Cidades

Problemas à vista a partir de terça-feira

Valor no caixa da Fácil é suficiente apenas para mais um dia de recarga. Sem previsão de repasses do GDF, expectativa é de novos transtornos para os estudantes

postado em 05/06/2010 10:20
A estimativa é de que os R$ 667 mil no caixa da empresa Fácil ; do total de R$ 6 milhões repassados pelo governo ; sejam suficientes para atender a cerca de 5 mil alunos. Como essa é a média de atendimentos diários, a previsão é de que a partir de terça-feira os estudantes voltarão a ter problemas para recarregar os cartões. Não há previsão de novos repasses por parte do GDF.

Durante todo o dia de ontem, o movimento foi tranquilo nos postos da Fácil. Quem foi ao posto do Setor Comercial Sul foi atendido imediatamente, sem filas. Já no posto de Taguatinga, onde geralmente ocorre a maior demanda, o tempo médio de espera era de 20 minutos, mas, por volta de 10h30, já não havia fila. ;É a primeira vez que venho. Fiquei sabendo das filas e resolvi adiar a recarga para hoje;, conta Lucilene Silva, 27 anos, estudante de direito. Lucilene estuda na faculdade Anhanguera, em Taguatinga, e mora no P Norte. Ela tira R$ 4 do próprio bolso para ir à aula desde 14 de maio, quando acabou o dinheiro de seu cartão.

Os estudantes enfrentaram filas quilométricas ao longo das últimas duas semanas. A falta de verba para a recarga dos cartões tem causado revolta entre os usuários do serviço. Fernanda Cordeiro, 18 anos, estudante de biomedicina, foi ao posto da Fácil pela segunda vez para efetuar a recarga. Ela conta que, na semana passada, a fila dava voltas no posto de Taguatinga. ;Eu tinha aula e não pude ficar esperando;.

Várias crianças e jovens têm perdido aulas em função da dificuldade na recarga dos cartões. É o caso de Isabele Cristine, 15 anos, que chegou a ficar duas semanas longe da escola por falta de dinheiro para pagar o ônibus. Sem crédito no cartão, Isabele gastaria R$ 4 por dia para percorrer o trecho entre sua casa, em Samambaia Sul, e o Centro de Ensino Fundamental 14 de Taguatinga, onde estuda. A menina mora com a mãe, dois irmãos e três primos e conta que a família vive com o salário de diarista da mãe. ;Minha irmã de colo adoeceu e minha mãe teve que comprar remédio para ela. Por isso, eu e meu irmão não tivemos como ir para a escola;, conta a menina.

Estudantes da Universidade de Brasília, Michelle e Rayane optaram por morar na Casa do Estudante Universitário para não gastar com passagensNa Universidade de Brasília (UnB), os estudantes encontraram uma outra forma de driblar a dificuldade com o transporte público. Se ir e voltar todos os dias para casa estava difícil, a solução encontrada foi dormir na própria universidade durante a semana. A procura por um espaço na Casa do Estudante Universitário (CEU) aumentou muito com a confusão do Passe Livre. Muitos alunos que moram longe da universidade trocaram o conforto de casa pela acomodação provisória na residência estudantil.

Rayane Noronha, 19 anos, está há uma semana morando na CEU. Em seu segundo semestre no curso de ciências sociais, a situação do transporte público quase inviabilizou os estudos. Quando morava com sua mãe em Ceilândia, ela conta que, além de gastar R$ 10 por dia com transporte, demorava duas horas para chegar à UnB. ;Quando tinha aula às 8h, acordava às 5h. Ainda estava escuro e eu tinha que caminhar vinte minutos até chegar ao metrô. Como ele sempre ia lotado para o Plano, entrava no vagão no sentido contrário e esperava o metrô ir até o final da linha e voltar. Assim, eu ia sentada até a rodoviária, onde pegava um ônibus para chegar à UnB;, explica.

Moradora de Samambaia Sul, Michelle Rosa, 23, também foi uma das que buscou refúgio na CEU. ;Semestre passado, quando recebi a notícia de que tinha passado no vestibular, comecei a procurar lugar na CEU, porque sabia que não teria condições de pagar passagem todos os dias;, conta.

