Cidades

"Como alguém mata e fica quietinho?"

Mãe do assassino confesso dos seis jovens esteve na casa do filho até um dia antes de ele executar a quarta vítima

postado em 14/04/2010 08:30
>>Diego Amorim
Enviado Especial

Aos 69 anos, Rosa Amélia pede conforto a Deus: Santana (BA) ; O coração de mãe não quis esperar. Quando Rosa Amélia de Jesus Silva, 69 anos, soube que o filho seria solto no Distrito Federal tomou o primeiro ônibus em Santana, cidade do interior da Bahia, e viajou cerca de 700km até Luziânia (GO) onde morava uma das filhas. Desembarcou na rodoviária da cidade quatro dias antes de Adimar Jesus da Silva deixar a penitenciária da Papuda, após cumprir pena por ter abusado sexualmente de duas crianças em novembro de 2005.

Desde a prisão, a mãe não via Negão, apelido dado por ela ao filho. Tentou visitá-lo uma vez, mas a burocracia, conta ela, impediu o encontro, que acabou acontecendo no fim do ano passado. Rosa e o filho passaram o Natal e o réveillon juntos. Diego Alves Rodrigues, 13 anos, o primeiro dos seis adolescentes que Adimar confessou ter matado a pauladas, desapareceu em 30 de dezembro. A mãe faz as contas e diz que voltou para a Bahia em 12 de janeiro. Àquela altura, o filho já tinha feito outras duas vítimas e faria mais uma no dia seguinte à partida dela para a Bahia.

Negão, um dos 10 filhos vivos de Rosa ; ela teve 15 ;, sempre tratou a mãe com respeito. Fez questão de comprar a passagem de volta. Na despedida, deu-lhe um abraço apertado e pediu a bênção, como de costume. Rosa estava aliviada. Durante o tempo que passou em Luziânia ;menos de um mês ;, viu o filho sair de casa cedo para, pensava ela, procurar um emprego. Na semana em que foi embora, conta a mãe, ele tinha conseguido vaga para trabalhar na fazenda de um gaúcho. "Estava tudo bem, tudo ótimo."

Rosa recorda o que disse ao filho antes de entrar no ônibus. ;Eu falei pra ele: ;Deus ajudou você a sair dessa. Então agora vai trabalhar. Você aguentou quatro anos na cadeia, sofreu muito, não vai fazer besteira de novo, meu filho;;. Esse foi o trato. Rosa voltaria para casa e Negão viveria uma nova vida. ;Ele era calado, não era de conversa. Mas me prometeu que não ia mais fazer besteira, que tinha cometido aqueles crimes, mas não ia repetir o mesmo erro;.

Depois que o Correio noticiou o primeiro desaparecimento em Luziânia, na edição de 16 de janeiro, Rosa passou a acompanhar pela TV os desdobramentos daquela história misteriosa. ;Passavam toda hora umas mães com o retrato dos filhos nas blusas, chorando, pedindo ajuda. Eu sou mãe também, me desesperei. Ia me doendo por dentro. E quando falavam o nome do lugar, Luziânia, ficava agoniada;, lembra.

Coração apertado
O coração de mãe começou a apertar de novo. Pelo mesmo filho. A mulher que havia perdido o marido vítima de um infarto quatro meses antes e um filho assassinado havia 18 anos torcia para que aquele pressentimento não fizesse sentido. ;Quando soube que tinham pegado o assassino e falaram que era um presidiário, um pedreiro, aquilo veio à minha cabeça: ;Ô meu Deus, será que é o Negão?; Coração de mãe conta...;, relembra, às lágrimas.

Desde então, Rosa tem dificuldade para dormir. Come mal e sente uma dor no peito. Quando viu a imagem do filho rodeado por policiais, indicando onde havia enterrado as vítimas, desabou. ;Senti mágoa, fiquei triste e estou assim até hoje. Se cometeu, ele tem que pagar;, conclui.

O mais difícil é imaginar que o filho iniciou a série de assassinatos quando ela estava por perto. ;Estou para dar (sic) depressão de tanto pensar nisso. Quando dizia que ia para procurar emprego, acho que aprontava essas coisas;, supõe. Ela também se angustia pensando nas mães das vítimas. ;Estou doente por elas. Como é que a pessoa pega um vivente, um humano que nem ele, mata, abre o buraco, enterra e fica quietinho?;.

Rosa recebeu a equipe do Correio em sua casa de tijolo aparente, no alto do morro, na periferia de Santana, durante a manhã de ontem. A conversa durou mais de duas horas. Por diversas vezes, a mãe de Adimar chorou. ;Deus me perdoa, sou a mãe, mas se um desses meninos tivessem matado ele, acho que ele não ia sofrer tanto. Fico contente que ele está preso. Mas tenho dó, sei que não vou mais ver meu filho. E não posso fazer mais nada. Agora é esperar pela vontade de Deus;.

