Cidades

Especialistas debatem sobre concessão do benefício aos condenados por crimes hediondos

postado em 14/04/2010 08:29
>>Noelle Oliveira
>>Luísa Medeiros
>>Josie Jeronimo

A prisão do assassino confesso Adimar de Jesus da Silva, acusado pela morte de seis adolescentes em Luziânia, cidade goiana a 70 km de Brasília, reacendeu a discussão a respeito da reintegração de presos à sociedade. Especialistas e juristas se dividem ao avaliar os requisitos necessários para a Justiça soltar um preso com o perfil do maníaco. Alguns defendem mudanças na Lei de Execuções Penais e na de Crimes Hediondos ; já modificada em 2007. Outros culpam o Estado por não acompanhar devidamente os condenados após a saída da prisão.

Para o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, o episódio de Luziânia demonstra uma falha sistêmica.;É, portanto, fundamental verificar onde falhou e procurar fazer as correções necessárias para que fatos como este não tornem a acontecer. Foi algo de extrema gravidade e mostrou a inoperância do sistema;, destaca. Ele não considera, no entanto, que a culpa pela tragédia seja do magistrado responsável pelo caso, mas sim da legislação. Adimar Jesus iniciou sua série de crimes contra os jovens apenas uma semana depois de ganhar a liberdade, beneficiado pela progressão de pena. Ele havia sido condenado por abusar sexualmente de dois meninos, no Distrito Federal, em 2005.

Para a psiquiatra forense da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e perita da Justiça Federal do estado de São Paulo Thatiane Fernandes da Silva, um dos problemas existentes hoje na lei brasileira, é o fato de caber ao juiz a decisão final sobre a liberação ou não de um preso como Adimar. A avaliação psicológica a que são submetidos os detentos é encaminhada ao magistrado que pode optar por seguir a recomendação, utilizá-la parcialmente ou descartá-la. ;Eu acho que o complicado é, justamente, compreender quem pode ou não acatar um laudo como esse. O juiz acaba sendo o perito dos peritos;, considera.

Sem cura
Segundo Thatiane, uma das coisas que justificaria Adimar não ser solto seria o fato de o exame criminológico feito pela Subsecretaria do Sistema Penitenciário do DF, apontar que ele apresentava ;distúrbios psicopatológicos;. ;Para o fato de ele ser psicopata não há cura, a não ser o encarceramento;, afirma. De acordo com a psiquiatra, o acusado só pode ser liberado quando ;cessa a periculosidade;. No caso de psicopatas, no entanto, isso não ocorre nunca. ;Um psicopata não consegue se colocar no lugar do outro, ele não tem culpa, não se comove nem se importa com o outro. Tudo o que ele quer é se satisfazer e a morte da vítima, muitas vezes, faz parte dessa satisfação;, destaca.

A procuradora do Ministério Publico de São Paulo Luiza Egib Eluf, especialista na área criminal em crimes sexuais, defende que haja uma modificação na lei para obrigar o acompanhamento psiquiátrico de presos, dentro e fora da cadeia, que tenham cometido crimes sexuais e de violência exacerbada. Segundo ela, esse tipo de condenado não se recupera e sempre será uma ameaça à sociedade. Tem que gastar com os loucos de todos os gêneros para evitar que voltem a deliquir. Quem vai dizer que o cara é perigoso é o psiquiatra, não adianta ter bom comportamento no presídio. Isso não significa que a pessoa está curada. Lá não tem criancinha. Quando sai às ruas, o psicopata não consegue evitar o impulso de cometer o crime, explicou a procuradora.

Na opinião de Luiza Eluf, a modificação na Lei de Execuções Penais ou na de Crimes Hediondos deve ser amparada por uma estrutura governamental. De nada adianta endurecer o conteúdo das legislações se o Estado não tem como fornecer a assistência. Por isso, a procuradora é contrária a retirada da obrigatoriedade da realização do exame criminológico dos presos antes do juiz decidir pela progressão de regime. Acabaram com a necessidade do laudo para o governo não ter que oferecer tratamento, critica ela. A especialista acredita que a progressão de regime estabelecida em lei não pode ser aplicada para todos os tipos de crime de forma linear. A lei não faz distinção. Diz apenas que o preso deve cumprir pena de 1/6 para ter o benefício. Mas isso é o mínimo, e não o tempo máximo de prisão, destaca.

O professor de Direito Criminalista e Penal da Universidade de Brasília (UnB) Pedro Paulo Castelo Branco defende uma avaliação criteriosa para a progressão de regime e mais vigilância do estado para casos de crimes como estupro e pedofilia. Apesar do Supremo Tribunal Federal ter entendido que mesmo a pessoa que cometeu crime hediondo tem direito a progressão de regime, o professor salienta que o poder público tem que criar mecanismos para definir um regime disciplinar diferenciado para quem apresenta alto risco à sociedade. O critério tem que ser mais rigoroso. A doença mental que traz em si fica adormecida até sair em liberdade.

Já para Frederico Donati Barbosa, conselheiro da seccional do DF da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF), a prisão do assassino não é a cura para evitar a reincidência. ;A pena de prisão é como uma anestesia, ela apenas neutraliza o condenado e alivia a dor da sociedade;, avalia. Ele acredita que o fato de um laudo psicológico afirmar que haverá reincidência de um crime, por parte de um detento, é algo que ;nega o livre arbítrio;. ;Não consigo ver um profissional garantir que a pessoa pode cometer um crime novamente;, considera.

Mendes reconhece falhas

>>Samanta Sallum

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Gilmar Mendes, apontou que os crimes cometidos por Adimar Jesus da Silva revelam o desaparelhamento do sistema judicial no Brasil. ;Infelizmente, temos que discutir uma questão como essa logo após uma tragédia. Precisamos tirar lições sérias de episódios como esse para que busquemos um adequado aparelhamento da Justiça Criminal;, disse ontem Mendes ao Correio.

A controversa soltura do pedreiro, com divergência da laudos de avaliação psiquiátrica do preso, mostra a falha de uma estrutura para realmente acompanhar casos em que há distúrbios mentais. ;Nesses crimes em que ocorre desvio psicológico evidente, é preciso que haja realmente cuidado. Faltam equipes multidisciplinares e também a participação de setores outros da sociedade, como das universidades, na colaboração com os peritos judiciais;, avalia o ministro. Segundo ele, é preciso garantir o tratamento dessas pessoas e não atacar o regime do benefício de progressão da pena. ;Nada nos garante também que um preso após cumprir toda a sua pena, digamos de 30 anos, não venha a cometer outro delito;, pondera.

Mendes defende o monitoramento eletrônico de presos em regime semi-aberto. ;Propomos mudanças administrativas e legislativas para que ocorra uma modernização do controle dessas pessoas. É uma escolha a se fazer pela segurança pública;, destaca.

O ministro apontou que os mutirões carcerários realizados no ano passado apontaram o grande deficit na área da Justiça Criminal. Segundo o ministro, da mesma forma que pode ter ocorrido falha na liberdade de um preso como Adimar é preciso corrigir a irregularidade de diversas pessoas presas sem base legal. Cerca de 20 mil presos em todo o país ganharam a liberdade nos mutirões carcerários por estarem detidos de forma ilegal. Foi o caso de um homem no Espírito Santo, mantido em prisão temporária por 11 anos sem ter sido julgado.

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