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Secretaria de Transparência é aposta de Agnelo para por freio na corrupção

Secretário da pasta diz que vai apurar com rigor contratos da Saúde, cujas irregularidades já foram detectadas pela nova equipe

Helena Mader
postado em 10/01/2011 07:39
Secretário da pasta diz que vai apurar com rigor contratos da Saúde, cujas irregularidades já foram detectadas pela nova equipeEm uma cidade ainda traumatizada e envergonhada por conta dos escândalos políticos recentes, o trabalho de combate à corrupção tem uma importância ímpar. Por isso, a recém-criada Secretaria de Transparência e Controle é uma das apostas do governador Agnelo Queiroz para recuperar a credibilidade do Governo do Distrito Federal. O petista buscou no governo federal um técnico de carreira para comandar a nova pasta. Chegou ao nome de Carlos Higino Ribeiro de Alencar, oriundo da Corregedoria-Geral da União e da Receita Federal.

Com um currículo acadêmico extenso e pesquisas na área de corrupção, Carlos Higino chega ao governo com a difícil missão de controlar irregularidades no GDF, como casos de mau uso do dinheiro público, fraudes e desvios. Ele garante ter carta branca do governador para investigar e punir todos os servidores que desrespeitarem a lei, sem distinção de partidos ou padrinhos políticos. Além de controlar os gastos da nova gestão, o secretário de Transparência terá outra espinhosa missão: retomar os processos em andamento e abrir novos procedimentos para punir todos os servidores e empresas envolvidos na Operação Caixa de Pandora. ;O lado repressivo é muito importante porque dá o caráter dissuasório. Se o servidor vê que o colega praticou um ilícito e não aconteceu nada com ele, se sente livre para cometer fraudes também;, justifica Carlos Higino.

As áreas de saúde e da tecnologia da informação, conhecidos focos de corrupção no GDF, terão prioridade nas auditorias. O novo secretário também quer reformular o Portal da Transparência, para dar publicidade a todos os gastos das outras pastas, das administrações regionais e das empresas públicas. ;Jamais teremos quantidade de auditores suficiente para controlar cada gasto do governo e essa participação dos cidadãos é essencial;, diz.

Seu objetivo é que os brasilienses acompanhem de perto as despesas realizadas para cobrar das autoridades um bom uso do dinheiro público. O novo portal também trará informações sobre os servidores do GDF, para que funcionários fantasmas sejam descobertos e denunciados pela população. Para receber denúncias, a Secretaria de Controle vai reestruturar e valorizar a Ouvidoria.

Entre os problemas já identificados pelos técnicos da nova pasta estão obras realizadas por meio de acordos verbais e contratos grandes que eram fiscalizados por funcionários da própria empresa contratada pelo GDF. Carlos Higino também promete lutar contra a banalização dos contratos emergenciais. ;Eles são uma porta aberta para a corrupção. Não é possível que esse instrumento legal seja usado para fugir da licitação;, finaliza.

Capacitado
O novo secretário é bacharel em economia pela Universidade de São Paulo e em direito, pela Universidade Federal do Ceará. Tem ainda mestrado em direito constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público. Higino já foi chefe da Corregedoria da Receita Federal em Belém, em Fortaleza e em Brasília e também já atuou como chefe-adjunto da Corregedoria-Geral da União. Desenvolve trabalhos acadêmicos na área de corrupção e sua dissertação de mestrado, sobre esse assunto, foi premiada em um concurso de monografias.

O senhor vai assumir o trabalho de combate à corrupção logo após uma série de escândalos políticos. Será difícil recuperar a credibilidade do governo?
Temos uma tarefa gigantesca pela frente. Mas não posso ter uma visão inocente e dizer que vou acabar com a corrupção, porque ela sempre existirá. Ela persiste até em países desenvolvidos e em sociedades mais estabilizadas que a nossa. Não estou aqui para bravatas, para dizer que vou colocar um fim nas irregularidades, mas certamente teremos outro patamar de controle e posso garantir que vamos manter uma vigilância constante. Nossa meta é fechar várias torneiras da corrupção, tentar dar mais transparência aos gastos públicos e garantir que os casos de desvios ou mau uso de dinheiro público sejam punidos. Nas próximas semanas, o governador vai anunciar o Plano de Transparência e Combate à Corrupção, com todas as diretrizes para o nosso trabalho.

Qual a missão da Secretaria de Transparência e Controle? O que muda com relação ao trabalho da antiga corregedoria?
Além das funções da Corregedoria, haverá uma ampliação do trabalho. A ouvidoria de todo o DF virá para a secretaria. Para cumprir nossas novas missões, foram criadas duas subsecretarias: uma de transparência e outra de prevenção à corrupção.

Que novidades vocês pretendem implantar a partir de agora?
A sociedade deve ter a possibilidade de acompanhar cada vez mais os gastos públicos. Jamais teremos quantidade de auditores suficiente para controlar cada gasto e essa participação dos cidadãos é essencial. Isso foi feito no governo federal e trouxe, inclusive, ônus políticos. No caso dos cartões corporativos, o governo teve que cortar na própria carne. Qualquer pessoa podia acessar a internet e ver o que cada ministro havia comprado, onde havia jantado, que despesa havia executado. Isso permitiu que casos de mau uso do dinheiro público aparecessem. Queremos aumentar a transparência para que todos saibam o que está acontecendo e para que, assim, o gestor público se sinta mais controlado.