Depoimento - Rosa Amélia de Jesus Silva
Como os Nardoni

;Ele tem uma doença, é um trem mesmo, não sei o que é aquilo, mas não é normal. Eu percebi, mas não pude fazer nada. Esses negócios de abuso de meninos eu não sabia, começou lá pra Brasília, por aqui ele não fez nada disso. Mas ele tinha um trem. De vez em quando, dava alguma coisa na cabeça dele. Ele falava que tinha alguém que conversava com ele, parece que falava assim: ;Vai!’ Nesses dias em que estive lá, sentia ele estranho da cabeça, mas pensava que era o sol quente.

Na hora em que era pra estar caçando emprego, acho que ia aprontar essas coisas na mata. E depois chegava normal, não chegava sujo, não tinha sangue na roupa. Eu não desconfiei nadinha. Estava pensando que ele ia trabalhar e ia ficar bom, mas foi uma barbaridade horrível. Isso está incomodando o país inteiro. A morte desses meninos está em tudo quanto é canto, do jeitinho daqueles Nardoni, que mataram a menina Isabella.

Tem gente dizendo que estou caída, mas não, estou forte, Deus me dá força. Estou morta por dentro e viva por fora. Entreguei nas mãos de Deus. Ele sabe o que vai fazer com o Negão. Ele fez isso, queira ou não queira, mas nós não temos culpa, irmão não tem culpa, eu não tenho culpa, que eu não mandei ele fazer isso. Queria que ele trabalhasse, que fosse um homem honesto;.


Passado confuso na Bahia
Adimar Jesus da Silva não sabe ler. Só escreve o próprio nome. Frequentou a escola quando criança, mas parou na alfabetização. Durante a adolescência, ajudou o pai nos trabalhos da roça, no povoado Riachão, que pertence ao município de Serra Dourada, no oeste da Bahia. Gostava de trabalhar e não era de muita conversa.

Rosa Amélia de Jesus Silva, 69 anos, e José Pereira da Silva, 70, os pais de Negão, como ele é chamado pelos familiares, tiveram 15 filhos. Os mais velhos ajudavam a cuidar dos mais novos, enquanto os pais se esforçavam na lavoura para garantir o sustento da família. ;Tenho certeza de que eduquei bem meus filhos. Se Negão não aprendeu, é porque a cabeça dele não deu;, diz a mãe.

Ademar teve uma única namorada ao longo dos 24 anos em que viveu na Bahia. Casou-se com ela, uma jovem que, segundo familiares dele, sofria de problemas mentais e, por isso, tomava medicamentos controlados. O casal teve dois filhos: um garoto hoje com 14 anos e uma menina de 18.

O mais novo era bebê quando Adimar mudou-se para Luziânia, em Goiás, onde já morava uma irmã. Na época, ele não vivia mais com a mãe dos dois filhos. Mandou-se da cidade porque a polícia o procurava. Ele era suspeito de ter atirado contra um homem, que, apesar dos ferimentos, não morreu.

A história que motivou a saída de Adimar da Bahia é confusa. Segundo o irmão Domingos de Jesus Silva, 30 anos, motoboy que vive em Santana (BA) com a mãe, conta que um outro irmão foi alvejado por um suposto inimigo de infância. Quando este, meses depois, acabou baleado na cidade, a suspeita recaiu sobre Negão, que teria tentado se vingar em nome da família. A mãe e o irmão Domingos garantem que o pedreiro não é o autor dessa tentativa de homicídio. ;Mas a gente não tinha dinheiro para pagar advogado, aí ele teve que ir para Luziânia;, diz o motoboy. ;Ele não matou ninguém aqui na Bahia, era comportado, só queria saber de trabalhar;, completa a mãe.

Em Luziânia, Negão dava notícias de que trabalhava como pedreiro em vários lugares. Cinco anos após a mudança, soube que a ex-mulher morrera. Os familiares dele dizem que ela não resistiu aos distúrbios mentais. Acabou morrendo depois de ter sido medicada em um hospital. O pedreiro teve um segundo relacionamento com uma catadora de papel, no período em que trabalhava no Guará II. Fez nela um filho, hoje com 10 anos. O garoto mora com a mãe, mas a família de Adimar não tem notícias. Na Bahia, os dois primeiros filhos vivem atualmente com a avó materna.

Em 2005, a prisão por abusar sexualmente de duas crianças surpreendeu parentes no oeste baiano. ;Ele me disse que um cara deu bebida pra ele, que se embebedou e não viu nada que fez;, conta a mãe. Na cadeia, em 15 de setembro do ano passado, soube que o pai morrera, vítima de um infarto.

Criado na fé católica, Negão foi apresentado à Igreja Universal do Reino de Deus após sair da cadeia. Quem o incentivava a ir ao templo era a irmã com quem ele voltou a morar, em Luziânia. O esforço para que Adimar mudasse de vida depois de cumprir pouco mais de quatro anos de pena não deu resultado e o pedreiro protagonizou uma das maiores barbáries do município goiano.

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