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Confira entrevista com acusado de liderar grupo de extermínio no Entorno

O oficial falou pela primeira vez ao Correio desde o início de uma série de reportagens sobre o assunto, em maio de 2009. Negou todos os crimes de que é acusado e diz ter matado apenas "marginais" e em serviço

Renato Alves
postado em 27/09/2010 07:41
O major Ricardo Rocha Batista carrega a fama de ser o maior matador da Polícia Militar de Goiás na atualidade. Título dado pelo Ministério Público e pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia do estado. O oficial e homens sob seu comando teriam tirado a vida de cerca de 100 pessoas. Muitas, de forma covarde, criminosa, segundo promotores de Justiça, investigadores da Polícia Civil e coronéis da Auditoria Militar. Por isso, ele responde a cinco inquéritos criminais, foi indiciado pela corregedoria da sua corporação, acabou afastado do comando do 16; Batalhão (Formosa) e teve a prisão pedida há duas semanas. O major nega os crimes. Diz ter matado apenas ;marginais;, durante o serviço. ;Sempre atirei e matei em confronto;, ressalta. ;Entre o bandido e o policial, que vá o bandido;, completa. Ricardo Rocha falou pela primeira vez ao Correio desde que o jornal iniciou série de reportagens sobre ação de grupo de extermínio no Entorno, em maio de 2009. Na entrevista, ele afirmou ser perseguido por promotores e vítima de uma briga política por ter se lançado candidato a deputado estadual na chapa do pretenso governador de Goiás, Vanderlan (PP), que tem como vice Ernesto Roller, ex-secretário de Segurança Pública. O oficial gaba-se de ter votos suficientes para ocupar uma vaga na assembleia estadual, o que lhe daria também foro privilegiado e atrasaria seus processos. E admite ter campanha financiada por fazendeiros, que o MP acusa de financiar matança promovida por ele.


;Sempre atirei e matei em confronto;

O senhor sempre alegou que o senhor ou seus comandados mataram apenas bandidos perigosos que estavam atirando. Em Formosa, por exemplo, a maioria das vítimas não respondia por delitos graves e morreu com ao menos um tiro na cabeça. Como explica isso?

Nos três anos como comandante em Formosa, nós tivemos cinco confrontos com mortes. Assumo os confrontos com marginais, devidamente registrados em boletins de ocorrência da Polícia Civil.

Os laudos cadavéricos da maioria das vítimas que o senhor chama de marginais e diz ter reagido em confrontos mostram que elas foram atingidas pelas costas, com tiros à queima-roupa, em sinal de execução, e a Polícia Civil nunca concluiu um desses inquéritos.
Quando assumi o batalhão de Formosa, havia 12 homicídios por mês. Ao sair, quatro meses atrás, eram dois. Como temos grupo de extermínio em Formosa se a taxa de homicídio caiu?

O grupo de extermínio seria formado por policiais militares. PMs admitem ter tirado a vida de 10 das 48 pessoas assassinadas em 2008 na cidade. Outros cinco casos ocorreram em 2007.
Se a polícia extermina, os crimes aumentam, mas os números fizeram cair.

Esses números são da própria PM. Aliás, em dezembro de 2008, jovens e adolescentes acabaram executados com tiros na cabeça por homens encapuzados. Outro caso igual ocorreu em fevereiro de 2009. Em todos, os autores agiram em dupla e usaram pistolas, armas idênticas às restritas à polícia.
Isso é uma inverdade. O que assumimos foram os confrontos. Quais foram os confrontos? Ladrões de Brasília foram a Formosa roubar carros. Um deles, num restaurante à beira da estrada (BR-020).

Nesse caso que o senhor cita, o laudo cadavérico mostra que o suspeito morto levou um tiro à queima-roupa, em local ermo e ainda apresentava fraturas múltiplas, sinal de que houve mais que um tiroteio.
Essa ocorrência não foi minha, foi de policiais nossos.

Quando o senhor comandou a Rotam (Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas), de 2003 a 2005, período em que a PM mais matou na capital do estado, foram registrados 117 homicídios em Goiânia, cuja autoria é atribuída a PMs, a maioria da Rotam. Por que se matou tanto?
São ocorrências legítimas, em confrontos contra marginais, ladrões de carro, de banco. A Rotam vai muito para a rua e Goiânia tem muitos crimes. Só roubos de veículos, são 35 por dia. Se há crime, há polícia e há confronto. Mas não concordo com a afirmativa de que foi o período em que a PM mais matou.

Os números fazem parte das estatísticas da Polícia Militar de Goiás.
Não acredito nesses números.

