Cidades

Psiquiatra autora de best-seller defende prisão perpétua para psicopatas

Helena Mader
postado em 04/06/2012 12:59 / atualizado em 19/10/2020 17:16


Condenada por um dos crimes com maior repercussão em Brasília, a ex-empregada Adriana de Jesus Santos poderá deixar a cadeia a qualquer momento. Ela já cumpriu mais de um sexto da pena pelo assassinato da estudante Maria Cláudia Del’Isola e teve bom comportamento durante os quase oito anos em que ficou presa. Por isso, pode receber o benefício da progressão de pena para o regime semiaberto. No entanto, Adriana ainda representa um risco à sociedade e não deveria ganhar a liberdade. A opinião é da psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva, autora do best-seller Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado, que já vendeu mais de 650 mil cópias desde o seu lançamento, em 2008. “Não é possível imaginar um crime dessa natureza, com esses requintes de maldade e perversidade, que não tenha sido executado e planejado por alguém com uma personalidade psicopática”, diz a psiquiatra. Em entrevista ao Correio, Ana Beatriz afirma que criminosos psicopatas não podem ser recuperados nem com tratamentos psicológicos e, que nesses casos, a melhor solução seria a prisão perpétua. “Acho pouco provável que alguém que faça isso possa ter algum tipo de recuperação ou de arrependimento. Em países como a Austrália e o Canadá, e em alguns estados americanos, há diferenciação legal entre os criminosos psicopatas e os não psicopatas”, justifica. Ela defende mudanças na lei para que o Brasil também passe a adotar essa postura. A especialista garante que as pessoas com esses transtornos são dissimuladas e manipuladoras, e alerta os pais para a importância de observar comportamentos psicóticos em crianças. “ A pessoa com psicopatia já dá sinais desde cedo, ela é uma criança que tem certa insensibilidade, que maltrata animais, que com recorrência comete atos antissociais, que machuca os colegas em brincadeiras mais agressivas e não tem respeito pela vida nem limites”, comenta. Para esses casos, ela explica que é possível amenizar os efeitos com psicoterapia e acompanhamento pedagógico. Leia ao lado os principais trechos da entrevista.

Você acredita que a assassina da estudante Maria Cláudia Del’Isola representa risco à sociedade?

Não tenho a menor dúvida. Existem alguns critérios que usamos para definir uma personalidade psicopática. Não consideramos o crime em si, mas a perversidade presente no crime. O assassinato dessa menina (Maria Cláudia) teve requintes de crueldade. Não é o caso de um assalto em que a vítima reage e o criminoso, em um impulso, mata. A vítima foi submetida a tortura, violência sexual e depois teve seu corpo enterrado na própria casa. Não é possível imaginar um crime dessa natureza, com esses requintes de maldade e perversidade, que não tenha sido executado e planejado por alguém com uma personalidade psicopática.

Que indícios demonstram isso?

Para o psicopata, o outro não representa nada, o outro sempre será um objeto de prazer, de diversão, de status ou poder. A condição para fazer diagnóstico de psicopatia não é ver se a pessoa cometeu um ato criminoso ou não, é ver se ela tem o poder da empatia, do sentimento de piedade pelo outro, se ela tem culpa e arrependimento. Acho pouco provável que alguém que faça alguma coisa desse tipo possa ter algum tipo de recuperação ou de arrependimento. Esse caso lembra muito o crime da Suzane (Von Richthofen), pela perversidade. No caso dela, a coisa é pior ainda, porque a Suzane matou os pais. Ela planejou tudo, viu os pais serem mortos com barras de ferro, ela planejou, esteve presente à execução e logo depois foi para um motel, em uma suíte presidencial, comemorar com o namorado. No dia da missa de sétimo dia, ela já estava fazendo churrasco em casa e os policiais perceberam que essa indiferença era no mínimo suspeita. No caso da Adriana, a atitude é muito parecida.

