Cidades

Pistoleiros aterrorizam Entorno

Policiais investigam suspeita de que um grupo de extermínio esteja por trás dos sumiços de seis jovens no município goiano. Há indícios de ação parecida em outras cidades da região

Renato Alves
postado em 07/03/2010 08:03 / atualizado em 19/10/2020 12:20

Familiares denunciam casos durante encontro na Assembleia Legislativa de Goiânia, na última semanaUma das linhas de investigação da Polícia Federal sobre o sumiço de seis adolescentes de Luziânia (GO), a ação de grupos de extermínio é comum no Entorno do Distrito Federal e em outras partes de Goiás. Na maioria dos casos, as denúncias envolvem policiais, como no mais recente processo aberto pela Corregedoria da Polícia Militar e a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do estado. PMs da unidade de Formosa estariam ligados à execução de um homem e ao desaparecimento de três jovens ocorridos duas semanas atrás, em Alvorada do Norte e Flores, no Nordeste goiano.

Oito homens retiraram o operador de máquinas Higino Carlos Pereira de Jesus, 24 anos, de sua casa em Alvorada do Norte, no começo da noite de 24 de fevereiro. Os raptores estavam em dois Celtas ; um prata e outro vermelho ; e num terceiro carro, de cor preta. Com 28 tiros, o corpo do rapaz foi encontrado de madrugada, à margem da GO-144, estrada que liga Alvorada a Flores. Na tarde do dia 26, um primo de Higino, o pequeno agricultor Pedro Nunes da Silva Neto, 31, e o adolescente Cleiton Rodrigues, 16, foram colocados por oito homens em dois veículos e sumiram, também em Alvorada.

Pedro, Cleiton e um outro jovem tomavam banho no Rio Corrente quando o grupo chegou. Mas o terceiro rapaz estava na água e se escondeu sob galhos na margem. Ele disse a parentes dos desaparecidos que ambos foram colocados em uma viatura do Grupo de Patrulhamento Tático (GPT) da PM goiana, parada ao lado de um Gol branco. A testemunha contou ainda ter lido um adesivo na traseira do Gol com a seguinte frase: ;Papai faz, mamãe cria e nós mata;. Desse Gol, onde estariam dois homens, um desceu para pegar a moto de Pedro, a Honda CG 125 de placa JJU 7864-DF, também sumida.

Um amigo de Higino, cujo nome ainda não foi revelado, desapareceu da mesma forma, em Flores. Mas as delegacias das duas cidades se restringiram a registrar as ocorrências, a pedido dos parentes das vítimas. Com a falta de respostas, familiares dos rapazes foram à Goiânia na última quarta-feira. Estiveram na Assembleia Legislativa, onde prestaram depoimento na sessão realizada pela CPI do Desaparecimento de Crianças e Adolescentes da Câmara dos Deputados, da qual participaram também as mães dos jovens desaparecidos em Luziânia.

Próximos a morrer
Parentes do morto e dos três desaparecidos em Alvorada e Flores acusam quatro militares de envolvimento nos crimes. Apontam um oficial, um soldado e um sargento de Flores, lotados em Alvorada do Norte, e outro soldado, lotado em Goiânia. Os Celtas usados na captura de Higino teriam sido alugados numa locadora de Alvorada, segundo os familiares das vítimas. Eles ainda levaram aos deputados uma lista com nove nomes que seriam os próximos a serem executados pelo grupo de extermínio. A relação foi elaborada com base em informações de PMs do município.

Os escolhidos seriam suspeitos de furtos em fazendas no Nordeste goiano, segundo os mesmos policiais militares. Os parentes do morto e dos desaparecidos rechaçam a suspeita. O pai de Pedro Neto, por exemplo, alega que o filho não tinha nenhum bem de grande valor. ;A moto que estava com ele e roubaram era minha. Ele tinha só um pedacinho de terra, onde plantava o que podia para alimentar a mulher e os três filhos pequenos. Então, como era ladrão de gado?;, ponderou o homem de 62 anos, que tem medo de mostrar o rosto e ter o mesmo fim do filho. Das quatro vítimas de Flores e Alvorada, apenas Pedro tem passagem pela polícia. Deixou a cadeia há 10 anos, após cumprir pena por roubo, em Brasília.

Flores está na área de responsabilidade do 16; Batalhão da PM de Goiás, baseado em Formosa. A unidade é comanda pelo major Ricardo Rocha. Em 25 de janeiro, ele esteve reunido com um grupo de fazendeiros de Flores para discutir ações de segurança no meio rural. O oficial, os fazendeiros e a Prefeitura de Flores assinaram convênio para patrulhamento rural. Os homens de Rocha ganharam uma viatura nova, comprada pelo governo municipal. Desde novembro, foram registrados 16 furtos em propriedades rurais do município, de onde levaram mais 100 armas, além de gado.

