Cidades

Reitor da UnB confessa o que o incomoda:"Professor não é nenhum coitadinho"

Sobre uma possível reeleição para a reitoria, ele é categórico: "O que tenho dito é que, para repetir essa pauta que estou fazendo, eu não vou"

Helena Mader, Especial para o Correio, Ana Dubeux
postado em 27/09/2015 08:00
Sobre uma possível reeleição para a reitoria, ele é categórico:
O reitor da Universidade de Brasília (UnB), Ivan Camargo, não liga o ar-condicionado de sua sala. Engenheiro, especialista na questão energética, ele sabe o impacto que um simples botão de ligar e desligar tem nos reservatórios brasileiros. Tal atitude revela duas coisas. Uma sobre a situação do Brasil: a questão da energia é grave. A segunda, sobre ele mesmo: é um sujeito metódico e disciplinado.

Filho de militar, levou seu pragmatismo para a reitoria. Eleito num momento particularmente difícil, concentrou-se em arrumar a casa. Com os cortes no orçamento do governo federal, viu minguar a capacidade de investimentos em infraestrutura. Para completar, amarga uma greve de servidores que ele considera ;a mais difícil que a UnB já viveu;.

Para driblar as dificuldades orçamentárias, o reitor admite vender projeções valiosas da universidade, que tem um patrimônio imobiliário de 1.500 imóveis. Admite negociar áreas importantes, como os terrenos da 207 Norte.

Também defende maior autonomia das instituições públicas de ensino superior. ;A UnB, que é por definição uma universidade de vanguarda, poderia ousar e abrir a discussão.; Sobre uma possível reeleição para a reitoria, ele é categórico: ;O que tenho dito é que, para repetir essa pauta que estou fazendo, eu não vou. É muito duro falar não para sindicato, cortar gastos, reduzir terceirizados, dizer não para os diretores. Essa pauta que tenho feito há três anos é muito desgastante. Mas, se a gente conseguir construir um projeto, com uma pauta, por exemplo, de radicalizar na autonomia, aí é para a universidade deslanchar, e não para voltar ao trilho.; Nesta entrevista ao Correio, Ivan confessa que o incomoda muito o discurso de que professor é coitadinho.

A redução de repasses do governo comprometeu 10% do orçamento da UnB, o que representa cerca de R$ 1,5 milhão por mês. Como está a situação financeira da universidade?
O corte do custeio da UnB é igual ao das outras federais, mas o agravante da UnB é que nós já vínhamos de uma situação de desequilíbrio dos gastos de custeio. Assim como a Federal do Rio, a UnB gastava mais do que recebia do MEC. Quando vem um corte, a coisa só piora. A maior parte do custeio da UnB, cerca de 67%, é de contratos terceirizados. E o resto é coisa que não dá para mexer muito, como água, luz, papel. O foco tem que ser, infelizmente, nos contratos terceirizados. Só não mexemos no contrato da segurança. Ele foi mantido, porque há uma demanda muito grande para que a gente melhore a segurança. A administração tem um bom relacionamento com o MEC e o ministério vem honrando as dívidas da universidade.

Como esses cortes vão influenciar o ensino, a pesquisa?
O mais complicado dos cortes é não poder planejar a universidade. Se o corte foi de 10% no custeio, nos investimentos, o corte foi de 50%. Aí você empurra para o ano seguinte o que estava previsto para este ano. Esse é o grande drama das universidades públicas brasileiras. Em qualquer universidade do mundo, na França, na Espanha, em Portugal, há um investimento enorme em logística, em laboratórios, nos restaurantes, na biblioteca, e não conseguimos prever isso porque toda a nossa verba é destinada para pagar pessoal.

Afetará o investimento?
Este ano, estávamos com R$ 50 milhões de obras prontas para serem licitadas. Aí veio o corte e só poderemos licitar R$ 15 milhões. São obras das quais a universidade estava muito necessitada, mas terão que ser postergadas.

Como gerir a UnB em crise?
As principais mudanças de gestão são a passagem do Hospital Universitário para a Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, ligada ao Governo Federal), e também no Cespe, que deixará de ser um centro da UnB e passará a ser uma organização social ligada à universidade, mas com contratos de gestão com o MEC.

