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Vera Brant costumava trocar cartas com amigos, como JK e Darcy Ribeiro

lgumas das cartas viraram livros, como Carlos, meu amigo querido, que mostra a troca de correspondências entre ela e Carlos Drummond de Andrade

postado em 14/09/2014 11:20
lgumas das cartas viraram livros, como Carlos, meu amigo querido, que mostra a troca de correspondências entre ela e Carlos Drummond de Andrade

[SAIBAMAIS]A pioneira Vera Brant, que morreu neste domingo (14/9), costumava trocar cartas com amigos mais próximos, como Darcy Ribeiro, Fernando Sabino e Paulo Autran, além de Juscelino Kubitschek. Algumas das cartas viraram livros, como Carlos, meu amigo querido, que mostra a troca de correspondências entre ela e Carlos Drummond de Andrade. Veja trechos de algumas cartas.

De Juscelino para Vera
"Rio de Janeiro, 5 de dezembro de 1973

Minha querida amiga Vera,
Realmente as suas cartas à nossa Helena Morley são páginas de literatura viva, cheias de beleza e de uma sensibilidade que a todos os instantes prende, encanta e seduz.

E você tem o direito à glória não como ;carona;, como modestamente pretende, mas ao contrário, em carro especial, autônomo todo seu, correndo por uma estrada que a sua inteligência soube rasgar por entre os caminhos da arte.

E neste, o gênero epistolar, dos mais raros e difíceis, se enquadra dentro das manifestações mais autênticas de uma capacidade criadora. Porque a carta é um monólogo escrito, portanto, desenvolvendo-se em torno de uma personagem única.

Suas cartas têm um colorido forte, um cheiro de terra e encerram uma mensagem de confiança.

As cartas que me enviou rescendem a um perfume especial que mais parece o nectar que as musas espalhavam nos montes de habitavam.

Seu talento tão pouco me surpreende.

Abraço fortíssimo do amigo e conterrâneo entusiasmado.

Juscelino Kubitschek"


De Carlos Drummond para Vera
"Vera, amiga:
Ora muito bem. Estamos amigos, e não foi preciso recorrer a intermediários. Não foi melhor assim? O encontro, em volta do Darcy, criou a boa relação, que as cartas consolidam.

Por falar em carta, não preciso dizer que me tocou sua prova de confiança. Junto restituo a cópia, que deve ficar em seu poder, e não no meu arquivo. É um documento admirável, mostrando a mulher valente e lúcida que você é, no controle dos seus sentimentos. Mas, pergunto- não indicará também um conceito talvez deformador da natureza da relação carnal? A Bíblia chama-a de ;conhecimento;, e eu acho certo este nome. O conhecimento físico completa a imagem que temos do próximo. Ligá-lo a um estado de paixão é dar-lhe uma força que ele não tem em si. Já não falando no aspecto de necessidade biológica, que o legitima e lhe tira a sacralidade. Em suma, ou em princípio: não entendo porque o sexo, realizado com uma visão clara das coisas, corrompa a amizade. Mas este é um assunto que poderia ser discutido até o infinito, e eu não tenho paciência para discutir. Apenas manifestei o meu ponto de vista. Um dia, com você aqui no Rio, poderemos conversar a respeito. Sem perigo nenhum, ouviu? Sou um respeitável senhor de 70 e tantos anos...

Escreva o livro que você pretende, e conte tudo. Para contar só o superficial ou o aveludado, realmente não vale a pena escrever. Já temos um número excessivo de memorialistas que retocam a falsificam a vida. E você, com o seu talento, pode nos dar um retrato precioso de costumes e psicologia social e humana, do tempo que está vivendo. O que há de melhor nos livros do Nava, ao lado da criação literária, é a coragem.

Um grande abraço, com carinho, do Carlos"


De Darcy Ribeiro para Vera

"Veríssima,
Você não escreve há séculos, querida, isto é justo? É verdade que eu também não, mas ao menos tenho a desculpa de ser um exilado roído de saudades, amargado de frustração e outras bobagens ( sabe que às vezes me envergonho de não ser capaz de fruir o gosto de sofrer o exílio como recomendam os fortes?).

A verdade é que estou bem, trabalhando como um celerado. Só agora, depois de escrever 1.000 páginas de livros, sinto que o acumulado começa a descarregar.

Quando é que você vem aqui, querida?

Os portadores são gente divina e servirão de amostra para você saber o que são os uruguaios, antes de decidir-se a exilar também.

Saudades muitas e muita inveja de não estar aí frustrado e chateado, embora.

Beijos, Verinha.
Darcy"

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