Histórico de matança

Policiais militares do 16; Batalhão são investigados pelos assassinatos de 15 pessoas em menos de dois anos. Para promotores de Justiça, as ações têm características de grupo de extermínio. Já o major Ricardo Rocha foi denunciado pelo Ministério Público de Goiás (MPGO) por participação em uma chacina com cinco mortes e por crime de pistolagem. Tudo quando ele era o subcomandante da PM em Rio Verde, no Sudoeste goiano (veja quadro). Após as mortes em série, Rocha foi transferido para Goiânia, onde comandou a Rondas Táticas Metropolitanas (Rotam) entre 2003 e 2005. Época em que a PM mais matou na capital.

De 6 de março de 2003 a 15 de maio de 2005, foram registrados 117 homicídios em Goiânia cuja autoria é atribuída a PMs, a maioria da Rotam. Das 117 vítimas, 48,7% (57 pessoas) não tinham ficha criminal. Outras 60 (51,3%) eram foragidas da Justiça ou acusadas de algum crime. Em meio a investigação do MPGO sobre esses casos, o major voltou a Rio de Verde. Em seguida, foi para Formosa, terra natal e base eleitoral do secretário de Segurança Pública de Goiás, Ernesto Roller, deputado estadual pelo PP e pretenso candidato a deputado federal.

Foi o próprio Roller quem nomeou o major Ricardo Rocha para assumir o 16; Batalhão. Em solenidades e entrevistas à imprensa do estado, Roller não economizou elogios ao major. Declarou que ele tem diminuído a violência na região do Entorno Norte, mas nunca apresentou as estatísticas. Sobre as mortes em série na sua cidade e em Alvorada, Roller não fala. Chefe do Departamento Judiciário de Goiás (órgão da Polícia Civil), o delegado Josuemar Vaz de Oliveira disse que a Polícia Civil de Goiás investiga os casos de morte e desaparecimentos no Nordeste do estado. ;Há, sim, a possibilidade de eles estarem relacionados a grupo de extermínio;, afirmou. A PM goiana limita-se a informar que abriu sindicância para apurar as denúncias. (RA)

Esquadrões da morte

Em Goiás são corriqueiras as denúncias de ações de grupos de extermínio comandados por policiais militares. Eles aterrorizaram várias cidades do estado.

Águas Lindas
O líder comunitário João Elísio foi assassinado em 2000. Ele era considerado um potencial candidato à prefeitura do município de 180 mil moradores, localizado a 50km de Brasília. Morreu porque supostamente denunciava a existência de um grupo de extermínio na região. O assassinato de João Elísio mexeu com o processo eleitoral. Em Águas Lindas, nas eleições de 2000, ninguém subia em carro de som para fazer discursos sem coletes à prova de balas.

Aragarças
O grupo, formado por integrantes do Grupo de Patrulhamento Tático (GPT) da Polícia Militar, começou a agir em 2006 no município de 18 mil habitantes na divisa com Mato Grosso. O Ministério Público denunciou sete PMs por três homicídios, uma tentativa, espancamentos, ameaças e intimidação a testemunhas e autoridades. Em 19 de novembro de 2008, os PMs acusados, presos em Goiânia, foram transferidos para o presídio federal de Campo Grande (MS), por ordem da Justiça Federal.

Formosa
Policiais militares admitem ter tirado a vida de 10 das 48 pessoas assassinadas em 2008 na cidade a 70km de Brasília. Outros cinco casos ocorreram no segundo semestre de 2007. Os PMs alegam confrontos com bandidos armados. A maioria das vítimas não respondia por delitos graves e morreu com ao menos um tiro na cabeça. Em dezembro de 2008, jovens e adolescentes acabaram executados com tiros na cabeça por homens encapuzados. Outro caso igual ocorreu em fevereiro de 2009. Em todos, os autores agiram em dupla. Vestidos de preto, usaram pistolas, armas idênticas às restritas à polícia.

Planaltina de Goiás
Policiais civis prenderam, em 20 de abril de 2005, 10 acusados de integrar um grupo de extermínio que agia havia dois anos na cidade distante 80km de Brasília. Eles eram suspeitos de 53 assassinatos. A prisão dos suspeitos fez despencar as estatísticas de assassinatos na cidade, que era considerada uma das mais violentas do estado. A média de homicídios era de seis por mês até abril de 2005. Depois passou a dois por mês.

Rio Verde
O atual comandante da PM em Formosa, major Ricardo Rocha, é acusado de liderar um grupo de extermínio em Rio Verde, quando era subcomandante do batalhão da cidade do sudoeste goiano. Então capitão, Rocha teria participado da execução de ao menos seis pessoas, segundo investigações do MP. Cinco teriam sido assassinados de uma vez, na beira de um córrego, em 2003. Eram foragidos da cadeia do município, que morreram após serem rendidos e sem portar armas.

Valparaíso
Policiais federais prenderam em 13 de dezembro de 2005 quatro suspeitos de integrar quadrilha de falsificação de dinheiro, grilagem de terras e grupo de extermínio. O suposto líder do bando, Alfredo Ribeiro, 70 anos, foi acusado de mandar matar o prefeito de Valparaíso (GO), José Valdécio (PTB), promotores e juízes de Brasília. Valdécio sobreviveu aos quatro tiros que levou, durante a campanha eleitoral, em setembro de 2004. Alfredo é suspeito de participação em 18 assassinatos no interior goiano.

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