Cidades

Máfia chinesa usa bebês para conseguir cidadania brasileira

Casal de asiáticos detido com outros 28 comerciantes ilegais, na última quarta-feira, na Operação Hai-Dao, criava uma menina brasileira como se fosse filha deles. Expediente é utilizado por imigrantes para legalizar a permanência no país

Renato Alves
postado em 14/11/2010 07:35

Policiais civis brasilienses conseguiram comprovar uma suspeita que recaía contra imigrantes chineses moradores do Distrito Federal. Muitos usam bebês para permanecer no país e continuar vendendo produtos piratas trazidos pela máfia baseada em São Paulo. Na Operação Hai-Dao, deflagrada na última quarta-feira, os agentes encontraram uma criança de 9 anos criada por um casal de estrangeiros como se fosse filha deles. Na verdade, a menina havia sido abandonada pelos pais biológicos, asiáticos, e acabou levada por outros com a intenção de facilitar a residência deles no país, pois ela nasceu no Brasil. A garota está sob a tutela da Vara da Infância e da Juventude e deverá ser encaminhada para adoção legal.

Chinês preso pela Polícia Civil na operação: falsificação de produtos e formação de quadrilha são os crimes nos quais se enquadram os envolvidosOs falsos pais da menina de traços asiáticos e cidadania brasileira estão entre os 30 chineses detidos por pirataria e formação de quadrilha na ação de quarta-feira. Todos viviam de forma regular no país, graças à anistia concedida pelo governo federal no ano passado (veja Memória). Agora, devem ser expulsos do Brasil por quebrar uma das regras do benefício ao se envolverem com crimes. A Secretaria Nacional de Justiça já instaurou processo para punir o bando. Apontados como líderes da quadrilha, dois deles continuam presos. Até então, nunca havia sido instaurado procedimento administrativo que poderia resultar na expulsão de estrangeiros devido à venda de produtos falsificados.

O caso da menina ficou evidente devido à confissão dos pais adotivos. Responsáveis pela investigação sobre a máfia chinesa no DF, agentes e delegados da Divisão de Combate ao Crime Organizado (Deco) suspeitam que o uso de bebês e crianças seja corriqueiro entre os piratas. Por isso, estão checando a documentação dos adultos detidos e das crianças que vivem com eles. ;Pode, sim, haver outros casos. Assim que detectarmos, vamos comunicar à Vara da Infância e da Juventude e ao Ministério da Justiça;, afirma o delegado Giancarlos Zuliani Jr., da Deco.


Apenas 1% dos 411 chineses cadastrados regularmente em Brasília pela Polícia Federal no ano passado tinham visto de negócios ou turismo. Mais de 350, o correspondente a 90%, conseguiram o carimbo para ficar no Brasil graças ao suposto filho brasileiro. Esses só procuraram a PF em casal, para pedir o visto de permanência, com o bebê no colo. Apresentaram passaporte sem o carimbo de entrada no país ou uma segunda via do documento, confeccionada na Embaixada da China, com a alegação de ter perdido a anterior. Para os agentes, esse é um forte indício de que estavam ilegais na cidade.

Conexão goiana
Homens e mulheres asiáticos são vistos com as crianças em qualquer ponto do Cruzeiro Novo, onde moram em apartamentos alugados, e da Feira dos Importados, onde se estabeleceram com a venda de produtos falsificados. Além da apuração da Deco no DF, a Superintendência da Polícia Federal em Goiás investiga, há três anos, fraude em registros de crianças e de paternidade. Os agentes suspeitam que o esquema beneficie orientais que moram em todo o país. Em junho de 2008, o corpo de um bebê chegou a ser exumado para coleta de DNA e comprovação da paternidade. Quatro casos foram confirmados e outros seis são apurados.

Presos em julho de 2007 por vender bolsas falsificadas, a chinesa Huang Yu Xin, 30 anos, e o marido dela, Hianyue Wang, 47, são apontados como responsáveis por encontrar e convencer pais dispostos a deixar os filhos serem registrados em nome de terceiros para que estes possam legalizar a permanência no Brasil. Os dois receberiam US$ 8 mil (cerca de R$ 16 mil) por registro falsificado.

Policiais federais desconfiaram do esquema por causa da presença constante do casal chinês na Delegacia de Imigração da PF em Goiânia. A exemplo de Brasília, também é crescente o interesse de chineses por Goiânia, onde já são mais de 4 mil.

