Cidades

Painel de azulejos de Athos Bulcão foi demolido com autorização do Iphan

Guilherme Goulart
postado em 23/09/2011 07:20

Funcionários da empresa usaram britadeira e marreta para colocar abaixo a obra do artista plástico
Mais uma obra do artista plástico Athos Bulcão acabou destruída no Distrito Federal. Após a descaracterização dos painéis localizados no Palácio do Planalto e da demolição do edifício do Clube do Congresso (902 Sul), chegou a vez de o trabalho erguido no posto de combustíveis da concessionária Disbrave, na 503 Norte, ir ao chão. Na noite da última quarta-feira, funcionários colocaram abaixo o trabalho. Procurada pela Correio, a empresa limitou-se a dizer, por meio da assessoria jurídica, que o procedimento foi autorizado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

O superintendente do órgão, Alfredo Gastal, confirmou ter autorizado a destruição da obra de Athos. Ele informou que a intervenção ocorreu a pedido dos donos da Disbrave. ;Precisavam ampliar o local e pediram autorização. Também conversaram com a Valéria (Cabral, diretora executiva da Fundação Athos Bulcão) e se comprometeram a erguer um painel idêntico ao original. Está tudo corretíssimo;, afirmou.

Para Gastal, a derrubada do muro com o trabalho do artista não representa uma perda para a sociedade. ;O azulejo é uma obra industrial, e o Athos teve o cuidado de autorizar a fundação a continuar produzindo as peças com as mesmas técnicas e formas. Não deixa de ser uma obra dele.; O painel foi criado em 1975. Cada azulejo mede 30cm de altura por 15cm de largura. A cada grupo de quatro azulejos, há uma peça branca, uma com arco verde, uma azul e uma amarela.

Valéria rebateu os argumentos do superintendente do Iphan. ;O trabalho de Athos tem uma integração, é composto pelos azulejos e pelo local onde foi pensado por ele junto com o arquiteto. Isso é o que as pessoas precisam entender. Nós podemos reproduzir, temos autorização do artista. O problema é que ontem era uma obra e hoje é apenas uma reprodução;, explicou.

Ela revelou que mantém os modelos dos azulejos do painel da Disbrave caso a empresa queira reconstruí-lo. Mas lamentou a destruição. ;As pessoas precisam preservar o patrimônio e não destruí-lo. O que acontece é uma falta de respeito ao patrimônio de Brasília. E o Palácio do Planalto abriu um precedente nesse caso ao descaracterizar outro trabalho do Athos (leia Memória);, reclamou.

Responsável pela proteção do legado de Athos, Valéria confirmou que no ano passado os responsáveis pela concessionária de veículos manifestaram a intenção de intervir na obra do artista plástico. ;Eu recebi uma denúncia e liguei para eles. Disseram que precisavam aumentar o posto e queriam colocar o painel abaixo. A ideia era recuá-lo, pois continuaria visível. Neguei, mas disse que precisavam consultar o Iphan;, contou. Segundo a diretora, não houve um comunicado oficial, mas diante da autorização do Iphan a Disbrave reiterou que levantaria o trabalho na mesma área do posto.

Museu a céu aberto
Na noite da derrubada, a funcionária pública Maria Helena Freitas, 46 anos, esteve no posto de gasolina. Para ela, a destruição, feita com marreta e britadeira, representa uma insensibilidade dos empresários. ;É uma pena. As pessoas não sabem o que é preservação cultural;, disse. Admiradora dos trabalhos de Athos, Maria Helena acredita na importância da história de Brasília para o país. ;Se não mantivermos essas obras, vão derrubar tudo.;

Há três meses, Valéria Cabral interveio e evitou mais uma demolição de uma obra do artista plástico. ;Fui convidada a ir a uma reunião na Infraero porque iriam derrubar dois painéis do Athos (nas salas de embarque). Queriam saber se podiam fazer novos azulejos para transferir o trabalho, mas alertei que eles não podiam fazer isso, que era uma obra pública, tombada;, contou.

Dias depois, ela recebeu um ofício dizendo que não seria mais necessária a derrubada. ;Falta consciência na preservação dessas obras de arte. A educação patrimonial deveria fazer parte do currículo escolar. Estamos falando de um artista que doou 50 anos da vida e a maior parte das obras para esta cidade, que é um museu a céu aberto.;

Polêmica virtual
A derrubada do painel de Athos Bulcão provocou reação na sociedade e chegou às redes sociais. Internautas criaram uma página propondo um boicote ao posto de gasolina da Disbrave, localizado na 503 Norte, onde estava a obra do artista plástico.


Palavra de especialista
Legado desrespeitado

;Estamos discutindo um muro que faz parte de uma edificação com muita expressão arquitetônica do seu tempo. Se não fosse a lentidão desses processos culturais em que se dão as tomadas de responsabilidade sobre preservação, aquele prédio já poderia ter sido apreciado para a preservação. É uma edificação importante para Brasília como uma realização da sua época, mas pouco a pouco foi sendo transtornada. Athos foi grande artífice de muitas obras de arte integradas à arquitetura, tem trabalhos expressivos em Brasília e fora do país também. O painel estava integrado ao edifício como todas as outras obras do artista. Tinha uma função além da beleza do trabalho em si e, quase sempre, compunha com a obra de arquitetura. Tinha um papel que foi se perdendo. Mas essa situação atual é decorrente de um desprezo maior sofrido por toda a cidade. A memória do tempo vai ser colocada embaixo do tapete.;

Cláudio Villar de Queiroz, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de Brasília (UnB)

Para saber mais
Artista das cores


Athos Bulcão nasceu no Catete, no Rio de Janeiro, em 2 de julho de 1918. Mas foi criado em Teresópolis, na região serrana. Na infância, misturava fantasia e realidade. Assim, tornou-se artista. Foi desenhista, pintor, arquiteto, mosaicista. Aventurou- se por máscaras, por madeira, pela superfície que se apresentava. Em Brasília, deu vida ao concreto do arquiteto Oscar Niemeyer. E espalhou suas obras pelo Brasil ; Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo ; e pelo mundo (Itália e França). Morreu aos 90 anos, em 31 de julho de 2008.

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