Cidades

Correio percorre cidades do DF e mostra a situação do transporte público

Adriana Bernardes
postado em 16/08/2011 08:00

Na capital do país, o transporte público é sinônimo de precariedade. Quem depende do coletivo para ir e vir não confia que o ônibus passará no horário ou mesmo que ele aparecerá. Veículos quebrados pelo caminho por problemas mecânicos fazem parte da rotina. A falta de manutenção e o sucateamento da frota são algumas das causas. E não é para menos. Dos 2.975 coletivos do Distrito Federal, quase a metade, 1.390, tem mais de sete anos de uso, idade limite imposta por uma resolução do Conselho de Transporte Coletivo do Distrito Federal que, até o momento, só existe no papel.

Na última semana, o Correio percorreu seis cidades do DF ; Ceilândia, Samambaia, Santa Maria, Gama, Recanto das Emas e Planaltina ; para acompanhar a rotina dos usuários. Flagrou ônibus com 16 anos de fabricação ainda nas ruas, motorista ignorando o aceno do passageiro e passando direto pela parada, além da indignação dos passageiros com os atrasos. No Gama e na BR-020, logo após Sobradinho, a reportagem se deparou com veículos quebrados.

O descaso com o cidadão também pôde ser constatado na falta de estrutura para abrigar os usuários e nos pontos sem qualquer iluminação pública. O morador de Brasília ainda se vê privado do seu direito básico de informação, já que as tabelas com os horários e itinerários que devem ser cumpridos pelos carros não estão disponíveis nos pontos. A escala só pode ser consultada via internet.

Em várias localidades do DF, o governo não se dá ao trabalho sequer de colocar a placa azul indicando que o espaço é uma parada de ônibus. São os chamados ;pontos habituais;, que representam 12% dos 4.313 existentes.

O transporte coletivo é considerado um serviço essencial, assim como o acesso a atendimento médico gratuito. A Constituição Federal é clara ao determinar que é dever do poder público organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços de interesse local, incluído o de transporte coletivo. Mas, no DF, esse dever foi negligenciado pelos últimos governantes sob os olhos desatentos da Justiça, à custa do sofrimento do povo e em favor das empresas.

O resultado de tamanha inércia é a total descrença dos cidadãos diante das novas promessas anunciadas pela atual administração. Em oito meses, a situação pouco avançou. A principal mudança foi a retomada, pelo governo, do controle do sistema de bilhetagem eletrônica. ;A gente fica refém dessa situação. O governo não faz nada e os empresários nadam de braçada;, revolta-se a estudante Maria Luísa dos Santos, 26 anos, moradora de Planaltina.

Ônibus quebrado
6h30
Com quase metade da frota sucateada, os problemas mecânicos são frequentes. Em apenas um dia, a reportagem flagrou ao menos quatro veículos quebrados. O primeiro deles estava lotado e parou de funcionar às 6h30, no Gama. O motorista informou que houve falha no alternador, o que classificou como ;uma fatalidade;, já que o veículo é novo (2009/2010). O segundo episódio ocorreu na BR-020, logo após Sobradinho, sentido Plano Piloto, às 7h30. O veículo tem 11 anos de uso. Um motorista que roda por Santa Maria e pediu para ter o nome preservado fez um desabafo. ;O passageiro desconta na gente. Esses ônibus quebram muito mesmo. Falta manutenção;, denunciou.

Parada escura
5h10
Ceilândia Sul ainda está em silêncio. Mas as paradas de ônibus já estão lotadas de trabalhadores. Na Via Leste, na altura da QNM 9/7, as pessoas esperam pelo coletivo na total escuridão. Diariamente, a copeira Lúcia Oliveira, 46 anos, enfrenta o medo de ficar na parada sem luz. Ela trabalha na L2 Sul e precisa sair de casa às 4h50 para bater o ponto às 6h. ;Já ouvi histórias de pessoas que foram assaltadas. Eu tento ficar atenta, chego olhando, fico cismada. Mas não tenho escolha. Por aqui, quase todas as paradas são escuras como esta;, relata.

Sem abrigo
5h35
Faça sol ou chuva, uma parcela considerável dos usuários do transporte coletivo do DF espera ao relento a chegada do ônibus. Em várias cidades não existem abrigos e, às vezes, nem sequer placas de sinalização indicando que o local é um ponto de ônibus. Na altura da QNP 5, em Ceilândia, pelo menos 40 pessoas aguardavam na calçada, na madrugada de segunda-feira da última semana. ;Quando chove, a gente se espreme debaixo do galpão do bar. Aí faz assim: esconde um pouquinho, corre na chuva, vê se o ônibus está vindo e volta para debaixo do telhadinho;, detalhou o zelador Valdemar de Oliveira, 59 anos, morador do Setor de Chácaras de Ceilândia. ;Isso não muda porque o governo não se importa com o povo. Nós ficamos abandonados;, completou.

Passa direto
5h40
Não bastassem todos os problemas do sistema, alguns motoristas passam direto pelo ponto, deixando para trás passageiros enfurecidos. Foi o que a reportagem presenciou na QNP 5, de Ceilândia, e também em Samambaia. O vigilante César Felizardo, 38 anos, reclamava da quantidade de veículos da linha que segue para Águas Claras. Avistou o ônibus, abanou o braço e o motorista passou direto, em alta velocidade. ;É um absurdo! Isso acontece direto. Agora, tenho que pegar outro veículo até Taguatinga Centro e, de lá, andar 20 minutos até chegar ao trabalho;, lamentou.

Lotados
6h10
O sol nem raiou e a maioria dos ônibus que circulam por Ceilândia, Samambaia e Recanto das Emas trafegam superlotados. ;Nem as empresas nem o governo têm respeito pela população. Eles não trabalham com eficiência, pois não faz diferença quando nós chegamos atrasados ao trabalho;, revolta-se o zelador Antônio José Lopes Gomes, 54 anos, morador do Recanto das Emas. Ele relata que os ônibus estão sempre cheios e, muitas vezes, é obrigado a esperar pelo veículo seguinte para conseguir embarcar. ;Tem que licitar. Só a concorrência vai mudar essa situação. O governo tem que eleger o povo como prioridade;, ressaltou.

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