Cidades

Quando o maior presente é ser Papai Noel

Uma mulher e cinco homens relatam a emoção de encarnar o bom velhinho. Das crianças, ouvem pedidos de brinquedos, solidariedade, saúde e esperança

Naira Trindade
postado em 25/12/2009 08:42
Toca o sino das igrejas e as luzes se acendem. A alegria e o clima de solidariedade invadem os lares. É o Natal que chegou para celebração do nascimento do menino Jesus. Pelas cidades, as cores enfeitam shoppings, ruas, avenidas e casas. Nada passa despercebido. Desde a noite de ontem, as crianças esperam o bom velhinho descer pela chaminé, colocar o presente no sapatinho ou embaixo da árvore. É um ritual que se repete a cada Natal. Durante o ano, prometem se comportar em casa e na escola para ganhar a tão sonhada boneca, o carrinho ou a bicicleta. Mas, e quando uma criança pede um rim novo ou a reconciliação dos pais. O que o Papai Noel pode fazer?

Na edição de hoje, o Correio conta a história de seis papais noéis para lá de especiais, que todos os anos se emocionam com a inocência da garotada. Eles estão espalhados por shoppings, fazem serviço voluntário em hospitais e vêm de longe para ver o sorriso no rosto de cada criança. Alguns preservam a barba longa só para dar mais realismo ao personagem. Tem Papai Noel de todo jeito: gordo, magro, alto e baixo. De quebra, uma Mamãe Noel iniciante e um adolescente de 14 anos fazem graça por onde passam. A história de quem leva esperança também é marcada pelo sofrimento na infância como a do mineiro Fernando Chagas, pelo sonho da casa própria de Francisco ou pelo desejo de Lavínia em adotar uma criança. Confira as histórias daqueles que transformam o Natal em um dia especial para muita gente:

O sonho da Mamãe Noel
Quem disse que só Papai Noel consegue encantar a criançada? Como Mamãe Noel, Lavínia Corrêa, de 65 anos, é a prova de
que isso não passa de mito. Ela é tão abraçada quanto o bom velhinho e também recebe inúmeras cartinhas de Natal. Esta, porém, é a primeira vez que ela representa a personagem. Administradora aposentada, Lavínia brincava com algumas crianças em uma festa de aniversário quando foi convidada pelos organizadores do Brasília Shopping a se sentar na poltrona do homem que distribui presentes.;As crianças ficavam me abraçando, mas nem imaginava que me tornaria Mamãe Noel por causa disso;, explicou. Na semana passada, a boa velhinha se surpreendeu com o pedido de uma menina de 10 anos.;O presente que ela queria era a reconciliação dos pais. Ouvir aquilo foi doloroso porque não tive uma resposta;, contou. Para Lavínia, o Natal é uma data especial e a figura da mamãe e do Papai Noel renova a magia do 25 de dezembro.;É o espírito de criança que une o mundo inteiro nessa época;, defende. Se fosse pedir um presente de Natal, a Mamãe Noel gostaria de adotar uma criança.;Acho que é porque minha única filha já tem 27 anos. Ela cresceu rápido demais;, brincou. Mesmo que o sonho não se concretize, fica a felicidade de ela poder levar amor e carinho aos inocentes.;É uma viagem. Me sinto a Alice no país das maravilhas durante o Natal. É tudo muito gostoso;, garantiu.


Uma casa é o sonho
Francisco Wellington Barbosa Costa, 50 anos, é o mais pesado da turma. Com 114,5kg bem distribuídos pelo corpo, ele representa bem o papel de Papai Noel. O também segurança do Alameda Shopping usa botas, luvas, cinto, gorro e barba falsa desde dezembro de 1990.;Tentei deixar a barba crescer algumas vezes, só que não deu certo. Fico inquieto com ela grande. Mas além da barriga, acho que meu andar de Papai Noel ajuda muito;, disse. Pelos quase 20 anos que trabalha no shopping como Noel, Francisco já é figura conhecida das crianças.;Elas me reconhecem e me abraçam mesmo quando estou de farda de segurança;, revela. Durante esses anos, ele não recebeu apenas carinhos da garotada. Um casal de 80 anos, vindo do interior do Piauí (PI), pediu para tirar fotos com o Papai Noel porque nunca teve oportunidade onde morava.;A senhora até chorou. Não acreditei naquilo e fiquei muito emocionado;, confessou. Morador de Águas Lindas (GO), ele gosta de dar pipocas e doces para as crianças,Wellington admite que o dinheiro que ganha serve para reforçar a renda familiar. ;Nesse fim de ano sempre dá para comprar alguma coisinha para casa;, contou. Por morar distante,Wellington diz que o maior presente de Natal seria ganhar uma casa no DF.;Pode ser em qualquer cidade;, ressaltou.

A barba de verdade
A barba grisalha, bem penteada e aparada revela o cuidado de Severo Ferreira Filho, de 68 anos, com o visual. Há 10 anos, ele mantém a tradição dos homens da família de deixar os fios crescerem. A barba desde então é sua marca registrada.;Se eu tirar a barba, fico procurando onde ela está;, brincou. Há cinco anos, ele recebeu o convite para trabalhar como Papai Noel no ParkShopping. Trabalha em média seis horas por dia, mas já perdeu as contas de quantos pequeninos segurou no colo. Mesmo depois de tanto esforço, não reclama do cansaço.;Tenho motivos de sobra para ser Papai Noel. Eu adoro crianças e fico comovido com o carinho delas;, admitiu. Mas a vida de bom velhinho não é nada simples. Nessa época, a agenda está recheada de atividades.;É meio corrido, faço
de seis a 10 eventos por dia;, explicou. É nessa hora que Severo sente alívio por não usar barba falsa.;A criança pode puxar minha barba porque ela não desprende do meu rosto e não sinto dor. Ela fica um pouquinho bagunçada, mas é só dar uma arrumadinha que fica do mesmo jeito;, concluiu.

