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Cliente paga a mais por bebidas em bares do DF

Teste realizado em oito bares do DF por blogueiro da cidade mostra que, em sete deles, o cliente bebe menos líquido do que o anunciado nos cardápios

postado em 06/09/2010 07:42
O colarinho do chope sempre foi motivo de divergência entre apreciadores da bebida. Isso até a terceira ou a quarta tulipa, já que depois disso ninguém mais repara. O debate é polêmico e capaz de despertar posições radicalmente opostas. Enquanto os defensores do chamado creme do chope justificam a importância da espuma para a retenção do gás, manutenção da temperatura, conservação do sabor e do aroma, os do contra alegam que o colarinho toma um espaço que eventualmente poderia ser ocupado por mais líquido. Com ou sem colarinho, a grande questão é: será que o consumidor está realmente bebendo a quantidade pela qual está pagando?

O blogueiro Sérgio Camargo, 43 anos, ficou surpreso quando os garçons do Boteco, na 406 Sul, recusaram-se a oferecer o chope sem o creme a um amigo. ;Eu adoro colarinho, não bebo cerveja nem chope que não tenha pelo menos dois dedos. Mas fiquei com a imagem do garçom negando a bebida sem espuma na cabeça e resolvi fazer um teste para saber se os copos realmente têm os 300ml prometidos;, conta Sérgio, que, embora não exerça a profissão, é formado em engenharia eletrônica pela Universidade de São Paulo (USP).

Para realizar a experiência, primeiro ele desenvolveu uma metodologia simples. ;Peguei uma lata de cerveja de 350ml e pesei apenas o líquido. Deram 349 gramas exatas. Isso quer dizer que a proporção é de aproximadamente um para um, ou seja, cada 100ml da bebida pesam 100g;, explica Sérgio. Em seguida, ele saiu para bares, restaurantes e choperias do Distrito Federal munido de uma máquina fotográfica e de uma balança digital. ;Pesei o copo cheio e vazio, e descontei a diferença. Não levei em consideração a quantidade do colarinho porque a espuma pesa quase nada, é gás;, justifica.

Foram visitados oito estabelecimentos, escolhidos aleatoriamente, entre os que Sérgio tem costume de frequentar ou os mais próximos a sua casa, em Águas Claras. Em 11 de agosto, o resultado foi publicado em seu blog, acompanhado de um vídeo postado no YouTube e que, até a última sexta-feira, já contava com mais de 3 mil acessos. A repercussão não foi por acaso. De acordo com o teste, com exceção do Boteco do Chopp, todos os outros sete estabelecimentos serviam menos do que o anunciado (leia em Quantos mililitros tem um copo de chope?). Entre eles, em quatro locais (50% do total visitado), a quantia servida era menor ou igual a 250ml. ;A conclusão é que quando o chope vem sem colarinho, o volume do líquido realmente é maior, mas fica horrível. Cheguei a sugerir a alguns restaurantes fazerem como o Boteco, que anuncia no cardápio 200ml, mas serve em média 270ml. Mesmo assim, o chope ainda é muito caro. Se o cliente paga R$ 4,50 por uma média de 250ml, então o chope custa R$ 18 o litro, muito mais caro do que cerveja de 600ml;, analisa.

Metodologia
Alguns bares citados na matéria, ao serem consultados pelo Correio, alegaram que o teste contém erros de metodologia, já que Sérgio comparou duas bebidas diferentes (cerveja e chope), que não possuem a mesma densidade. Outros mencionaram problemas nos equipamentos utilizados, como a balança, que mede massa, em vez de proveta, para medir volume. A pedido da reportagem, o engenheiro químico e cervejeiro Klecius Celestino, coordenador de gastronomia do Centro de Excelência em Turismo da Universidade de Brasília (UnB), leu o texto publicado por Sérgio e fez algumas considerações. ;A princípio, não existe diferença de densidade entre o chope e a cerveja. O que existe é uma sensação de que o chope é mais leve devido às características sensoriais;, esclarece.

No entanto, ele avalia que a metodologia usada por Sérgio não é a mais adequada para medir o volume. ;O local onde a balança é colocada deve ser nivelado e ausente de correntes de ar para não haver interferência nos valores. Além disso, não há garantia de que o volume da latinha, tomado como base para início da investigação, era mesmo de 350ml, pois durante o envase industrial pode haver variação. E, ao usar a bebida da lata, pode ter ficado uma pequena quantia do líquido dentro do recipiente, já que o formato da embalagem proporciona isso;, pondera Klecius, que não invalida o resultado do teste.

;Embora o recomendado para um bom consumo sejam dois dedos de espuma, o que se observa é o desrespeito ao cliente em relação ao volume. Usam o argumento da espuma e servem quase a metade em colarinho. Em alguns países, é exigida a marca do volume no copo. Dessa forma, coloca-se a bebida até a marca e depois completam com a espuma, não deixando dúvidas sobre a quantidade de líquido servido;, detalha.

