Cidades

Justiça bloqueia receita do Iguatemi

Terreno onde o centro de compras foi construído pertencia ao ex-senador Luiz Estevão e não poderia ter sido vendido sem autorização judicial. Decisão de penhorar um terço do faturamento é do Judiciário paulista, em resposta a uma ação movida pela AGU

postado em 18/08/2010 08:19
O shopping Iguatemi, no Lago Norte: bens serão bloqueados a contar da inauguração, em 30 de marçoA Justiça Federal de São Paulo determinou o bloqueio de um terço do faturamento mensal do Shopping Iguatemi de Brasília, a contar da inauguração do centro comercial de luxo, em 30 de março. A decisão é em resposta a uma ação de improbidade movida pela Advocacia-Geral da União (AGU), relacionada ao escândalo da construção do Fórum Trabalhista de São Paulo, que estourou no fim da década de 1990 (veja memória). O terreno de 90 mil m;, no Centro de Atividades do Lago Norte, onde o Iguatemi foi erguido, pertencia ao ex-senador Luiz Estevão e estava sub judice. Não podia, portanto, ser vendido sem autorização da Justiça. Cabe recurso da sentença.

O centro comercial em Brasília, que estima faturar R$ 250 milhões somente no primeiro ano de funcionamento, é administrado pela Iguatemi Empresa de Shopping Centers S.A. e pelas Organizações PaulOOctavio, do ex-vice-governador do Distrito Federal Paulo Octávio. As duas empresas, na avaliação da AGU e do Ministério Público Federal, se beneficiaram da alienação irregular do terreno, em março de 2007. Àquela altura, para garantir o ressarcimento aos cofres públicos dos valores desviados durante a construção do Fórum Trabalhista na capital paulista, a Justiça já havia decretado a indisponibilidade dos bens de todos os envolvidos no esquema, entre eles o terreno do Grupo OK no Lago Norte.

A transição imobiliária que resultou no Iguatemi era considerada irregular desde antes de ser concretizada. Os responsáveis pela negociação chegaram a tentar, com recursos na Justiça, reverter a situação. O Tribunal Regional Federal (TRF) da 3; Região decidiu, como alternativa, que as partes pagassem à União R$ 16 milhões, valor que poderia aumentar após avaliações do empreendimento. Os negociantes não efetuaram o pagamento e ainda decidiram erguer o shopping, que possui 170 lojas e criou 1,5 mil empregos. O centro comercial surgiu com a promessa de ser o mais luxuoso da região. A construção durou dois anos e quatro meses.

Diante do que a AGU considerou uma afronta à Justiça, veio a nova decisão da 12; Vara Federal de São Paulobloqueando um terço do faturamento mensal do shopping. ;As empresas envolvidas no negócio (do Iguatemi) praticaram uma série de operações fraudulentas. A indisponibilidade do terreno estava mantida, mas elas prosseguiram e inauguraram o shopping, em total afronta à Justiça;, disse ao Correio o advogado da União André Mendonça, diretor do Departamento de Probidade Administrativa e Patrimônio Público (DPP) do órgão. Caso o shopping recorra da decisão, Mendonça adiantou que a União recorrerá até a última instância.

Receita Federal
A AGU acionará auditores da Receita Federal para acompanhar os números do faturamento do Iguatemi, mês a mês. ;Isso devia fazer parte do risco do negócio. Elas sabiam do problema. O terreno estava há tempos posto em indisponibilidade pela Justiça. Os proprietários não podiam fazer nada sem autorização;, completou o advogado público. Somente este ano, de acordo com Mendonça, a AGU conseguiu bloquear quase R$ 350 milhões em bens referentes ao esquema fraudulento do Fórum Trabalhista de São Paulo. A dívida total com a União é de cerca de R$ 1 bilhão.

A reportagem entrou em contato com Luiz Estevão. Por telefone, ele repetiu a mesma frase quatro vezes: ;Qualquer pronunciamento a respeito desse assunto tem que partir do shopping;. O sócio do Grupo OK não quis entrar em detalhes sobre a operação realizada em 2007 nem respondeu se sabia que o terreno não poderia ser vendido sem autorização judicial. Por meio de nota, a Iguatemi Empresa de Shopping Centers S.A. limitou-se a informar que ;já adotou as medidas judiciais cabíveis;.

"Os proprietários não podiam fazer nada sem autorização"
André Mendonça, advogado da AGU



Memória
Desvios milionários

Em 1992, o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo iniciou licitação para construir o Fórum Trabalhista de São Paulo. A construtora Incal, de Fábio Monteiro de Barros Filho e José Eduardo Teixeira Ferraz, venceu o processo. Em junho daquele ano, o Tribunal de Contas da União começou a investigar a licitação. Três anos mais tarde, o tribunal informou à Comissão de Orçamento do Congresso Nacional que a obra apresentava irregularidades.

Em 1998, com 98% dos recursos liberados, apenas 64% do prédio estavam concluídos, de acordo com o Ministério Público. A obra, que consumiu R$ 234,5 milhões, foi abandonada um mês depois que o juiz Nicolau dos Santos Neto deixou a comissão responsável pela construção. Nicolau foi apontado como líder do esquema de corrupção que desviou R$ 169,5 milhões. Ele foi preso em 2000.

Atualmente, Nicolau cumpre pena em prisão domiciliar. Uma CPI para investigar a obra, em 1999, mostrou que houve pagamentos das empresas de Monteiro de Barros para o Grupo OK, de Luiz Estevão. Em 2001, Monteiro de Barros, Teixeira Ferraz e Luiz Estevão chegaram a ser presos, acusados de estelionato, formação de quadrilha, peculato e corrupção, mas conseguiram habeas corpus. (DA)

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