Quando o senhor assumiu o batalhão de Formosa, a unidade aumentou de quatro para 16 o número de carros e ganhou até um dos três helicópteros alugados pela PM goiana. Isso mostra seu prestígio com o então secretário de Segurança Pública, Ernesto Roller?
Nós tínhamos um helicóptero em Formosa não porque era a terra natal do secretário de Segurança, era questão de estratégia. Formosa é ponto de abastecimento (produção agrícola e trânsito de veículos com carga), está localizada próximo do Entorno Sul e do nordeste do estado. Fui convidado (a assumir o batalhão de Formosa) pelo Ernesto Roller. Eu estava em Rio Verde, onde morava com a minha família.

O senhor deixou Rio Verde após o Ministério Público o acusar de liderar uma chacina na cidade, quando era subcomandante do batalhão local, em 2003. Cinco pessoas teriam sido assassinadas de uma vez, à beira de um córrego, e estavam todas rendidas e desarmadas, segundo processo.
Isso não é fato. Tivemos uma fuga em massa da cadeia pública de Rio Verde, a Polícia Militar compareceu e teve um confronto com cinco marginais. Eles estavam armados. Mas eu nunca fui ouvido nesse processo, nunca dei a versão nossa. Tenho convicção de que fizemos nosso trabalho.

É uma política da PM goiana atirar sempre? Não há um treinamento para evitar o confronto, a morte?
A polícia de Goiás é firme. Toda ocorrência em que há confronto tem que ser ferido um policial? Que seja ferido o criminoso. Entre o bandido e o policial, que vá o bandido. Essa é minha postura.

Nos confrontos citados, nunca um policial saiu ferido e todos os suspeitos foram mortos. O policial sabe atirar melhor?
Isso. Eu mesmo não tenho responsabilidade por crimes fora do serviço. Sempre atirei e matei em confronto.

O senhor é acusado de pistolagem, de ter matado um cidadão em Rio Verde, usando touca de bandido e atirando da garupa de uma moto.
Respondo a esse processo, mas nunca fui ouvido no inquérito. O Ministério Público fez o processo e mandou para o juiz.

Por que o senhor foi a Flores de Goiás e ofereceu os serviços do grupo de militares do batalhão de Formosa aos produtores rurais de uma região fora da sua área de atuação?
Flores não está fora da minha área de atuação, Alvorada do Norte, sim. Eu tinha um conjunto de ocorrências de roubo na região e pedi para que o meu comandante em Flores reunisse as pessoas. O padre, o prefeito e os pecuaristas estavam presentes à reunião. Levei uma viatura de Formosa apenas para dizer, mas não tínhamos o efetivo para policiamento noturno. O prefeito assinou o convênio.

Mas o prefeito negou, esta semana, ter assinado tal convênio.
Mentira. O convênio está lá na Secretaria de Segurança Pública. Ele se comprometeu a pagar as horas extras dos militares e eu coloquei a viatura para rodar.

E por que esse serviço chegou a Alvorada do Norte, onde não era sua área de atuação?
Entre Flores e Alvorada tem uma rodovia. A viatura ia até a rodovia e voltava, mas os roubos eram praticados por indivíduos de Alvorada. Tínhamos uma média de 20 roubos por mês em Flores. Indivíduos chegavam armados, rendiam todos e roubavam caminhonete, armas e gado.

Em 26 de fevereiro, logo após o início desse serviço, três jovens de Alvorada foram sequestrados e dois apareceram mortos, um deles com 28 tiros. Seriam suspeitos de furto de gado na região. Inquérito Policial Militar (IPM) diz haver provas contra o senhor e 10 outros militares no rapto e execução.
Há uma perseguição à minha pessoa por parte do Ministério Público há muitos anos. Esse inquérito foi feito pelo Ministério Público, os dois inquéritos, da PM e da Polícia Militar. Das 1,2 mil páginas do IPM, 1,1 mil são um dossiê do MP. Espera aí: estão investigando a minha vida ou o fato?

Em meio aos indiciamentos, o senhor decidiu se candidatar a deputado estadual. Por quê?
Eu saí de Formosa e fui embora para Goiânia (afastado do cargo pelo comando do PM). Recebi um convite do comando da corporação para sair candidato.

E por que o senhor decidiu trocar a polícia pela política?
Entrei pela necessidade da área de segurança pública de ser representada e também para representar o cidadão de bem que clama por segurança. Também da necessidade de representar o direito dos policiais militares. A população está cansada de direitos humanos perturbando a polícia, de Ministério Público perseguindo PMs. Sempre tive uma postura enérgica por onde passei, de não deixar bandido tomar conta da cidade. Tanto que a marca da minha campanha é tolerância zero contra o crime.

Quem financia a campanha eleitoral do senhor?
Empresários, comerciantes, produtores rurais, amigos de Rio Verde, de Goiânia, de Formosa. O presidente do Sindicato Rural de Cabeceiras, pessoalmente, me doou R$ 1 mil.

Veja o vídeo da entrevista do major Ricardo Rocha


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