Repasse


A Câmara Legislativa do DF (CLDF) aprovou, em 27 de maio, a liberação de R$ 6 milhões para a recarga dos cartões. Foi o terceiro repasse autorizado pelo governador do DF em 2010. No primeiro, em 15 de maio, foram liberados R$ 2 milhões, mas, depois de três dias, já não havia dinheiro. O GDF, então, liberou mais R$ 636 mil em 18 de maio, mas a verba foi suficiente apenas para um dia. Na sexta-feira passada, R$ 3 milhões, metade do dinheiro liberado pelo GDF, entraram na conta da Fácil. A verba acabou na segunda-feira. No mesmo dia, a outra parte dos R$ 6 milhões ficou disponível para a empresa responsável pela bilhetagem eletrônica no DF.

Manifestações


Alunos de diversas instituições do Distrito Federal protestaram, no mês de maio, para que o dinheiro fosse liberado pelo GDF. A primeira manifestação aconteceu no dia 19, em frente à Praça do Relógio, em Taguatinga. No mesmo dia, os estudantes se reuniram em frente à Igreja Dom Bosco, na Asa Sul. Em 27 de maio, o protesto ocorreu
em frente aos postos da Fácil. Houve, também, tumultos por conta das filas.

A controvérsia do limitador social

O novo limitador social sugerido pelo governo ao Passe Livre estudantil gerou polêmica entre os alunos da rede privada de ensino. Com a alteração no programa, estudantes de escolas particulares e com renda superior a quatro salários mínimos (R$ 2.040) podem perder o benefício da passagem gratuita e voltar a pagar um terço do valor integral, como ocorria antes do passe livre entrar em vigor. De acordo com a proposta elaborada pelo governador Rogério Rosso, todos os alunos da rede pública continuam com isenção total para andar de ônibus ou de metrô. O projeto será enviado por Rosso à Câmara Legislativa na próxima semana.

Se aprovada a alteração, Alan Garcia, 22 anos, estudante da Universidade Católica de Brasília (UCB), deixará de ser beneficiado com o Passe Livre. ;Não é porque eu estudo em uma universidade particular que tenho condições de manter um alto custo com transporte. Não acho justo esse novo corte baseado na renda. Mesmo que algumas pessoas não sejam tão desfavorecidas, a questão do transporte pode chegar a atrapalhar nas contas do fim do mês;, defende. Outra estudante da UCB, Sara Mendes, 20, acha o limitador social uma medida justa. ;Algumas pessoas realmente não têm como pagar e eu acho justo beneficiá-las. O governo não tem que pagar para todo mundo. O Passe Livre é uma assistência para quem não tem nada;, argumenta Sara.

Para o estudante Caio Bruno, 20 anos, o corte desconsidera grande parte da população de classe mais baixa que está nas universidades particulares graças a incentivos como o Programa Universidade para Todos (ProUni). ;É difícil você avaliar a realidade econômica dos estudantes. Muitos só podem estudar em uma faculdade particular porque são bolsistas;, alega Caio. ;Eu recebo bolsa de 70% para permanecer em meu curso. O resto eu completo trabalhando. É até compreensível que o governo queira beneficiar quem precisa mais, só que isso tem de ser feito de forma séria;, completa o estudante Bruno Macedo, 21 anos.

Uma das grandes críticas apresentadas pelos estudantes está no critério usado pelo governo para definir a condição socioeconômica dos usuários do Passe Livre. ;Esse método baseado no número de salários que uma família recebe é equivocado. A renda vista de forma isolada não relaciona o número de pessoas que dependem desse salário para viver. E se a família for grande?;, questiona Paique Duques Lima, membro do Movimento Passe Livre (MPL). A assessoria do governador Rogério Rosso afirmou que o governo está fazendo um levantamento da situação socioeconômica dos 134 mil estudantes beneficiados pelo Passe Livre. O estudo, entretanto, não tem data prevista para acabar.

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