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Trabalho organizado pela arquiteta Lenora Barbo levanta origens de Brasília

postado em 16/01/2011 09:22
Ver o Distrito Federal representado como um pequeno retângulo claro e vazio em meio ao mapa de Goiás sempre incomodou a arquiteta e pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB) Lenora Barbo. A imagem de uma Brasília sem passado, que passou a existir somente em 1960, nunca satisfez a estudiosa. Lenora decidiu debruçar-se sobre o tema, em busca de revelar o cenário de outros tempos no Planalto Central, distantes da modernidade atual.

Em parceria com o também arquiteto e pesquisador Wilson Vieira Júnior, ela chegou a descobertas inesperadas. Uma das mais interessantes diz respeito ao primeiro mapa do DF, feito quando o ;quadradinho; ainda fazia parte da chamada Capitania de Goiás, em 1748. Lenora e Wilson afirmam que o documento, de autoria inicialmente atribuída ao italiano Tosi Colombina, foi, na verdade, elaborado pelo português Ângelo dos Santos Cardoso, escolhido pelo rei Dom João V para fiscalizar a capitania.

Cardoso traçou o mapa depois de andanças por toda a região. Retratou rios, montanhas e sítios. Naquela época, para surpresa dos pesquisadores, já citava a região de Sobradinho ; o que, segundo Lenora, mostra que Planaltina pode não ser a cidade mais antiga do DF. ;Sobradinho já existia, não como uma vila, como era Mestre d;Armas, hoje a chamada Planaltina, mas era um sítio, cheio de casas. Os filhos do fazendeiro se casavam e ele ia construindo as moradias;, explicou.

Na busca pelo conhecimento, Lenora mergulhou no acervo de sebos e bibliotecas. Encontrou, em um cartório em Brasilinha, no Entorno, um mapa raro do DF feito em linho, que, sem cuidados especiais, se deteriorava. No mesmo estado de abandono se encontram as casas coloniais de Planaltina e Sobradinho, imóveis que o trabalho de Lenora e Wilson comprovou terem mais de 200 anos de idade.

Neve
As conclusões do estudo vieram da análise de diários de viagem de homens que passaram por essas terras entre os séculos 18 e 19. De próprio punho, eles relatavam o clima no local onde seria futuramente o DF. Falavam também dos mapas que Lenora passou a procurar. Em um dos trechos curiosos de tais documentos, um desses viajantes, Cunha Menezes, em 1778, escreveu um relato sobre o clima frio, quase europeu, por aqui.

Lenora: ;Em uma carta escrita por Menezes, ele dizia claramente que nevou, próximo à região onde hoje fica o Lago Oeste. O viajante passava por aqui vindo do Rio de Janeiro, para assumir como governador da Capitania de Goiás;, afirmou Lenora.

A pesquisa de Lenora deu origem ao livro Preexistências de Brasília ; Reconstruir o território para construir a memória. Um dos capítulos é dedicado aos viajantes que percorreram o que seria o DF, à época ainda deserto. Por aqui, nos séculos passados, estiveram pessoas como o tropeiro José da Costa Diogo, de idade e origem desconhecida, mas que buscava minas de ouro (veja quadro).

Origem
Nascida em Goiás, Lenora, desde cedo, aprendeu a gostar de Brasília. Trabalha há quase duas décadas como consultora da Câmara Legislativa, opinando em projetos que envolvem, por exemplo, os recursos hídricos e a geografia do DF. O desejo de desvendar um pouco mais a história da capital veio em 2004, quando a arquiteta ganhou de presente do amigo um livro escrito pelo pai dela, Manoel Demóstenes Barbo, intitulado Estudos sobre a nova capital do Brasil.

;Eu já tinha visto o livro em casa, quando era pequena. Despertou a vontade de descobrir mais sobre esse passado. Ficava a impressão de que, antes dos anos 1960, Brasília era uma cidade sem história, o que não é verdade;, explicou.

Lenora nunca havia estudado cartografia. Ao elaborar sua tese de mestrado, dedicou-se à interpretação de mapas dos séculos passados. Ao comparar imagens de satélite, modelos de topografia digital e mapas antigos, a pesquisadora conseguiu mostrar que a Estrada Real, uma importante rota histórica do Brasil, passava por dentro do DF.

