Cidades

Cerca de 250 mil pessoas vivem com dois salários mínimos por mês no DF

Estudo inédito aponta perfil das famílias que vivem, no máximo, com dois salários mínimos mensais nas 15 regiões administrativas de menor poder aquisitivo do DF

postado em 16/09/2011 07:15
Com a maior renda per capita mais alta do país, o Distrito Federal tem hoje 250 mil pessoas de baixa renda vivendo nas 15 regiões administrativas (RAs) de menor poder aquisitivo. Esse contingente, que representa quase 10% da população do DF, equivale a uma cidade de médio porte formada apenas por famílias com renda mensal de, no máximo, dois salários mínimos, o equivalente a R$ 1.090.

Pouco mais da metade dessas pessoas vive em três cidades: Ceilândia, Samambaia e Planaltina. Inédito, o diagnóstico é traçado pela pesquisa Perfil da População de Baixa Renda do DF, feita pela Companhia de Planejamento do DF (Codeplan). O levantamento é dividido em quatro recortes: características migratórias, situação dos jovens, chefes de domicílio e contextualização do idoso. Embora seja a primeira vez que um estudo desse porte é feito na capital do país, os pesquisadores acreditam que o panorama não é dos melhores.

Estudo inédito aponta perfil das famílias que vivem, no máximo, com dois salários mínimos mensais nas 15 regiões administrativas de menor poder aquisitivo do DFCeilândia, por ser a região mais populosa do DF, tem o maior percentual de famílias nessa faixa: 24,1% das 250 mil pessoas de baixa renda vivem lá. Mas, em relação ao número absoluto de moradores da cidade, a parcela de indivíduos da classe D cai para 14,8%. A instabilidade social é mais grave no Varjão. Na pobre vizinha do Lago Norte, 38% da população têm rendimento familiar inferior ou igual a R$ 1,090. ;Não há interesse em investir no Varjão.

E, aos poucos, o Centro de Atividades do Lago Norte vai engolindo a região. A valorização das áreas vai expulsando a população pobre;, acredita a pesquisadora associada do Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais da Universidade de Brasília Ignez Costa Barbosa Ferreira. A surpresa da pesquisa foi registrada no Recanto das Emas.

A cidade tem situação menos dramática, já que 10% das pessoas têm a soma dos rendimentos familiares menor do que o salário mínimo.

;Em cidades mais antigas, com estrutura mais consolidada, ainda existe pobreza, mas as condições são um pouco melhores;, afirma Júlio Miragaia, diretor de Gestão de Informações da Codeplan. A maior média de renda foi constatada na tradicional cidade do Gama, onde as famílias da classe D conseguem levantar R$ 843 por mês. O extremo oposto acontece na Estrutural, área nascida como invasão que, só agora, começa a ganhar traços de urbanismo. As famílias arrecadam, em média, R$ 512.

Migração
Durante as últimas três décadas, as supostas oportunidades disponíveis na capital encheram os olhos de migrantes. Nordestinos, principalmente. Ainda hoje, eles representam importante fatia dos moradores das cidades pesquisadas, 46,3%, mas já foram superados por habitantes nascidos no DF. Individualmente, no entanto, os perfis das cidades variam bastante. São Sebastião, por exemplo, tem 60% da população nascida fora do DF. E os sonhos de sucesso em Brasília talvez nunca tenham se realizado. Pelo menos é o que dizem os números. Mais de 60% dos migrantes de baixa renda estão há mais de 10 anos no DF.

Uma das explicações possíveis é o nível baixo de escolaridade. Pelo menos 17% dos quem vêm de fora são analfabetos. É o caso do pedreiro Pedro José de Oliveira, 53 anos. Apesar de saber ler e escrever o próprio nome, ele é considerado analfabeto. Mora em Ceilândia desde 1976. Lá se casou e criou os três filhos. Num mês considerado ;bom;, tira até R$ 1,5 mil.

Mas não é raro ter que sustentar a família com apenas R$ 500. A mulher dele, a dona de casa Itis Rocha, 38, lamenta não ter condições de oferecer lazer aos filhos. ;Moro aqui há 20 anos e nunca fui em um cinema. A única diversão que eu tenho com meus filhos é almoçar na casa de parentes.;

A falta de dinheiro é empecilho até para aproveitar eventos gratuitos. ;Morro de vontade de assistir um desfile de 7 de setembro, mas sempre vejo pela televisão.;

Para Mirna Augusto de Oliveira, técnica responsável pela pesquisa, casos como o da família Oliveira são círculos viciosos. ;Não há progressos porque essa população não tem qualificação profissional. Os índices de escolaridade são muito baixos;, afirma. Com isso, a classe D acaba assumindo postos de trabalho braçal ou que façam poucas exigências. Homens são admitidos em serviços gerais e na construção civil, enquanto a maioria das mulheres é contratada como empregada doméstica ou no comércio.

O estudo aponta que, apesar de o DF ser mais rico que a maioria dos estados natais dos migrantes, não há diferença significativa entre quem veio de fora e os nascidos na capital quando se trata do nível de escolaridade. A pouca diferença de renda entre os dois grupos confirma essa tendência. Na verdade, em 11 das 15 regiões pesquisadas, os migrantes ganham mais. Notadamente em Planaltina e Riacho Fundo, cidades em que a diferença de rendimentos chega a 14%. ;O que percebemos é que as políticas sociais amenizam as crises e a ampliação da infraestrutura colabora, mas não houve impacto em renda. Os programas existem, mas pode haver problemas na execução;, completa Miragaia.

Feminização da pobreza
As mulheres dominam as 15 cidades pesquisadas. Elas são quase 53% da população de baixa renda. Apesar da prevalência masculina no comando dos domicílios, a força de trabalho feminina é responsável pela manutenção de 32% dos lares.

"O que percebemos é que as políticas sociais amenizam as crises e a ampliação da infraestrutura colabora, mas não houve impacto em renda. Os programas existem, mas pode haver problemas na execução;
Júlio Miragaia, diretor de Gestão de Informações da Codeplan

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