Os criminosos identificados como psicopatas devem ter um tratamento diferenciado?
O Brasil está muito ultrapassado em questão de Código Penal e de Código de Execução Penal. Por conta de a Constituição dizer que a lei tem que ser igual para todos, a gente não distingue o criminoso psicopata do não psicopata. Os psicopatas representam cerca de 25% da população carcerária e os outros 75% não são psicopatas. Ou seja, três quartos dos criminosos são recuperáveis. Em países como a Austrália e o Canadá, e em alguns estados americanos, há diferenciação dos criminosos psicopatas e dos não psicopatas. Nesses lugares, não importa o ato em si, mas se aquela pessoa é uma psicopata ou não. Se houver esse diagnóstico, os códigos Penal e o de Execuções Penais são totalmente diferentes. O autor de determinados crimes com certo grau de perversidade tende a repetir. Um exemplo clássico é o pedófilo. Não existe pedófilo que não seja psicopata, ele fica maquinando de forma maquiavélica o ataque ao que há de mais puro e usa a criança como objeto de poder e diversão. E ele sempre volta a cometer o mesmo crime.

O uso de tornozeleira eletrônica em alguns presos seria uma forma de controlar essa reincidência?
Em determinados crimes, como da Maria Cláudia, ou como os cometidos pelo Champinha (apelido do adolescente que matou os estudantes Liana Friedenbach, 16 anos, e Felipe Silva Caffé, 19, em 2003) e pela Suzane, não deveriam ser usadas nem tornozeleiras. Nosso sistema de controle não é eficaz para manter esses presos mapeados. E esse é um sistema eletrônico, que pode falhar. Alguns países adotaram com sucesso a separação dos criminosos, com base na Escala de Hare (teste criado pelo psicólogo canadense Robert Hare para identificar psicopatias). Os presos psicopatas são separados dos não psicopatas no sistema carcerário.

É possível recuperar esses criminosos psicopatas? O que o sistema judicial deveria fazer com essas pessoas?
Hoje, não há recuperação. Na minha opinião, dependendo da gravidade da psicopatia, os criminosos psicopatas deveriam ser condenados à prisão perpétua e ao isolamento. O psicopata é uma pessoa tão desprovida de sentimentos e emoções que se você isola ele completamente, sem contato com terceiros, ele sobrevive muito bem, não tem depressão profunda na cadeia, como uma pessoa normal teria. A essência humana precisa do contato com o outro, mas o psicopata é diferente, não tem essa necessidade. A gente vê casos de criminosos que passam anos nesse sistema, como na Inglaterra, e ficam tranquilos, lendo muito e estudando.

Você acredita que o bom comportamento deve ser levado em conta como motivo para a concessão de benefícios, como a redução de pena e a liberação para o regime semiaberto?
O psicopata é 100% razão e 0% emoção. Então, o bom comportamento, nesses casos, não passa de dissimulação. Ele tem um processo cognitivo perfeito, sabe o que tem que fazer, e a maioria estuda muito o Código Penal quando está na cadeia. O psicopata se comporta muito bem, é uma pessoa que não se abate dentro do sistema penitenciário, pelo contrário, age de acordo com as normas. Ao misturar os psicopatas com os recuperáveis, você está sempre sacrificando aqueles que poderiam usufruir de sistema de ressocialização.

Esses criminosos considerados psicopatas devem receber tratamento psicológico na cadeia?
Não existe até hoje nenhum tratamento eficaz. A psicopatia, antes de tudo, não é uma doença, é um transtorno de personalidade. O psicopata vê o mundo sem emoção, sem sentimento, sem nenhum tipo de consideração pelo outro. Só visa ao seu prazer e à sua diversão. Não existe hoje nenhum método terapêutico que tenha mostrado sucesso. Nós todos temos o sistema límbico do cérebro, que é a área responsável pelas emoções e pelos sentimentos. Os psicopatas nascem com esse sistema límbico funcionando muito mal. Pode ser que no futuro consigamos corrigir esse problema. Hoje, há sensores que dão sobrevida e qualidade de vida aos pacientes com Parkinson. No futuro, as pesquisas podem indicar que um sensor possa vir a fazer esse sistema límbico reagir. Até o momento, nenhuma medicação ou psicoterapia surtiu efeito. O próprio Hare chegou a fazer grupos no sistema penitenciário e o que ele viu é que os psicopatas rapidamente dominam as técnicas e passam a se valer delas com discurso psicológico para justificar suas atitudes. É como se armasse eles com conteúdo psicológico, o que facilita a defesa em um possível júri. Não falo em pena de morte, porque não acredito nisso. A ciência caminha e um problema insolúvel pode ter uma cura no futuro. Mas enquanto não há alternativa científica para resolver a psicopatia, deveria haver prisão perpétua com isolamento para que os psicopatas não contaminassem os outros presos que não são psicopatas.