Ele alerta, no entanto, que o mais adequado seria um teste volumétrico, com o uso de uma proveta graduada em temperatura padrão (20;C). O professor de química da Universidade de Brasília Marcelo Sousa e o professor da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Waldemar Venturini também consideram mais apropriado o teste com esse equipamento (leia em Faça o teste). No entanto, eles acreditam que a metodologia usada por Sérgio possa trazer números bem aproximados e, portanto, indicar que o consumidor está realmente sendo lesado, tendo em vista as grandes diferenças apontadas na ;pesquisa;.

O Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) informou que ainda não há regulamentação para o assunto, o que impede a fiscalização. Em setembro do ano passado, o instituto abriu uma consulta pública sobre a proposta de texto do Regulamento Técnico Metrológico que estabelece as condições que deverão ser observadas na fabricação dos recipientes utilizados na venda de bebidas para consumo imediato. ;Assim como ocorreu com a criação do Padrão Brasileiro de Plugues e Tomadas, o Inmetro está avaliando a forma e o momento adequados para a implementação de tal regulamentação, de maneira que haja o menor impacto possível para a relação entre o consumidor, a indústria e os setores de bares e restaurantes. Na ocasião de sua implementação, a adoção da medida será amplamente divulgada;, informou o Inmetro por meio de sua assessoria de imprensa.


FAÇA O TESTE
Experimento sugerido pelos professores Marcelo Sousa (UnB) e Waldermar Venturini (Unesp): peça um copo de chope. Espere a espuma desaparecer e se integrar ao líquido. Em seguida, meça a quantidade do líquido em uma proveta graduada. Para tanto, a bebida deve estar em temperatura padrão, ou seja, 20;C. Nesse caso, além da proveta, será necessário o uso de um termômetro. Outra sugestão mais caseira ; e não tão exata ; é substituir a proveta por um medidor de ingredientes, encontrado nos supermercados.

Teste realizado em oito bares do DF por blogueiro da cidade mostra que, em sete deles, o cliente bebe menos líquido do que o anunciado nos cardápiosQuantos mililitros tem um copo de chope?

Confira abaixo o resultado do teste realizado por Sérgio e as respostas dos respectivos estabelecimentos.

; Bar do Ferreira (Águas Claras) ; Foi o bar com resultado pior. Uma taça de chope pesou 214g (apenas o líquido), ou seja, cerca de 215ml. No cardápio, são vendidos 300ml.

; Armazém do Ferreira (202 Norte) ; O chope é servido com cerca de 230ml, mas vendido como se tivesse 300ml.

Resposta da rede
;A polêmica provocada pelo teste envolve um certo desconhecimento sobre os métodos para se servir um bom chope cremoso. Não vendemos o líquido, mas o chope, que é uma composição perfeita de líquido e CO2, que dá leveza à bebida. E para se obter um bom colarinho, é preciso ;sangrar; ; deixar escorrer para fora do copo uma boa quantidade da bebida.;

; Boteco do Chopp (Águas Claras Shopping) ; Não mencionam a quantidade servida. O mais caro, caldereta, vem com cerca de 286ml, um dos mais volumosos do teste. Se vier sem colarinho, passa facilmente dos 300ml.

Resposta
;O Boteco do Chopp agradece a pesquisa e informa que o cliente pode fazer a escolha de como prefere beber seu chope: com ou sem colarinho ou cremado.;

; Armazém do Juca (Águas Claras) ; O chope vem com cerca de 240ml, 20% menos do que os 300ml mencionados no cardápio.

Resposta
O Armazém do Juca tem interesse em atender os seus clientes por meio de um serviço de qualidade. Segundo esta premissa, o chope vendido em nosso estabelecimento é servido em tulipas com capacidade de 300ml, sem nenhum prejuízo aos nossos consumidores.

; Boteco (406 Sul) ; Anuncia chope com 300ml, mas serve em média 270ml. A casa não oferece chope sem colarinho.

Resposta
;O Boteco só tem a agradecer pela iniciativa do cliente, que vem confirmar a mesma pesquisa feita em Recife por outro freguês do primeiro Boteco, em 1999.;

; Galeteria Mineira (Taguatinga Shopping) ; Foram servidos cerca de 245ml por copo. No cardápio, vendem 300ml.

Resposta
;Nossa tulipa corresponde à quantidade expressa no cardápio. No entanto, é servido o chope com colarinho para que seja preservado o gás da bebida, mantendo a qualidade do produto até o fim do seu consumo. O cliente tem direito a pedi-lo sem espuma.;

; Kitai Sushi (Águas Claras) ; Foram servidos em torno de 286ml de chope, mas o cardápio vende 300ml.

Resposta
;No Kitai, respeita-se o gosto do cliente, servindo o colarinho conforme o pedido. Utilizamos a taça, cuja quantidade indicada na embalagem (caixa) e nos selos (fundo do copo) pelo fabricante é de 300ml. Se a discussão é se o colarinho deve ou não ser considerado nessa medida, informamos que para servir três dedos de espuma, gasta-se muito mais líquido que no copo sem o creme.;

; Mini Kalzone (Taguatinga Shopping) ; O chope é bem tirado e o colarinho, cremoso. Mas só são servidos cerca de 250ml.

Resposta
A rede argumentou que a densidade, a temperatura e a quantidade de gás presentes na bebida influenciam no cálculo, o que faz variar o resultado da equação de acordo com cada líquido analisado.

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