Cidades

Inquérito falho, sentença errada

Renato Alves
postado em 13/11/2009 09:22
Ausência de perícia. Laudos inconclusivos. Provas nunca encontradas. Depoimentos de testemunhas de defesa ignorados. Depoimentos de acusadores contraditórios. Tortura do réu. Falta de confissão. Em meio a esse cenário, o verdureiro Aldo José Silva Rodrigues acabou condenado a 20 anos de cadeia por um latrocínio (roubo com morte). Passou 14 meses num presídio, onde havia entrado com a saúde perfeita. Saiu desnutrido, surdo e com o intestino inválido. O drama do rapaz, hoje com 28 anos, é maior que o revelado ontem pelo Correio. Maiores também são os erros e as arbitrariedades cometidos, segundo desembargadores do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).

Aldo José: O crime ocorreu por volta das 23h de 26 de agosto de 2003, em uma chácara do Núcleo Rural Taquara, em Planaltina, onde Aldo mora. As únicas testemunhas seriam o caseiro do terreno e o filho dele. Ambos contaram, em depoimento, terem visto três homens ; dois deles encapuzados ; chegar num carro não identificado e entrar na propriedade armados. Disseram ter fechado a porta da casa e ouvido 15 tiros. Escutaram o veículo partir e um grito do dono da chácara, um aposentado de 76 anos. O ex-servidor do Senado estava só na residência, baleado, a uns 50m da casa do caseiro.

[SAIBAMAIS]O trio teria levado uma TV 29 polegadas, um aparelho de som com capacidade para três CDs, uma rede de descanso, um aparelho de telefone celular e um macaco hidráulico. O caseiro contou ter ouvido, da boca da vítima, que um dos assassinos era Aldo. O homem morreu sem falar com a polícia. Aldo foi preso por dois policiais militares pouco após a meia-noite, com a Kombi carregada de verduras. Os PMs não encontraram os supostos objetos roubados no veículo nem na casa do acusado ou dos parentes dele. Aldo ganhava a vida comprando a produção de vizinhos à noite para revendê-la na Ceasa.

Oito testemunhas de defesa, incluindo outros dois PMs, afirmaram em depoimento na Justiça ter encontrado ou visto Aldo trabalhando entre as 22h30 e as 24h da noite do crime. Na decisão que resultou na absolvição dele e no arquivamento do processo, o desembargador Edson Alfredo Smaniotto afirmou terem sido ;ignorados; os relatos dessas pessoas. O magistrado também destacou o fato de a perícia não ter encontrado marcas dos pneus da Kombi de Aldo no cenário do crime.

O desembargador chamou a atenção ainda para as contradições entre os depoimentos da acusação. ;A esposa do caseiro também estava no carro em que socorreram a vítima e, segundo afirmou, não ouviu esta falar nada durante o trajeto; Mas, assim como o marido, a mulher disse em depoimento que não conhecia Aldo, só o havia visto uma vez, mas que ele tinha furtado a chácara do patrão ;várias vezes; e a polícia recuperara todos os objetos levados, como TV, som e bebidas. ;Ora, nada disso se apurou como verdadeiro. Aldo nunca foi preso por furto ou tentativa;, comentou.

Quanto à afirmação de que os caseiros não conheciam o acusado, o desembargador lembrou de uma ação trabalhista movida por Aldo contra o dono da chácara. Aldo, que havia trabalhado na propriedade por seis anos, segundo o processo, ganhou a causa, mas nunca recebeu pelos serviços. Para o magistrado, causou estranheza o fato de a polícia não ter feito exame nas mãos de Aldo. Elas deveriam conter vestígios de pólvora se o rapaz tivesse disparado uma das armas no latrocínio.

Indenização
Smaniotto destacou que todas as testemunhas e álibis apresentados por um advogado contratado por familiares do acusado nunca foram levados em consideração pelo juiz responsável pelo caso. Diante desse quadro, o desembargador convenceu outros dois colegas da Primeira Turma Criminal do TJDFT que o réu tinha de ser solto imediatamente e absolvido das acusações, o que ocorreu em 25 de agosto de 2005. Desde então, com a ajuda da Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara dos Deputados, Aldo e seus pais tentam ser ressarcidos de todos os prejuízos. A CDH entrou com pedido de indenização de R$ 200 mil e garantia de tratamento gratuito e contínuo a Aldo.

;No dia que fui preso, os policiais civis me deram socos no estômago, tapões no ouvido e até quebraram um cabo de vassoura nas minhas costas. Queriam que eu confessasse de qualquer forma. Depois disso, na cadeia, comecei a não ouvir direito nem a fazer xixi e defecar. Não conseguia dormir. Acho que por isso fiquei assim;, observa o rapaz.

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