Hoje, a legislação penal garante alguns benefícios aos criminosos e muitos deixam a cadeia após cumprir um sexto da pena, caso tenham bom comportamento e sejam réus primários. Você acredita que seria necessário mudar as leis para que elas trouxessem regras diferenciadas para a soltura de criminosos psicopatas?

Por lei, hoje não haveria a possibilidade de criminosos como Suzane estarem presos porque o Código de Execução Penal em vigor atualmente considera um sexto da pena e bom comportamento como elementos para soltar um preso. Suzane teve excelente comportamento, dava aula de inglês para as outras presas. Ela preencheu todos os critérios objetivos, mas nem por isso foi solta. Isso mostra que está havendo uma mudança no comportamento dos juízes, e fico feliz que o poder do magistrado ainda é soberano. Tenho recebido e-mails de juízes falando que as discussões sobre psicopatia estão influindo na decisão. O Judiciário passou a se sensibilizar e a entender isso. Eles estão compreendendo que os países que adotaram essa postura diferenciada para psicopatas estão tendo sucesso e que tudo isso é baseado em fatos científicos. Alguns poucos juízes se colocam na posição das famílias.

Como é feito o diagnóstico de psicopatia? Esse trabalho é fácil? E tem precisão?
Não é um diagnóstico fácil para quem não tem familiaridade com esse tipo de personalidade, mas pode haver treinamento e atualização para que pessoas que lidam com esses laudos os façam com base científica e com eficiência. O diagnóstico é clínico e leva em consideração a vida inteira da pessoa, não é feito com base em um fato isolado. A pessoa com psicopatia já dá sinais desde cedo, ela é uma criança que tem certa insensibilidade, que maltrata animais, que com recorrência comete atos antisociais, que machuca os colegas em brincadeiras mais agressivas e não tem respeito pela vida nem limites. Esses são sinais. Os psicopatas são adolescentes extremamente dissimulados e costumam usar outras pessoas para cometer maldades. São alunos que cometem bullying e coordenam ações contra colegas. A gente não pode se iludir com os discursos e com as aparências porque a psicopatia está em todos os níveis sociais, todos os credos e em todas as religiões. Não se pode julgar uma pessoa pela fala e os políticos são exemplo disso. Eles têm discurso ético, de defesa da moral, mas em muitos casos as falas não correspondem aos fatos. É preciso avaliar a atitude das pessoas. Os psicopatas se comportam muito bem na frente de pessoas hierarquicamente mais poderosas, mas, com subalternos, tripudiam e maltratam.

Para um leigo, é possível identificar algum sinal de psicopatia?
A gente não pode ter nenhum constrangimento de buscar o passado das pessoas. E não falo somente de ficha policial, porque há muito psicopata que nunca cometeu crimes. Psicopata não é só o que mata, tem o estelionatário, tem o político. Há psicopatas que são médicos, religiosos, pastores, tem psicopatas em todas as profissões, crenças e classes sociais. Dizem que há um predomínio da psicopatia entre pessoas do sexo masculino, mas eu acho que não. A psicopatia masculina é mais violenta, mais explícita, já a psicopatia feminina é mais dissimulada. Mas acho que existe proporção parecida de homens e mulheres psicopatas. A forma de exercer a psicopatia que é diferente. Essa Adriana, que matou a Maria Cláudia, chegou a alegar que o crime foi motivado por ciúme. Mas não há ciúmes que justifique isso. A gente sempre acha que a maldade e a perversidade têm uma justificativa. Temos dificuldade de admitir que existem pessoas genuinamente más, que fazem isso porque se acham no direito de fazer, porque a vida do outro não tem nenhum valor.