Um transplante de presente
Abílio da Cruz Pinto, de 65 anos, tem todas as características de Papai Noel: barba grande, barriga saliente e um afinado ;Ho! Ho! Ho!” do típico bom velhinho. Se não fosse pelo detalhe de não morar no Polo Norte e nem usar trenó para se locomover, Abílio poderia se considerar o Noel em carne e osso, daqueles dos contos natalinos. No dia a dia, Abílio é um mestre de obras que trabalha rebocando paredes para sustentar a família. Sai de Valparaíso (GO) e pega dois ônibus até o Terraço Shopping, às 10h, onde se fantasia de Papai Noel e presenteia as crianças com balinhas e pirulitos. Está na função há 17 anos e por inúmeras vezes se emocionou com histórias de gente humilde. ;Em 2006, um menininho de 12 anos sentou na minha poltrona e falou assim para mim:;Papai Noel, eu não quero presente algum, quero um transplante de rim porque meus dias estão contados;. Isso me emocionou muito e queria muito saber se ele conseguiu um novo órgão;, revelou. Pai de três filhos e avô de oito netos, o mestre de obras se sente realizado.;Não queria mais nada para mim. Só queria conseguir dar todos os presentes que me pedem;, destacou. Mesmo adulto, Abílio não deixou de acreditar na magia do Natal.;Quando tinha 7 anos, lembro que minha tia pediu para eu colocar um sapato na janela do meu quarto na noite de 24 de dezembro. Ela me disse que o Papai Noel iria deixar um presente para mim. Quando acordei olhei para o sapato e lá tinha um carrinho de presente. Foi o melhor Natal da minha infância;, recordou.

O adolescente voluntário
Os 14 anos de Frank Márcio de Oliveira Júnior não o impedem de fazer a alegria das crianças como Papai Noel. É claro que a barba é daquelas compradas em shoppings ou armarinhos. E a barriga ainda não atingiu tamanho ideal, mas o que vale é a intenção.Aluno da 8; série do Centro de Ensino Unificado de Brasília (Ceub), Frank é um exemplo de solidariedade. Ele percorre desde o ano passado os hospitais da cidade distribuindo presentes às crianças internadas. O último trabalho voluntário ocorreu no início do mês, no Hospital Universitário de Brasília (HUB). O jovem abraçou os meninos e depois passou de quarto em quarto para entregar presentes para aqueles que não conseguiam deixar a cama.;Eu fico muito feliz quando me visto de Papai Noel e vejo a felicidade nos olhos das crianças;, disse. Além de levar esperança ao ambiente hospitalar, Frank faz questão de ensinar a irmã Ana Luísa, de dois anos, a acreditar na força do Natal e na bondade do Papai Noel.;Eu sentei ao lado dela e comecei a escrever uma cartinha com a boneca que ela queria ganhar no Natal. Disse que o Papai Noel colocaria na árvore o presente na noite de 24 de dezembro;, contou. Frank planeja continuar o trabalho voluntário.;Fico muito abalado quando entro em um hospital, mas, quando vejo que consegui arrancar um sorriso, saio de lá mais aliviado. O que eu mais desejo nesse Natal é que elas sintam a mesma alegria que eu sinto por ser Papai Noel;.

Mesa farta no Natal
Todo domingo, Fernando Xavier, de 53 anos, sai da 707 Sul, onde mora temporariamente de aluguel, rumo a Alexânia,
distante 95km de Brasília ;Só vou lá para dar um cheiro na mulher e volto logo. Às 4h30 de segunda-feira já estou de
volta;, explicou. Por 54 dias, o homem de cabelos brancos fica sentado em uma poltrona no Brasília Shopping para abraçar as crianças e tirar várias fotos. Fuzileiro naval aposentado, Fernando conta que só conheceu a magia do Natal quando adulto. Natural de Biquinhas (MG), ele teve uma infância pobre e lembra que o 25 de dezembro era um dia triste para toda família.;Não se falava em Natal e nunca ganhei presente. Naquela época eu e meus oito irmãos tínhamos apenas batata doce, arroz sovado e rapadura para comer.O leite a gente ganhava de fora;, revelou. As lembranças do passado fizeram os olhos do Papai Noel encher de lágrimas. É por esse mesmo passado que ele faz questão de fazer bem o papel de bom velhinho.;Eu gosto de ajudar.Tem até briga lá em casa por causa disso porque fico tirando as coisas de casa para dar para quem precisa mais. Se um dia eu ganhar na loteria, fico pobre no dia seguinte porque darei tudo para os outros;, contou. Entre os pedidos de Natal que mais o emocionaram, está o de um rapaz de 14 anos.;Ele queria mesa farta, roupa, panetone e uma boneca para a irmã. É uma coisa muito simples que até eu poderia dar,mas ando muito corrido como Papai Noel e não conseguiria atendê-lo. Encaminhei o pedido à Presidência da República e espero que eles realizem esse sonho;.

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