Cidades

Casal procura há 38 anos filho desaparecido misteriosamente em Taguatinga

postado em 29/05/2011 11:00
José (E), com Maria e o filho Emerson, que só soube da história de seu irmão gêmeo desaparecido quando foi se matricular na escola, aos 7 anos:
Aos 76 anos, Maria da Piedade Pereira alimenta um medo nada secreto: o de morrer sem conhecer o filho. Temor compartilhado pelo marido dela, José Nonato de Aniceto, da mesma idade. Em 22 de novembro de 1972, a dona de casa deu à luz gêmeos, no Hospital São Vicente de Paula, em Taguatinga. Mas teve de deixar o local com apenas uma criança nos braços, à qual deu o nome de Emerson. O outro menino, Élsio, desapareceu, sem nenhuma explicação, de dentro do hospital.

Os pais nem sequer chegaram a tocar no filho. Não restou foto de recordação. As crianças idênticas nasceram prematuras. Élsio precisou ficar na incubadora para ganhar peso. Depois de 26 dias de espera pela recuperação do menino, o pai foi buscá-lo. Queria levá-lo para casa, apresentar a ele o mundo e algumas dezenas de familiares. Ao chegar ao hospital, porém, recebeu a notícia de que o filho simplesmente não estava mais ali.

O pai pediu satisfação a médicos, enfermeiros e a quem mais encontrou pelo caminho. Um dos profissionais informou a José que o filho dele, provavelmente, estaria morto. Mas não apresentou atestado de óbito ou qualquer documento que justificasse a suspeita. José insistiu em falar com o diretor da unidade de saúde. O homem que o recebeu deu apenas um conselho: ;Esqueça essa história. Melhor não mexer com isso. É complicado;.

A época era de repressão, ditadura. José e Maria temiam reclamar. ;Saí do hospital atordoado. Nem sei como cheguei em casa;, lembrou o pai. Eles iniciaram uma busca solitária pelo menino. Hoje, 38 anos depois, Maria e o carpinteiro José ainda têm esperança de encontrar o rapaz. Quando anda pela rua, a mãe sempre mantém o olhar atento. Certo dia, ouviu alguém chamar o nome de Élsio.

O coração ficou inquieto. Maria foi ao encontro do rapaz. Mais uma vez, decepcionou-se. ;Olhei bem nos olhos dele, quis saber a idade. Um desespero só. Mas não era o meu filho.; Depois de ir a muitas delegacias e pedir ajuda a todo tipo de gente, a família Aniceto decidiu lançar uma campanha na internet, em busca de qualquer informação sobre Élsio. Os pais são pessoas simples, jamais se sentaram em frente a um computador ou souberam como acessar um site.

Na internet
Eles contam com a ajuda de parentes para construir um site, prestes a ser lançado, e também para fazer o cadastro em outras páginas da internet onde se concentram informações sobre pessoas desaparecidas. José e Maria não faziam ideia do poder de alcance da rede mundial de computadores. Agora, apostam nela como a última cartada para tentar receber alguma dica sobre o paradeiro de Élsio.

Na semana passada, eles registraram a busca por Élsio no . O apelo foi registrado com o título de ;Busco meu irmão gêmeo;. Não há um dia em que Emerson se olhe no espelho sem se lembrar da possibilidade de existir alguém igual a ele fisicamente, em algum lugar do mundo. ;Fico pensando que posso dar de cara com ele. Faço muitas pesquisas na internet, mas nunca encontrei nada. É uma sensação ruim saber que tem alguém com o mesmo sangue do seu perdido por aí;, disse Emerson.

A família mantém a certeza de que o rapaz está vivo. ;A gente sente lá no fundo que ele não morreu, que foi roubado, ganhou uma nova família, outro nome e vive sem saber de onde veio. Só queria conhecê-lo;, afirmou Maria. ;Emerson só ficou sabendo aos 7 anos que tinha outro irmão, quando a gente foi matriculá-lo na escola. A professora viu no registro que eram gêmeos e perguntou se o outro não ia estudar. Tive de explicar todo o problema;, lembrou Maria. Quando ela chegou à maternidade, não sabia que esperava dois bebês. Não fez o pré-natal nem recebeu qualquer acompanhamento médico durante a gestação.

Segredo
Antes de ter Élsio e Emerson, Maria já tinha dado à luz dois outros gêmeos. ;Eles também precisaram ficar na maternidade até ganhar peso. Por isso, estranhei quando só o Élsio teve de ficar no hospital. Eu nunca ia imaginar uma coisa dessas, que meu filho ia sumir como se fosse poeira no ar;, conta.

Há três anos, o Correio publicou uma reportagem sobre a história. A polícia prometeu reabrir o caso e voltar a investigar. Desde então, semanalmente, Maria e José vão à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA). A esperança de ter uma notícia nova é constante. Até o momento, porém, isso não ocorreu. ;Eles ouviram o médico, sabem quem era o diretor naquela época, mas ninguém revelou nada. Não existe um segredo perfeito. Alguém sabe direitinho o que aconteceu com o meu filho. Eu rezo todo dia para essa pessoa falar;, desabafou a mãe.

Dias depois de ler no Correio, em 2008, a reportagem a respeito do drama da família, uma mulher entrou em contato, por telefone, com Maria. ;Ela disse que a filha dela também foi roubada dentro do Hospital São Vicente de Paula, na mesma época. Podia ter um esquema lá dentro;, acredita Maria. A Secretaria de Saúde, responsável pelo hospital público, informou que forneceu todas as informações referentes ao caso para a polícia e à Justiça, na época do desaparecimento. Não soube informar, no entanto, se a pessoa que ocupava o cargo de diretor do hospital em 1972 ainda é viva.

Ajude
Quem tiver informações pode ligar para José ou Maria: 3371-3213.

Drama de muitas família
Em Brasília, várias famílias vivem a mesma agonia de Maria e José. Dados da Secretaria de Desenvolvimento Social e Distribuição de Renda (Sedest) mostram que, entre janeiro e abril deste ano, 185 crianças e adolescentes desapareceram. Desses, 107 eram meninas e 78, meninos. A maior parte tinha entre 12 e 17 anos. A cidade onde mais desapareceram pessoas com menos de 18 anos, em 2011, é Planaltina, com 24 ocorrências registradas, o que representa 13% do total. Em seguida, estão Recanto das Emas, com 18; e Samambaia, onde 15 jovens sumiram. Em 2010, foram 1.234 registros de desaparecimento.

No site da Sedest, a foto de uma menina chama a atenção. É Natália da Silva de Vasconcelos, nascida em 16 de fevereiro de 1996. Ela foi vista pela última vez nessa data. A Sedest, porém, não especificou as circunstâncias nem os contatos da família: por meio da assessoria de imprensa da secretaria, o órgão afirmou não ter autorização para fornecer informações.

Estatísticas revelam que 92% das ocorrências de desaparecimento no DF são solucionadas. ;Um caso nunca pode ser esquecido. A família de Élsio, por exemplo, só registrou ocorrência na DPCA em 2006. Ainda assim, há um inquérito em andamento;, afirmou a delegada chefe da DPCA, Sandra Gomes.

;Um inquérito tem prazo de 30 dias para permanecer com a Polícia Civil. Enviamos para um juiz a fim de pedir mais prazo para investigar. É uma forma de dar informação sobre o que está sendo feito;, explicou Sandra Gomes.

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