Cidades

Suspeita de clínica de aborto em Cristalina (GO)

Promotoras encontram, em banheiro desativado de um hospital, sete fetos e vários tipos de material biológico guardados em vidros com formol. Dezoito funcionários foram afastados

Guilherme Goulart
postado em 05/05/2010 07:00
Duas promotorias de Cristalina, município goiano distante 137km de Brasília, investigam supostas falhas e omissões no único hospital da cidade. A apuração, iniciada há cerca de um mês, aprofunda erros grosseiros na condução de partos e no armazenamento de materiais biológicos no Hospital Municipal Chaud Sales. Dezoito funcionários do hospital, incluindo o diretor, acabaram afastados dos cargos. E não se descarta a hipótese de abertura de um inquérito criminal, pois há suspeitas em relação ao funcionamento de uma clínica de aborto no local.

Os vidros com fetos e material biológico estavam em caixasA descoberta da série de problemas ocorreu por conta de uma denúncia que chegou à 1; e à 2; Promotorias Criminais de Cristalina no início de abril. A família de uma adolescente pediu ajuda ao Ministério Público local depois que a menina de 15 anos sofreu um parto prematuro no hospital. ;Eles queriam o corpo para ser sepultado, e o hospital não liberou. Em 7 de abril, expedi uma recomendação para a diretoria técnica do hospital explicando a razão pela qual a liberação deveria ser feita;, afirmou a promotora Marizza Fabianni Maggioli, da 1; Promotoria Criminal.

O procurador-geral do município, Wenderson Alves, soube do caso e se uniu ao MP para o cumprimento do mandado de busca e apreensão no Chaud Sales na última sexta-feira. As promotoras Marizza e Ariete Cristina Rodrigues Vale, esta da 2; Promotoria Criminal, encontraram em um banheiro desativado sete fetos e mais de uma centena de materiais biológicos, entre placentas, tumores e apêndices. Estavam acondicionados em potes de vidro comuns, mergulhados em formol e dentro de caixas de papelão.

Nem todas as embalagens localizadas durante a operação tinham a identificação de famílias. Mas havia material biológico retirado entre 2006 e 2010. ;É difícil agora falar de responsabilidade ou de tipos de falhas. Mas há, no mínimo, uma conduta médica inadequada e material de curetagem acondicionado de forma errada. Tudo isso vai ser investigado e encaminhado para biópsia. Era o que deveria ter sido feito desde o início;, explicou a promotora Ariete.

As cinco caixas retiradas do Hospital Municipal Chaud Sales ficarão, por enquanto, em uma das salas destinadas às promotorias criminais no Fórum de Cristalina. Em seguida, serão encaminhadas para análise do Instituto de Medicinal Legal (IML) de Luziânia (GO). Caso não existam equipamentos, tecnologia ou espaço para a perícia no município distante 66km de Brasília, o material terá de ser levado para Goiânia (GO). ;É certo que nada disso poderia ficar no hospital, pois, em todos os casos, é preciso fazer uma avaliação do material, até para se descobrir a causa da morte de um feto ou a origem de uma doença;, alertou a responsável pela 2; Promotoria Criminal de Cristalina.

Arquivo caótico
As duas promotoras voltaram ontem ao hospital, localizado no centro de Cristalina. Passaram parte da tarde envolvidas com a análise e o recolhimento de documentos pertencentes ao arquivo da administração. ;A fase atual é de proteção das provas. Estamos fazendo uma busca minuciosa nos registros do hospital e nas guias de atendimento. O que atrapalha um pouco é o fato de o arquivo ser muito desorganizado;, disse a promotora Ariete.

O trabalho do Ministério Público abastece o inquérito civil público aberto para investigar o caso. Depois de recolhida e preservada a documentação básica de atendimentos aos pacientes, de armazenamento de materiais e de compras em geral, as promotoras criminais ouvirão testemunhas, possíveis vítimas, familiares e funcionários do Hospital Municipal Chaud Sales. Os nomes dos envolvidos são mantidos sob sigilo. ;Estramos ainda no início da investigação;, resumiu a promotora Marizza Maggioli.

A apuração das denúncias também fez com que o prefeito de Cristalina, Luiz Carlos Attié, afastasse do serviço hospitalar seis médicos, 10 enfermeiros e auxiliares de enfermagem e dois funcionários administrativos. Entre eles, o diretor do centro clínico, Dinoel Guimarães. O médico acabou exonerado do cargo. ;Houve falha administrativa, isso não tem dúvida. A situação dele ficou ainda pior quando contratou um advogado particular para se defender das acusações em vez de recorrer ao advogado do município;, revelou o secretário de Saúde de Cristalina, Ricardo Horta de Alvarenga.

Outro lado
Em entrevista ao Correio, Guimarães se defendeu de todas as acusações. Argumentou, por exemplo, que o hospital jamais se negou a entregar à família o bebê perdido pela menina de 15 anos. ;Eu mesmo a atendi. Fiz o exame e constatei que o corpo estava em processo de expulsão. Fizemos, assim, a curetagem. Não houve choro de criança, como se disse. Já estava morta e precisava ser retirada dali;, garantiu ele, que disse também não saber da necessidade de recorrer a um procurador nesses casos. Guimarães reclamou ainda que perdeu o cargo sem sequer ter sido chamado para uma reunião.

O médico, que atua como obstetra há cerca de 30 anos, alegou que a manutenção dos fetos e do material biológico retirado de pacientes são mantidos em formol desde gestões anteriores ; ele assumiu o cargo em 14 de maio do ano passado. Mesmo assim, admitiu que tudo deveria ter sido eliminado. ;Hospital não é lugar adequado para se manter isso;, reconheceu. O Conselho Regional de Medicina de Goiás investigará o caso.

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