As mudanças são relevantes ?
Tínhamos, na UnB, o péssimo hábito de contratar pessoas de forma irregular e precarizada. Quando chegamos à administração, havia 1,5 mil pessoas contratadas de forma irregular. O Ministério Público do Trabalho já havia acionado a universidade e os reitores anteriores assinaram um TAC. Quando chegamos, o MP veio com a faca no nosso pescoço. Aí pedi ao MP que o MEC e o Ministério do Planejamento também participassem da negociação. Porque se tirasse do dia para a noite 1,5 mil funcionários, a gente pararia. Assinamos um acordo de que, em dois anos, o MEC daria as vagas necessárias. Dessa forma, em junho deste ano, conseguimos regularizar essa situação.

O que mudou no Cespe?
O Cespe era um centro da UnB e tinha 500 precarizados. O hospital também. O Cespe contratou pela CLT parte dos servidores, a Ebserh também resolveu o problema no hospital. As vagas estão sendo preenchidas, estamos na última fase e só falta preencher 190 cargos. Esse processo, que fechamos em junho, tem como consequência a greve. Essa é a paralisação que a universidade mais está sentindo. Está chegando aos 120 dias. Quando havia greve no passado, o servidor precarizado garantia o funcionamento da universidade. Agora, só com terceirizados e pessoal do quadro, o impacto é muito maior.

Com a mãe, os irmãos e os avós. Ivan é o garotinho do meio, no colo do avô José. A família veio para Brasília em 1970. Primeiro local de moradia foi a 104 Sul
Como minimizar os transtornos?
Fizemos um mutirão para garantir a matrícula e o registro de novos alunos, chamando professores, colaboradores, e começamos o semestre. Não tivemos nenhuma aula suspensa. Estamos com o cronograma normal.
São comuns os relatos de falta de professores. Por que isso ocorre?
Todo início de semestre, há contratação de professores substitutos. Os colegas mandam as demandas, que são processadas no nosso Decanato de Gestão de Pessoas. Mas o decanato está sem pessoal por causa da greve. De fato, atrasou esse processo. Não estamos começando o semestre nas condições ideais, mas nas condições possíveis. A greve atrapalha muito o funcionamento da UnB.

Em entrevista ao Correio, o ex-reitor Cristovam Buarque criticou o novo modelo de greves, dizendo que prejudicam mais e têm cunho meramente político. Concorda?
Concordo integralmente. A sensação que tenho é de que há cerca de 20 pessoas no comando de greve e elas não conseguem mobilizar ninguém para a causa. Então, há funcionários em casa estudando para concurso, ou em férias, não há mobilização nenhuma. O comando de greve não aglutina ninguém. Na atual situação do Brasil, colocar na pauta de reivindicações que quer trabalhar 30 horas semanais e sem ponto me parece uma coisa de outro mundo. A gente demitindo servidor terceirizado, controlando os gastos, e eles vêm dizer que querem qualidade de vida. Não conseguem convencer nem os servidores de que essa é uma causa pela qual vale a pena brigar.

Quantos servidores estão trabalhando?
Não tenho o número exato, mas todos que têm cargo comissionado estão trabalhando. Acredito que, dos 2,5 mil servidores, cerca de 500 estão trabalhando.

O corte em 2016 será mais brutal?
Tudo indica que 2016 será um ano muito difícil. Tenho feito esforço grande pela austeridade orçamentária, para que as nossas contas caibam na receita.

A UnB chegou a essa situação por falta de atenção dos reitores anteriores?
Não sei o que aconteceu, mas, quando chegamos, o orçamento da UnB era de quase R$ 1 bilhão por ano com pessoal, e a parte de custeio, da ordem de R$ 210 milhões por ano, além de R$ 50 milhões por ano de investimentos. Em 2012, já havia esse gasto de custeio e a receita do MEC era da ordem de R$ 70 milhões. A receita do MEC para 2016 já é de R$ 150 milhões; temos mais R$ 30 milhões de aluguel, R$ 30 milhões do Cespe, da receita de concursos, esperamos que em 2016 haja um equilíbrio. A UnB hoje precisa de investimentos na infraestrutura. Melhorar os restaurantes, aumentar o alojamento, melhorar a área de esporte. A nossa universidade deve parecer com as melhores do mundo.

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