Um psicopata que comete um crime bárbaro é capaz de se arrepender?
No caso de um psicopata, não há remorso, não há arrependimento. Eles não têm empatia, que é a capacidade do ser humano, tirando os psicopatas, de se colocar no lugar do outro. As pessoas normais se sensibilizam pela dor alheia. Psicopatas não têm essa capacidade, mas eles fingem ter. Todo psicopata, para manipular, sempre entra na sua vida contando uma história triste, se fazendo de vítima para você ter pena. Quem chega na sua vida contando histórias tristes de cara é uma pessoa suspeita. Quem foi abusado, por exemplo, leva anos para dizer isso dentro de um consultório médico. Quem chega a consultório ou em um ambiente de trabalho e conta isso de cara é suspeito, é um sinal de manipulação. Há homens que entram na vida da companheira mandando flores, dizendo o que a mulher quer ouvir e, depois de um mês, vão morar na casa da companheira. Com o tempo, a mulher descobre que abriu as portas para um lobo.

No caso da morte da estudante Maria Cláudia, o fato de os criminosos terem estuprado a vítima antes de matá-la é um sinal de psicopatia, por conta de perversidade?
O estupro é a própria perversidade. Se o criminoso é psicopata, não basta roubar, tem que levar a vítima, estuprar, fazer sofrer, como foi o caso do Champinha. O requinte de crueldade que ele usou de manter o namorado (Felipe Silva Caffé) vivo para que ele visse o criminoso estuprando a Liana foi chocante. Quando você observa certo grau de perversidade, é impossível alegar que não se trata de um psicopata. Tanto que na Inglaterra eles julgam o crime sem observar a idade. Teve um caso clássico de meninos de 8 e 11 anos que roubaram um bebê, levaram para o trilho do trem e amarraram para o trem passar por cima. Os meninos disseram ao juiz que fizeram aquilo porque tinham a curiosidade de ver como era um bebê explodindo. Eles foram julgados como adultos na Inglaterra.

Qual a orientação para um pai que observa esse comportamento com sinais de psicopatia no filho?
A psicopatia tem um componente genético que vem desde cedo. Mas uma educação muito planejada pode modular, pode fazer com que uma psicopatia grave ou moderada se torne leve, por exemplo. A educação precisa ser caprichada para ter limites, precisa ser baseada na união da família, mostrar consequência dos erros, para que o nível de maldade seja amenizado de acordo com a racionalidade. Quando a criança ouve o que é certo e errado, quando desde cedo aprende as consequências de seus atos, ela logo vai ver o que pode ou não pode fazer.

Como diferenciar o bullying do comportamento psicopata?
O grande sensor para ver isso é a questão do arrependimento. A criança pode machucar um cachorro por inconsequência, sem querer, enquanto estava brincando. É diferente de uma que mata por curiosidade mórbida, para ver como é um animal por dentro, como é um animal sofrendo. Uma excelente dica para os pais é assistir ao filme Precisamos falar sobre Kevin, que mostra a história de uma mãe que tem um filho psicopata e percebe isso de forma nítida. A primeira orientação é procurar um psiquiatra infantojuvenil. A gente não faz diagnóstico de psicopatia antes dos 18 anos, mas podem haver indicativos, como o transtorno de conduta. É importante estabelecer o diagnóstico e com a família, fazer um planejamento educacional, com psicoterapia.

"Essa Adriana, que matou a Maria Cláudia, chegou a alegar
que o crime foi motivado por ciúme. Mas não há ciúme que justifique isso"

"A gente não pode se iludir com os discursos e com as aparências porque a psicopatia está em
todos os níveis sociais, todos os credos e em todas as religiões"

"A criança pode machucar um cachorro por inconsequência, sem querer, enquanto estava brincando.
É diferente de uma que mata por curiosidade mórbida, para ver como é um animal por dentro, como é um animal sofrendo"


Biblioteca
Livros da psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva (alguns deles em coautoria com outros escritores):

» Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado
» Mundo singular: entenda o autismo
» Bullying: mentes perigosas nas escolas
» Mentes inquietas: TDAH – desatenção, hiperatividade e impulsividade
» Mentes e manias: TOC (Transtorno Obsessivo-compulsivo)
» Mentes ansiosas: medo e ansiedade além dos limites
» Mentes insaciáveis: anorexia, bulimia e compulsão alimentar
» Sorria, você está sendo filmado

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