Cidades

Guará, uma pequena Águas Claras

Dona de uma rotina pacata, cidade vizinha do Plano Piloto atrai investimentos imobiliários e se transforma em um canteiro de obras. Projeções indicam que população deve crescer 20% em dois anos

Helena Mader
postado em 01/08/2010 09:31
O clima de cidade pacata e interiorana sempre foi o principal atrativo do Guará. Conhecida por suas casas de até dois andares, distribuídas em conjuntos residenciais, a região vizinha ao Plano Piloto começa a passar por uma transformação, que vai mudar definitivamente o perfil do bairro. A mudança já pode ser vista no horizonte, onde arranha-céus de até 25 andares são erguidos com rapidez. Com o surgimento de novos prédios na cidade, os moradores temem que a região se transforme em uma nova Águas Claras, com problemas de trânsito causados pelo inchaço populacional. A expectativa oficial é de que a população cresça até 20% em menos de dois anos. Hoje, 150 mil pessoas vivem na região. A maior preocupação é que, em algumas avenidas, não há limites para a altura dos edifícios. Ou seja, com um terreno amplo, podem ser erguidos espigões de mais de 30 andares. Prédios em construção no Guará: na Avenida do Contorno, não há limite para altura das construções, o que preocupa os moradoresAo longo das últimas cinco décadas, a comunidade do Guará se acostumou com um estilo de vida bem diferente daquele observado no Plano Piloto. Em muitos conjuntos, a vizinhança se reúne na porta das casas e é comum ver cadeiras espalhadas, com moradores conversando ao longo das ruas. Os prédios eram restritos a alguns setores e tinham, no máximo, seis andares - como os da área tombada, nas asas Sul e Norte. Quem vive há muito tempo no Guará já prevê as mudanças que o adensamento populacional trará. A funcionária pública Rita de Cássia Lobo de Castro, 46 anos, mora no bairro há 38. Sua casa fica na quadra QE 30, ao lado do ponto com a maior concentração de prédios altos da cidade, a Avenida do Contorno. Ela teme que a conclusão dos novos edifícios provocará um caos no trânsito. "Hoje, já é difícil sair do conjunto. Imagina quando esses prédios de 25 andares estiverem prontos, não sei onde vai caber tanto carro, sem nenhum projeto de alargamento das ruas", reclama a servidora, que vive com o pai e dois filhos. A maioria das normas para construção no Guará foi definida com o Plano Diretor Local, aprovado em 13 de dezembro de 2006, no apagar das luzes do governo passado. Hoje, a altura máxima dos prédios na Avenida Central é de 36 metros, o equivalente a um edifício de 12 andares. No Setor de Oficinas Sul, às margens da via Epia e próximo ao ParkShopping, cada edificação não pode ultrapassar 34 metros e a maioria dos prédios em construção tem nove andares. Mas, na Avenida do Contorno, que abrange as chamadas áreas especiais do Guará, não existe limitação de altura. Os parâmetros foram determinados com base no coeficiente de aproveitamento, ou seja, os construtores podem ocupar um percentual de lote proporcional à área desse terreno - regra aplicada em Águas Claras. Assim, os empresários podem fazer prédios mais baixos e largos, ou edifícios bem mais altos e mais estreitos. As imobiliárias têm optado por essa última forma, que deixa mais área de terreno vazia, posteriormente destinada a espaços de lazer, com quadras, piscinas e churrasqueiras, o que valoriza ainda mais os imóveis. Atualmente, já são pelo menos 14 espigões em construção. Mas não faltam terrenos para novas edificações. Críticas A falta de limites para as construções é criticada até mesmo pelo próprio administrador regional da cidade, Joel Alves, que classifica como "absurda" a permissividade da lei atual. "Logo que assumi, chegou a mim um dos projetos desses arranha-céus e eu imediatamente vetei por ser contra. Mas depois descobri que a legislação permitia. Infelizmente, não posso indeferir a aprovação dos projetos, que são legais. Mas, como morador, sou totalmente contra a falta de limite de altura e a construção desses prédios", critica Joel. O administrador do Guará diz que o Plano Diretor Local é o grande culpado pelas mudanças de perfil da cidade. "A Câmara Legislativa, que aprovou esse PDL, agiu contra a comunidade do Guará. Só nos cabe trabalhar para tentar minimizar os transtornos, principalmente os de trânsito, com obras viárias", finaliza o administrador Joel Alves. O Ministério Público do Distrito Federal questiona na Justiça o PDL do Guará por conta das mudanças inseridas pelos deputados distritais durante a tramitação. No entendimento dos promotores, qualquer legislação que trate sobre o uso do solo só pode partir do Executivo. "A população não foi ouvida e a comunidade continua sendo ignorada na aprovação desses novos projetos de prédios altíssimos. No nosso entendimento, é inadmissível essa falta de controle da altura dos edifícios na Avenida do Contorno. Não há regras para essas edificações, o céu é o limite. Isso trará transtornos enormes para a população", explica a promotora Luciana Medeiros, da Promotoria de Defesa da Ordem Urbanística. A ação direta de inconstitucionalidade contra o PDL do Guará aguarda julgamento. Para GDF, há infraestrutura Para o Governo do Distrital Federal, o Guará tem infraestrutura suficiente para comportar o adensamento populacional. Este ano, mais uma estação do metrô foi inaugurada, a segunda na região. Os empresários veem a região como estratégica por conta de sua localização: ao lado do Plano Piloto e de Taguatinga e próxima a grandes centros comerciais. "O Guará é uma região nobre do Distrito Federal. No passado, já foi vista como uma área de baixa renda, mas hoje está consolidada como região de grande interesse da classe média. As pessoas estão comprando para morar e para investir", explica o presidente do Sindicato das Empresas da Construção Civil, Élson Póvoa. O presidente da Associação de Moradores do Guará, Severino Marques, torce para que o crescimento seja acompanhado de mais investimentos em infraestrutura. "Nosso grande temor é perder a qualidade de vida. O morador pacato, que chegou aqui há décadas, começa a se incomodar com esses prédios altos que estão surgindo. O trânsito já está complicado e tende a piorar", lamenta. Em nota, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (Seduma) informou que a elaboração do Plano Diretor "foi um processo participativo e para sua aprovação foram realizadas audiências públicas e debates com a participação da população". A Seduma explicou ainda que a altura das edificações leva em consideração aspectos técnicos como o coeficiente de aproveitamento e a taxa de permeabilidade. "Esses parâmetros são determinados pelos estudos técnicos, que antecedem a edição da lei do plano diretor", diz a nota da Seduma. Regras Os planos diretores locais, como o do Guará, não existem mais. Até a edição do Plano Diretor de Ordenamento Territorial (Pdot), cada cidade tinha seu próprio plano. A partir de agora, serão sete planos de desenvolvimento local, cada um abrangendo várias cidades vizinhas e com características semelhantes.

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