Cidades

Funcionário público envia livros para comunidades carentes do Nordeste

Por iniciativa própria e sem qualquer subsídio, ele distribui cultura e ajuda a ampliar os horizontes de muita gente

postado em 11/01/2011 08:02
Quando o caminhão abastecido de livros entra na cidade, é como se um oásis se abrisse em meio ao calor e à secura evidentes na paisagem. Ali, as pessoas têm sede de conhecimento. A cena se repete em cada uma das localidades do Nordeste para as quais o funcionário público Elmano Rodrigues Pinheiro, 61 anos, envia os presentes. Há 15 anos, ele recolhe doações de livros em Brasília, para mandá-los a quem não tem acesso a essa riqueza. Todo ano, são pelo menos 50 mil unidades. Para pagar os fretes, Elmano já vendeu até um apartamento no Rio de Janeiro e um carro. A única recompensa é ver gente simples se deliciando com os livros. Ele começou fazendo doações a bibliotecas já montadas e, recentemente, tomou a iniciativa de construir novos espaços.

Elmano é um multiplicador de conhecimento. Entrar na casa dele, no Park Way, é como estar em uma grande biblioteca. Os exemplares acumulados ali, porém, não são de sua propriedade. Serão doados em breve para a inauguração de espaços destinados à leitura. As cinco toneladas de livros seguirão de carreta até o Ceará, em dois meses. Vieram de doações, especialmente da Fundação Assis Chateaubriand, vinculada aos Diários Associados.

O doador de livros nasceu em Farias Brito, na região do Crato, Cariri cearense. Em casa, ao lado de sete irmãos e dos pais, descobriu o prazer da leitura. Seus pais eram responsáveis pela única biblioteca (que era privada) da cidade. Em 1958, o pai de Elmano, o candidato a prefeito Enoch Rodrigues, morreu assassinado em uma disputa pelo comando político da região. A mãe, Maria, mesmo passando a enfrentar dificuldades, não deixou de lado a educação dos filhos. Montou uma pequena escola para dar aula a crianças de famílias carentes. ;Esse valor que eles davam à educação me marcou muito;, lembra Elmano.

O funcionário público mudou-se para Brasília há mais de 30 anos e, desde então, trabalha na Editora da Universidade de Brasília (UnB). Ali, o publicitário de formação teve contato com uma grande quantidade de títulos, nem sempre bem aproveitados por aqui. ;Eu via todos aqueles livros e lembrava que na minha cidade não tinha nem sequer uma biblioteca. Daí nasceu a ideia de mandar as publicações para lá, para incentivar o gosto pela leitura. Pensei nos meus. A gente roda o mundo todo, mas o coração fica preso.;

Aos poucos, no boca a boca, o funcionário público ficou conhecido pelas arrecadações de exemplares. Amigos, colegas e desconhecidos, sempre que precisavam se desfazer de suas bibliotecas particulares, procuravam Elmano, certos de que os livros teriam um bom destino. ;Com as moradias cada vez menores e as pessoas cada vez mais presas ao computador, muita gente quer se desfazer de bibliotecas inteiras;, observa.

Padarias
Na Casa do Ceará, em Brasília, Elmano descobriu o termo ;padarias espirituais;. O nome surgiu em um movimento modernista, no fim do século 19. Naquela época, o romancista e poeta cearense Antonio Sales e outros intelectuais investiram na popularização da produção cultural voltada para a literatura. ;Isso me inspirou. Resolvi chamar as bibliotecas de padarias espirituais, porque é lá que as pessoas encontram o alimento do espírito;, explica.

1.930km - Distância que separa Brasília de Crato (CE), terra natal de Elmano e um dos destinos de suas doações. Uma carreta com 5 toneladas de livros seguirá, em breve, rumo a outras localidades da regiãoA intenção é construir 100 bibliotecas comunitárias no Ceará. Boa parte delas já está de pé. ;Com essa carreta que vamos enviar, no máximo em dois meses, atingiremos a meta das 20 bibliotecas, só em Juazeiro (CE). Então, será o momento de partir para outros estados do Nordeste e fora de lá também;, empolgado.

Com a divulgação de seu trabalho, Elmano recebe ligações de prefeitos e de várias outras pessoas interessadas em levar livros para as cidades. ;Eles dão um jeito de pagar o frete e eu me comprometo a conseguir milhares de livros. A parceria funciona assim. Eu também corro atrás de apoio de deputados, de ministérios, para conseguir enviar o material.;

Independente
O multiplicador tem ajuda de várias editoras e da Câmara dos Deputados, mas não recebe nenhuma verba do governo para fazer o trabalho. E nem pretende requisitar esse tipo de incentivo: ;Não quis registrar minha fundação. Administrar dinheiro público pode desvirtuar o objetivo;. Elmano sabe da importância de atitudes como a sua, para democratizar a cultura e o conhecimento no nosso país. ;Se não existir iniciativa privada, a coisa não anda. Esperar pelo governo não dá, porque muitas vezes quem comanda não está interessado em promover educação, não quer que as pessoas entendam seus direitos;, avalia.

Ao lado da mulher, Alcimena Vieira Botelho, ele faz a triagem no material recebido. Entre os títulos, vão livros técnicos, literatura, apostilas para concursos públicos e muito mais. ;É um mundo de conhecimento que chega até lá.; Elmano já perdeu a conta de quantas toneladas de livros mandou para fora do DF. Além do Nordeste, a Amazônia, o estado de Tocantins e outras regiões já foram beneficiados. Com isso, ele quer dar condições às pessoas para que elas pensem. ;Quando leem, elas começam a criar, a saber do que são capazes, a identificar o que está errado na sociedade e a querer mudanças. Mais do que livros, estamos doando condições;, acredita.

As primeiras bibliotecas foram construídas em Juazeiro, no bairro de João Cabral, um dos mais pobres da região. ;Tenho uma grande preocupação com o envolvimento dos jovens com as drogas, em especial o crack. Acredito que o acesso à leitura, à cultura, pode ajudar muito a desviá-los desse caminho.; Farias Brito, a terra natal, também não ficou de fora. ;O livro é vivo, presente. Antes, chegava com muita dificuldade. Agora isso começa a mudar;, orgulha-se.

A ideia de Elmano inspirou mais gente. Muitos quiseram juntar-se a ele. Aos poucos, começam a surgir diversos pontos de leitura em regiões carentes do Nordeste. ;Meu povo tem uma cultura vasta, são muitas manifestações, como o cordel. Essa riqueza não pode ser esquecida. A imagem do nordestino que está sempre de mão estendida, pedindo, tem de mudar. Quem tem cidadania consegue tudo.; Exemplo perfeito da riqueza, da força que vem do Nordeste, Elmano não desanima em sua caminhada. Enquanto tiver vida, vai contagiar mais e mais gente com sua paixão.

QUER AJUDAR?// Quem tiver livros para doar pode entrar em contato com Elmano: 9983-3472.

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