Menina morta
A pedido da PF, em 6 de junho de 2008, foi feita a exumação do corpo de Vitória Wang. Ela morreu em Goiânia com menos de um mês de vida. A menina havia sido registrada em nome da mãe biológica Alzhen Chen e de pai falso, Xianyue Wang, que substituiu Ye Min Fei na certidão de nascimento. Alzhen Chen morreu após o parto de complicações decorrentes de eclâmpsia.

O caso de Vitória é um dos quatro em que foi comprovada a falsidade ideológica. A PF começou a investigar o esquema após denúncia da tia de Vitória. Ela e a mãe da menina trabalharam por dois anos para Huang Yu Xin e Hianyue Wang, o casal suspeito de liderar o esquema criminoso.

Condições degradantes

Apesar de movimentarem uma fortuna, os chineses que trabalham na Feira dos Importados vivem em situações degradantes. Na Operação Hai-Dao, os policiais estiveram nas residências dos 30 asiáticos investigados. Em todas, encontraram famílias inteiras morando em apartamentos apertados em meio a milhares de mercadorias piratas trazidas de São Paulo pelos líderes da quadrilha em Brasília. ;Os agentes se depararam com chineses dormindo sobre caixas de papelão, pois não havia espaço para móveis nos cômodos;, contou o delegado Giancarlos Zuliani Jr., da Divisão de Combate ao Crime Organizado (Deco).

As condições de vida dos chineses atraíram as atenções de investigadores em setembro. Na época, vizinhos de um grupo deles, moradores de um dos blocos do Cruzeiro Novo, chamaram a polícia por causa da falta de higiene dos asiáticos. Os estrangeiros acumulavam sujeira dentro e fora do apartamento, atraindo ratos e outros animais. Ao entrarem no imóvel, agentes encontraram milhares de produtos piratas embalados em caixas. Dois chineses acabaram presos em flagrante por causa da falsificação. Permaneceram na cadeia por um mês e ainda respondem a processo.

Nem os dois nem os 30 compatriotas detidos na quarta-feira tinham algum patrimônio, como carro ou moto. Prova de que quase todo o dinheiro arrecadado com a pirataria vai para os chefões, em São Paulo. No Cruzeiro Novo, os chineses moram em imóveis alugados por emissários dos líderes da quadrilha. De lá até a Feira dos Importados são apenas 500 metros, sem grandes obstáculos. Com isso, os produtos pirateados são levados ao centro comercial em carrinhos de mão ou nas costas pelos asiáticos. Eles precisam apenas atravessar a passarela sobre a Estrada Parque Indústria e Abastecimento (Epia). De terça-feira a domingo, fazem a travessia em pequenos grupos, antes das 9h e após as 18h ; quando abre e fecha a feira, que não funciona às segundas.

Para saber mais

Legalização
Há uma variedade de situações que permitem a legalização de estrangeiros no Brasil, conforme o Estatuto do Estrangeiro. Algumas delas são: anistia, refúgio, asilo político, pedido de permanência baseado em filho brasileiro ou casamento com cidadão brasileiro.

Bancas ficam interditadas

; ANA CLÁUDIA FELIZOLA


As lojas interditadas pela Polícia Civil com a Operação Hai-Dao continuam sem funcionar na Feira dos Importados. Um papel colado e com identificação da Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis) indica o motivo: ;Interditado em razão de descumprimento de exigência legal ; Lei n; 4.457/2009, artigo 21, inciso III e parágrafo 1;;, em referência à lei que trata da licença para funcionamento de atividades econômicas no DF. A operação culminou na detenção de 30 comerciantes chineses e na apreensão de cerca de 40 mil produtos piratas.


Na tarde de ontem, diversas lojas de vendedores asiáticos continuavam funcionando normalmente. Uma mulher, que não quis se identificar, aproveitou o espaço à frente da banca interditada para vender brinquedos. ;Vi fechado e estou vendendo, mas não sei de quem é;, garantiu. A Feira tem 2.085 bancas ; 141 delas em nomes de estrangeiros, a maior parte chineses. ;A direção da feira não vai apoiar a ilegalidade para defender uma minoria de pessoas com esse tipo de atividade;, apontou o presidente da Cooperativa dos Feirantes da Feira dos Importados (Cooperfim), Absalão Ferreira Calado.

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