Cidades

Profissionais de saúde ficam expostos à violência durante trabalho

Médicos e enfermeiros sofrem com problemas psicológicos e chegam a ser agredidos por pacientes revoltados

Helena Mader
postado em 23/01/2011 08:28
Médicos e enfermeiros sofrem com problemas psicológicos e chegam a ser agredidos por pacientes revoltadosAlém de sofrer com a falta de infraestrutura, de materiais e de recursos humanos, muitos profissionais de saúde ficam expostos à violência durante o trabalho na rede pública. São cada vez mais comuns casos de pacientes revoltados com a demora do atendimento que se insurgem contra médicos e enfermeiros. Muitas agressões chegam à delegacia, deixando ainda mais tenso o ambiente em hospitais e postos de saúde. Servidores que lidam diretamente com o público vivem com medo constante da reação de pacientes e seus acompanhantes.

A auxiliar de enfermagem Angélica Santana trabalha em um centro de saúde de São Sebastião há três anos. Em abril do ano passado, ela levou tapas e mordidas no local de trabalho e teve que procurar a Polícia Civil para registrar ocorrência. Como só havia uma médica na unidade, a fila de gestantes e de mães com crianças era grande. ;De repente, chegou uma mulher com uma menina de colo e queria que a filha dela fosse atendida imediatamente. Começou a brigar com todo mundo e a chamar a gente de preguiçoso;, relembra Angélica.

Os funcionários chamaram a polícia, o que não acalmou os ânimos. ;A mãe da paciente parecia mais tranquila, a médica atendeu a criança e, depois da consulta, a mulher pulou em cima de mim, me deu vários tapas e me mordeu. Se a gente tivesse mais estrutura para trabalhar, com equipes completas, isso não teria acontecido;, comenta a auxiliar de enfermagem. No posto onde Angélica trabalha, não há luz na sala de curativos. ;Só consigo fazer os atendimentos porque tenho olho de lince. Não temos papel e, além disso, são os funcionários que levam copo e água porque nunca têm;, acrescenta a auxiliar.

Foi a revolta por conta da demora do atendimento que causou uma das situações mais emblemáticas de violência nos hospitais. Em junho do ano passado, um travesti portador do vírus da Aids cansou de reclamar da fila de espera e decidiu agredir funcionários do Hospital de Ceilândia. Ele roubou uma seringa, coletou seu próprio sangue e partiu para cima da auxiliar de enfermagem Lúcia Maria Silva de Souza. Ela conseguiu correr, mas uma colega acabou perfurada. No fim da confusão, Lúcia ainda levou chutes e ficou com o braço roxo.

Toda a confusão nada mais é do que um reflexo da falta de condições de trabalho nos hospitais. ;Isso é culpa da superlotação, da falta de funcionários e da ausência de segurança;, desabafa a auxiliar de enfermagem agredida. Assim como acontece frequentemente com vários colegas, o estresse deixou Lúcia Maria doente. Atualmente, ela está afastada da rede. ;Desenvolvi uma doença autoimune que certamente é reflexo de tantos anos de estresse constante. A gente fica muito desgastada de ver os pacientes precisando de atendimento sem ter o que fazer, porque não temos estrutura nem material;, finaliza.

Para o presidente do Sindicato dos Médicos do DF, Gutemberg Fialho, os profissionais sempre são responsabilizados pela falta de atuação do governo. ;Os médicos acabam vistos como culpados pelo caos nos hospitais, quando na verdade são tão vítimas quanto os pacientes. É uma angústia muito grande para o profissional que não consegue um leito para o doente, que não consegue os exames necessários para fazer um diagnóstico, não consegue vaga para internação;, explica o presidente da entidade. ;É cada vez mais frequente vermos médicos doentes, com problemas de estresse e ansiedade, por conta da pressão à que são submetidos;, completa Gutemberg.

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O médico Paulo Roberto Barbosa, na rede pública há 22 anos, sempre trabalhou no pronto-socorro dos hospitais mais caóticos da cidade: no Gama e em Ceilândia. Viu dezenas de pessoas morrerem por falta de leitos, de remédios e de material. Tentou reanimar pacientes no chão. Presenciou tentativas de agressões contra colegas e já recebeu ameaças. Os anos de pressão na emergência fizeram com que ele desenvolvesse um quadro de estresse pós-traumático. Hoje, ele tem proibição médica de atuar em UTIs ou pronto-socorros. Dá expediente em um posto de saúde no Gama.

Ele lamenta o fato de que os médicos sejam vistos como inimigos por alguns pacientes. ;A gente acaba responsabilizado por tudo o que acontece, é muita pressão. E ainda tem a questão emocional;, explica Paulo. ;Uma vez, vi um paciente enfartado cair no chão porque não tinha leito. Fiz massagem cardíaca, mas ele sofreu traumatismo craniano na queda e morreu. Fui para casa arrasado, pensando que aquele senhor poderia ser meu pai.;

O presidente do Sindicato dos Servidores da Saúde, Agamenon Torres, diz que algumas medidas simples podem simplificar o dia a dia dos funcionários que atuam no setor. ;A gente perde muito tempo por causa da falta de informatização da rede, o que traz ainda mais sobrecarga. Se os hospitais tivessem tecnologias mais modernas, a necessidade de mão de obra poderia ser até 30% menor;, garante.

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