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Ceilândia: estilos musicais diferentes contribuem para transformação social

"A união do povo foi o que fez Ceilândia ser bacana. Com pouco, a gente faz muito, a gente vem fazendo uma Ceilândia nova", conta Roberto Barbosa da Silva, 31 anos, morador de Ceilândia

postado em 27/03/2015 09:48
Nanci Araújo canta forró e MPB em shows e eventos culturais
A história de Roberto Barbosa da Silva, 31 anos, se confunde com a de muitos moradores de Ceilândia. Ele nasceu e cresceu na região, com os três irmãos, todos criados pela mãe, que trabalhava de domingo a domingo para sustentar a casa sozinha. Muito cedo, conheceu as faces mais difíceis da vida. Perdeu amigos para as drogas e para o crime e viu coisas a que nenhum jovem deveria ficar exposto. Mas foram essas experiências que despertaram nele a vontade de iniciar mudanças, o que conseguiu fazer com o apoio de uma comunidade resistente e unida e, principalmente, por causa da paixão pelo rap.

;A união do povo foi o que fez Ceilândia ser bacana;, afirma ele. ;Com pouco, a gente faz muito, a gente vem fazendo uma Ceilândia nova. Quem faz a cidade ser vista somos nós, que estamos no asfalto;, completa. Ele é conhecido como Preto Beto, o rapper que canta a rotina e os desafios dos moradores da cidade ; das mulheres trabalhadoras à criança que brinca na rua. O alcance dos versos cantados vai além do lazer e se torna um mecanismo de transformação social. ;O jovem que escuta meu rap não vira criminoso. A jovem e a menina que escutam meu rap não vão para a prostituição;, acredita.

Hoje, o próprio Roberto, pai de um filho de 11 anos, conseguiu chegar ao ensino superior. Ele cursa psicologia no câmpus de Ceilândia do Centro Universitário Iesb. ;Nós continuamos sonhando que as crianças que vão nascer em Ceilândia vão ter a oportunidade que nós não tivemos, mas que descobrimos. E essas oportunidades só aumentam, devido a todas as faculdades que chegam, devido à educação;, diz. ;O conhecimento nos deu liberdade;, resume.

Pioneira
A cantora Nanci Araújo, 54 anos, faz parte da geração anterior à de Roberto, aquela que veio ainda criança morar em Ceilândia. Aos 8 anos de idade, mudou-se com os dois irmãos e os pais. A família fretou um caminhão para transportar mobília e material de construção da Vila do IAPI para o novo lar. ;Aproveitávamos material de construção de lá para construir aqui, porque éramos todos muito pobres mesmo. Não tinha a menor condição de comprar material novo;, lembra.

Antes da transferência, Nanci foi selecionada para a gravação do jingle A cidade é uma só, símbolo do movimento que criou Ceilândia. Desde então, ela nunca deixou a carreira artística. Canta músicas da MPB e forró, em apresentações solo ou com o grupo Fuzuê Candango. Além disso, desde os 17 anos, começou a fazer teatro e tornou-se atriz. Anos mais tarde, participou do longa dirigido por Adirley Queirós, que leva o mesmo nome do jingle e que propõe uma reflexão sobre o cotidiano de Brasília a partir da história de Ceilândia.

Nanci ainda mora com o marido em Ceilândia Sul e não deixa a cidade por nada. ;Tem dias que eu saio caminhando pelas ruas ou pego o carro e vou dar uma volta e eu fico encantada com cada morador que eu encontro, com cada beco que eu vejo que está sendo cuidado, arborizado.;

O vice-governador do Distrito Federal, Renato Santana, mora em Ceilândia há 21 anos e foi diretor de Cultura da administração regional em 2000. Ele destaca a pluralidade cultural da cidade, que inclui grupos de forró, de rap, de rock, de break dance, de grafiteiros, além de talentos no teatro e na literatura.



Na opinião de Renato, essa diversidade artística contribui de maneira essencial para o empoderamento da população. ;O morador tem uma coisa da autoestima ferida e, por muito tempo, ele vestiu a camisa do preconceito. Hora forçadamente, hora ele achava que aquilo era uma coisa normal. Um dos elementos que, sem dúvida, contribui para a mudança, para a melhoria dessa autoestima, foram os eventos culturais e esportivos na cidade;, afirma.

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