buraco de rato para viver às margens da pista entre o Cruzeiro Novo e o Setor Residencial Interno 2 do Hospital das Forças Armadas (HFA). Catou alguns pedaços de madeira, cinco telhas e inaugurou a Toca da Coruja. Quem passa pelo local, de carro ou a pé, acha a cena, no mínimo, pitoresca. Sempre desconfiado, o par de corujas faz a guarda do espaço dia e noite. Às vezes, as aves ficam em cima das telhas, outras embaixo delas. Ou então voam até o alto da cerca que separa a área militar do gramado e, de lá, ficam a observar o movimento. A comunidade acredita que seja um casal. E não tem dúvidas de que a casinha construída servirá de lar para a futura família. Quem arrisca chegar perto do território das aves não encontra, por enquanto, outros sinais de vida dentro do buraco: não há filhotes nem ovos à vista. A ideia do Zé da Toca, como passou a ser chamado pelos colegas, virou atração. Tem gente parando para tirar foto com as corujas ao fundo. As filhas do criador ; Jowana, 12 anos, e Joyce, 14 ; foram as primeiras a registrar a Toca da Coruja. ;Daqui a pouco, vou começar a cobrar;, brinca o pai, 39, que planeja criar uma estrutura mais firme para evitar que a água da chuva inunde o buraco. Ele também quer melhorar o visual da placa que identifica o lugar. A que está lá foi feita às pressas, com um pedaço de madeira e um pouco de tinta preta que encontrou nos fundos do HFA. ;Agora, se algum empresário quiser fazer uma coisa de mármore, não vai ser ruim, não;, sugere. Do pedido de uma criança nasceu um gesto concreto em defesa das corujas. A alegria das filhas incentiva o pai a levar a coisa a sério. Josimar diz que a casinha evitará que os ;tratores da limpeza; passem por cima do buraco e, assim, destruam o lar dos animais de grandes olhos. ;Fiz isso para sensibilizar as pessoas. Essas corujas viraram nosso patrimônio, somos todos responsáveis por elas;, comenta. ;Quero que meus bisnetos conheçam as corujas;, completa ele, ao contar, indignado, que algumas pessoas jogam pedras nas coitadas das aves. Inspiração fluminense Para montar a Toca da Coruja próximo ao HFA, Josimar se inspirou na que há 12 anos existe na base da Marinha em Niterói (RJ), de onde ele foi transferido em fevereiro deste ano. Lá, o ninho fica bem perto do campo de futebol dos militares. Quando as corujas estão alvoroçadas, não tem jogo. Por aqui, Josimar garante que não é preciso ter medo das aves, apesar de, ultimamente, o suposto casal andar meio enciumado com o buraco. ;Mas elas são amigas. É só se aproximar com jeitinho;, orienta Josimar, que trabalha na caldeira de vapor que abastece todos os setores do hospital. a comunidade acredita que os dois espécimes que vivem ali são um casalQuem anda na calçada pertinho da toca é acompanhado pelo olhar atento das duas corujas, que ainda não ganharam nomes. ;São lindas, não são?;, pergunta a estudante e operadora de telemarketing, Liliana Monteiro, 24. Ela passa todos os dias pelo local. Já viu as aves dando rasantes, mas não tem medo delas. O aposentado Jorge Bouças, 74, também não. Para comprovar a coragem, foi até o buraco das corujas. ;Isso aí faz um bem danado pra gente. Elas pegam esses insetos, ratinhos, tudo;, afirma o simpático senhor que mora no Cruzeiro Novo. Mas e se elas atacarem as pessoas? ;Que mãe não defende seus filhos?;, rebate. Não é todo mundo que confia nas corujas. Alguns pedestres atravessam a rua e não se importam de andar um pouco mais para vê-las só de longe. O estudante Renato Radicchi, 17, não mudou o caminho. Ele jura não ter medo, mas conta que um amigo já foi atacado. ;Parece que ele pisou em um ovo, alguma coisa assim, aí a coruja deu um rasante atrás dele. Mas ele conseguiu correr pra debaixo de um prédio;, relata o estudante, antes de destacar que o Cruzeiro e o Sudoeste são cheios de corujas. Porém, em nenhum outro lugar há um ambiente construído para elas. O vendedor Moisés Santana, 25 anos, está sempre por ali. Já tinha visto as corujas outras vezes, mas ficou surpreso ao se deparar com a casinha de madeira. ;Ficou massa! É bom que as proteje da chuva;, comenta. ;Mas esperto mesmo é o João-de-Barro, que faz a própria a casa;, observa. Cleonice Ribeiro, 40, funcionária de um supermercado que fica perto da Toca da Coruja, passou apressada, mas disse que não tinha nada contra as aves: ;Alguns dizem que ela é uma ave meio agourenta, mas as bichinhas não fazem mal a ninguém, estão ali de boa;. De boa e de casa nova. Para saber mais Tímidas e comuns nas cidades As corujas são animais populares no mundo todo. Chamam a atenção por preferirem, quase sempre, a calmaria e a escuridão da noite. Consideradas em vários países símbolos da sabedoria, no Brasil, muitas pessoas acreditam que elas trazem azar e mau agouro. Carnívoras, alimentam-se de lagartos, caracóis, insetos e outros animais pequenos e até nocivos, como os ratos, contribuindo para o equilíbrio ecológico. Apesar de a maioria das espécies brasileiras gostar de sair à noite, existem corujas diurnas. É o caso das que agora possuem uma toca perto do HFA: as corujas-buraqueiras (Speotyto cunicularia), muito comuns nas cidades. Elas ganharam a alcunha porque fazem buracos no solo, que podem chegar a um 1,5m de profundidade, onde fazem o ninho e dormem. O macho é ligeiramente maior que a fêmea. Esta põe de sete a nove ovos, cuja incubação varia de 28 a 30 dias. Os filhotes demoram a voar. Geralmente, saem do ninho após 45 dias. Essa espécie, em média, tem 25cm e pesa 150g. As corujas têm grandes olhos posicionados para frente (ao contrário dos outros pássaros, que têm os olhos dos lados da cabeça), ouvidos desenvolvidos (mais aguçados que os das outras aves), e plumagem macia. De temperamento tímido, quietas e discretas, são, em geral, mansas, mas costumam atacar quando sentem que o ninho está ameaçado.

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