Cidades

Parque ganha casa lunar

Criada por arquiteto iraniano e premiada pela Nasa, tecnologia para edificar bases na lua é experimentada em unidade de conservação na 614 Sul

postado em 12/10/2009 08:57
É uma construção muito engraçada. Não tem tijolos, concreto, colunas, ferro e quase nada de cimento ou areia. Um contraste evidente que chama a atenção. De um lado da L2 Sul, estão os tradicionais prédios residenciais de linhas retas. Mas basta atravessar a pista para assistir ao nascimento de uma edificação que em nada lembra os canteiros de obra da cidade. As paredes, ainda expostas, parecem trincheiras de filmes de guerra. Porém, têm a cor da paz. São espessas, com cerca de 40cm, e podem ser assentadas em formas circulares. O material básico para a empreitada tem apenas dois elementos: sacos de polipropileno e terra. A novidade está sendo executada no Parque da Asa Sul, uma área de 22 hectares na Quadra 614. Trata-se de uma técnica de construção denominada superadobe (1). Por enquanto, a construção de 80 metros quadrados tem caráter experimental, resultado do trabalho de capacitação realizado com a comunidade local, que terá como produto final o plano de manejo da unidade de conservação. Provavelmente, a obra será aproveitada como futura sede administrativa da área de preservação. O experimento é orientado pelo engenheiro florestal Cláudio Jacintho. De aparência bichogrilesca, o jovem de 31 anos - pai de dois filhos - esconde uma catedrática sabedoria sob a barba comprida e os longos cabelos dreadlocks. O moço é mestre em desenvolvimento sustentável, professor da disciplina Introdução à Permacultura (2) na UnB e membro fundador do Ipoema, uma organização civil que abraçou (3) o Parque da Asa Sul. "Esse é o modelo de construção do futuro. As matérias-primas convencionais tendem ao esgotamento. Já o principal insumo do superadobe está amplamente disponível e a baixo custo. Além disso, o impacto ambiental com essa metodologia é positivo, enquanto a cadeia produtiva do atual padrão da construção civil está entre as atividades que mais degradam o planeta", diz Cláudio Jacintho. 1 - Criação iraquiana O superadobe ganhou popularidade na década de 1980, quando o arquiteto iraniano Nader Khalili venceu um concurso oferecido pela Nasa, a agência espacial norte-americana. O desafio consistia em desenvolver uma técnica de construção que fosse viável para erguer uma base na lua. O superadobe foi escolhido pelo fato de não haver necessidade do transporte de materiais até o local, pois se usaria o próprio solo lunar. Também não seria preciso telhas e vigas, pois a metodologia permite a edificação de cúpulas, simplificando a obra. 2 - Ecologia na prática Permacultura é uma metodologia de planejamento para a integração de plantas, animais, construções e pessoas em um ambiente produtivo, sustentável, socialmente justo e financeiramente viável. Foi criada pelos ecologistas australianos Bill Mollison e David Holmgren na década de 1970. O termo vem de permanent agriculture e mais tarde se estendeu para significar permanent culture. O método é sustentado em três princípios fundamentais: cuidado com a Terra, cuidado com as pessoas e repartição dos excedentes. 3 - Abrace um parque Programa criado pelo GDF por meio do qual agentes privados ou civis podem ajudar na manutenção dos parques da cidade. Vândalos atacam obras O Parque da Asa Sul foi criado pelo Decreto Distrital nº 24.036, de 10 de setembro de 2003, com o objetivo principal de preservar as nascentes e a vegetação do local. Apesar dos seis anos de existência oficial, poucas benfeitorias foram realizadas na área até hoje - que muda a partir de agora, com o apoio do Ipoema. Além das construções ecológicas, o instituto será responsável pelo paisagismo produtivo da reserva. Porém, a falta de fiscalização tem atrapalhado o trabalho do grupo. Há alguns dias, materiais de construção foram furtados e parte das paredes derrubadas durante a noite. Fiscais do GDF alegam que é impossível trabalhar no local, devido à falta de uma estrutura de apoio para abrigar o pessoal. Gustavo Souto Maior, presidente do Instituto Brasília Ambiental (Ibram) - órgão responsável pela gestão do parque - , disse que já solicitou a realização de policiamento ostensivo na área. Mas é raro ver uma patrulha da PM na unidade de conservação, que também tem sofrido com o furto de cercas, ocupações irregulares, erosões e assoreamento das nascentes. Bioconstrução é mais barata Além do superadobe, existem várias outras formas de se construir com materiais naturais. A esse grupo de metodologias, deu-se o nome de bioconstrução. No caso da técnica inventada pelo iraniano Nader Khalili, há uma considerável vantagem econômica. Enquanto o Custo Unitário Básico (CUB) do DF está orçado(1) em R$ 746,88, o metro quadrado com o meio alternativo sai por R$ 462,50. Há uma tendência de valorização das construções naturais, à medida que os bioconstrutores aprimoram as técnicas aplicadas e oferecem produtos considerados artísticos e funcionais(2), com edificações não poluentes e duráveis, que captam água da chuva, provêm a própria energia e oferecem conforto térmico. Lucas Santana, também do Ipoema e graduado em ciências políticas, deixou a área em que se formou para se dedicar ao trabalho com bambus. "É uma forma de trabalhar e habitar o mundo com responsabilidade. A obra no Parque da Asa Sul, a primeira do tipo em uma área pública da cidade, representa um marco e uma quebra de paradigma na história do DF", filosofa. 1 - Preço da obra O CUB é unidade padrão que informa mensalmente o custo do metro quadrado de uma obra. É calculado com base na evolução dos preços de 25 materiais de construção, salários de três categorias de mão de obra (pedreiro, servente e engenheiro) e um equipamento (aluguel de betoneira). 2 - Durável e uso diverso O superadobe vem sendo aplicado há mais de vinte anos na Califórnia e já foi comprovado como seguro até mesmo em terremotos, muito comuns naquela região do planeta. A técnica foi introduzida no Brasil pelo Ecocentro Ipec, que dispõe da maior construção deste tipo na América Latina - uma cozinha industrial, em Pirenópolis-GO.

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