;O DF teve a mesma importância que São Paulo, por exemplo. É um local de importância estratégica para o país. Mas ninguém fala disso. Os viajantes que passaram aqui relatam as dificuldades de transporte, pediam para pernoitar nas fazendas de Sobradinho. Muita gente tentava descobrir como produzir aqui e levar para o litoral.;

A pesquisa constatou que o trecho brasiliense da Estrada Real seguia o Espigão Mestre, formação geológica que divide as bacias hidrográficas do Tocantins/ Araguaia, Paraná e São Francisco. A área, localizada na parte norte do DF, ainda hoje é dominada por chapadões. A tese de doutorado de Lenora acaba de ser aprovada pela UnB. O projeto pretende estender a pesquisa para regiões do Entorno do DF. ;Temos um potencial turístico desperdiçado. Além disso, nós precisamos descobrir coisas em comum com o nosso entorno;, destaca.

Tanto trabalho serve para chamar a atenção do governo para a preservação do nosso patrimônio histórico e para a exploração turística. É também uma tentativa de incluir no conteúdo de sala de aula, nas lições de história de Brasília e do Brasil, um aprofundamento de conteúdo. ;Eu também admiro essa modernidade de Brasília. Mas também temos um passado mais distante. O menino de Planaltina precisa saber que o antepassado dele pode ter contribuído muito antes de Niemeyer chegar;, acredita Lenora.

O próximo passo da pesquisadora será refazer a viagem pela parte do DF da Estrada Real. Há segmentos que passam pela DF-001 e dentro do Parque Nacional. ;Convidei um grupo de ciclistas voluntários para me acompanhar e estamos organizando esse projeto;, conta. Ainda este ano, será criado na UnB o Laboratório de Cartografia Histórica, resultado do trabalho de pesquisadores da história, arquitetura e geografia. Mais uma vitória de quem se importa com as raízes do solo candango. Assim, a história do DF vai renascendo e sendo construída, tudo ao mesmo tempo.

Historiador
Nascido em Anápolis, o professor da UnB Paulo Bertran Wirth Chaibub era um dos maiores entusiastas da história de Goiás. Dedicou-se intensamente aos estudos da época do Brasil Colônia na região onde se instalou Brasília. Morreu em 2 de outubro de 2005. Seus trabalhos estão disponíveis gratuitamente na internet, no site www.paulobertran.com.br.


Conheça os viajantes

José da Costa Diogo ; 1734
; Tropeiro, parte das margens do Rio São Francisco à procura do ouro das minas dos Goyazes. Ele escreve um diário de viagem ; transcrito no livro Viagem pela Estrada Real dos Goyazes ;, o relato mais antigo encontrado até agora de viagem pelas terras do DF.

Tosi Colombina ; 1751
; Francisco Tosi Colombina, engenheiro militar e cartógrafo genovês a serviço da Coroa Portuguesa, foi o autor de mapas e registros de ocupação do Planalto Central em meados do século 18. Propôs construir uma estrada de São Paulo para Cuiabá, passando por Vila Boa, atual Goiás Velho. Em contrapartida à construção, pedia uma sesmaria a cada três léguas de toda a extensão da via e o privilégio de explorar a estrada por um período de 10 anos. O privilégio foi concedido, mas Colombina não construiu a estrada.

Barão de Mossâmedes ; 1773
; Dom José de Almeida e Vasconcelos de Soveral e Carvalho, governador da Capitania de Goiás, saiu de Lisboa em setembro de 1771, chegando a Vila Boa em julho do ano seguinte para tomar posse no governo de uma das mais extensas capitanias do Brasil setecentista. O Diário de viagem do Barão de Mossâmedes: 1771-1773 é o relato da viagem feita pelo governador da cidade do Rio de Janeiro à capital de Goiás. O ajudante de ordens Tomás de Souza, escriba e geógrafo, fez os dois mapas da capitania.

Luís Cunha Menezes ; 1778
; O fidalgo português foi o quinto governador e capitão-general da Capitania das Minas de Goiás, de 1778 a 1783. Deixou o manuscrito Jornada que fez Luís da Cunha Menezes da cidade da Bahia para Vila Boa, capital de Goiás, onde chegou em 15 de outubro de 1778. Veio pela estrada salineira da Bahia.

Cunha Matos ; 1823
; Brigadeiro português, serviu como soldado em São Tomé da África por 19 anos. Escreveu a Corografia Histórica da Província de Minas Gerais e uma resumida Corografia Histórica da Província de Goiás. Veio pelo caminho do correio de Goiás.

Luiz Cruls ; 1892/1894
; O astrônomo belga chefiou a célebre Missão Cruls em duas expedições. A primeira, de 1892 a 1894, foi quando ele percorreu o Planalto Central para estudar a região e definir a área onde seria construída a futura capital. Define o quadrilátero de 14,4 mil quilômetros quadrados.

; No segundo semestre de 1894, Cruls voltou para
concluir alguns estudos e definir a área exata da
nova capital dentro dos 14 mil km quadrados.

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