Alguns casos com potencial de causar escândalos políticos poderão vir à tona durante a realização de auditorias. Isso não preocupa integrantes do governo?
O governador Agnelo me deu a orientação de buscar o máximo de transparência possível e me deu carta branca para trabalhar. O gestor tem o dever de prestar contas, não é nada opcional. Nos casos em que houver desvios ou má utilização de recursos, é dever do administrador dar explicações. Ele está aqui para prestar serviço à sociedade e tem que esclarecer sua atuação. Teremos liberdade para agir e combater a corrupção em todos os âmbitos do governo. Essa foi uma condição para eu aceitar o cargo.

Em 2010, foi criado o Portal da Transparência do DF, para cumprir uma exigência legal. Mas as informações são de difícil acesso e nem todos os gastos são incluídos no sistema. A secretaria pretende ampliar esse site?
Vamos reformular e melhorar o portal, que está desatualizado. Essa será uma das nossas principais missões: coletar informações e disponibilizá-las ao público de uma forma clara e compreensível. Os dados têm que ser mais acessíveis. Hoje, tudo é publicado no Diário Oficial do DF, mas nossa meta é fazer com que as pessoas consigam acompanhar os gastos do governo de maneira clara e fácil.

Que informações serão divulgadas no portal?
Vamos colocar dados sobre compras e servidores, por exemplo. O governador já constatou que há um descontrole grande dos cargos públicos. Os técnicos da nova gestão não conseguiram nem sequer saber quantos comissionados existem hoje, sabe-se que é algo entre 19 mil e 22 mil. É preciso saber quem está ocupando cargos públicos. Essa divulgação vai ajudar até mesmo a controlar a existência de servidores fantasmas, já que a população poderá monitorar quem está de fato trabalhando e fazer denúncias. Com a reformulação da Ouvidoria, vamos receber esses casos e analisá-los com rapidez.

Como a secretaria pode trabalhar para acabar com essa farra de cargos?
O governo vai fazer uma ampla reforma administrativa, com extinção de cargos e melhoria de alguns postos. Se o ambiente de trabalho for desorganizado, com indefinições acerca dos cargos e das funções, isso colabora para corrupção. Outro ponto para evitar a má utilização do dinheiro público é a simplificação dos processos na gestão administrativa. Quando se simplifica os trâmites, a chance de algum servidor corrupto pedir propina para vender facilidades fica muito menor. A burocracia é uma grande aliada da corrupção.

De que forma o senhor pretende agir com relação aos escândalos políticos iniciados na gestão passada? Vocês vão continuar a investigar os envolvidos?
Das informações iniciais que tive, nenhum servidor do DF foi punido administrativamente por conta de irregularidades relacionadas à Caixa de Pandora. Foi um escândalo sem dimensões, que certamente contou com o envolvimento de servidores. Ainda há processos por instaurar e precisamos avançar na punição tanto de funcionários do governo como de empresas. Algumas já deveriam ter sido proibidas de contratar com o GDF por conta de irregularidades e fraudes, mas isso nunca foi feito.

A secretaria pretende punir com mais rigor os servidores envolvidos em fraudes a partir de agora?
O lado repressivo é muito importante porque ele é que vai dar o caráter dissuasório. Se o servidor vê que o colega praticou um ilícito e não aconteceu nada com ele, se sente livre para cometer fraudes também. Então, uma das nossas grandes metas é punir de fato quem cometer desvios. Mas tudo será feito com direito à ampla defesa e ao contraditório. Não somos um tribunal de exceção e não existirá nenhuma caça às bruxas.

Algum setor terá prioridade nas auditorias?
O governador já definiu que a Saúde será prioridade. Já encontramos focos de problemas e de corrupção nesse setor e também na área de tecnologia da informação. Esses dois segmentos, que foram o foco da Caixa de Pandora, terão atenção especial da Secretaria de Transparência. Vamos fazer auditoria nos contratos e abrir processos disciplinares, com apuração rígida. Não adianta apenas os casos serem publicados na imprensa e haver julgamento político. As punições têm que ocorrer.

Que exemplos de problemas vocês já encontraram nas primeiras análises de documentos?
Estive no Hospital do Gama e lá a situação é absurda. Há obras abandonadas, realizadas por meio de contratos verbais. Encontramos contratos grandes, cujo atestado de execução era assinado por pessoas da própria empresa contratada ou por servidores públicos sem a menor condição técnica para fazer isso. Outro problema é a grande quantidade de contratos emergenciais, que são uma porta aberta para a corrupção. Não é possível que esse instrumento legal seja usado para fugir da licitação. O contrato emergencial decorrente de falta de planejamento não é justificável. Tem que haver licitação, é preciso sair dessa situação de emergência.

Como está a estrutura da Secretaria de Transparência?
Temos duas carreiras fortes e técnicas: a de auditoria de controle interno e também o pessoal da área de políticas públicas e gestão governamental. Temos excelentes servidores de carreira, mas em quantidade insuficiente. Atualmente, a secretaria tem cerca de 350 funcionários. De qualquer forma, isso não é uma desculpa para não começarmos a trabalhar. Não vamos aumentar o número de cargos comissionados, só vamos promover uma melhoria dos processos para otimizar o trabalho.

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